O dinamismo do sector que a falta de mão-de-obra pode pôr em causa
“Governo de gestão, duas guerras a ocorrerem (uma delas na Europa), taxas de juro elevadas e que podem crescer, são ingredientes muito negativos para um cenário de estabilidade”, inúmera António Costa, associate executive manager de Property & Construction da Michael Page em entrevista ao CONSTRUIR, mas este é o cenário que enfrentamos no arranque de 2024. Um cenário que pode impactar a actividade de Construção
Manuela Sousa Guerreiro
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“O ano de 2023 foi um ano extremamente dinâmico para o sector da construção e do imobiliário, com vários projectos a passarem para fase de execução, observando-se um aumento dos salários”. A constatação surge na análise da empresa de recrutamento Michael Page, no estudo anual sobre as principais tendências do mercado de trabalho para 2024, relativo aos quadros executivos em empresas de grande dimensão. Na sua análise sobre o sector, a consultora explica o dinamismo do sector e o impacto deste sobre os recursos humanos. “Este dinamismo no mercado tem acentuado de forma muito significativa a falta de recursos humanos, principalmente nas funções ligadas a obra, com elevada procura em funções como directores de obra, encarregados, orçamentistas e preparadores de obra. Num futuro próximo terá de se repensar este sector, na medida em que começa a ficar muito difícil para as empresas terem no mercado mão-de-obra disponível para os seus projectos”. Falámos com António Costa, associate executive manager de Property & Construction da Michael Page, sobre as conclusões da análise, ao mesmo tempo, procurámos antever o que podemos esperar de 2024.
Quais as principais tendências observadas no mercado de trabalho do sector da Construção e imobiliário em 2023?
Ambos os sectores demonstraram ao longo de 2023 uma elevada dinâmica, no entanto abordando cada sector individualmente conseguimos perceber algumas questões importantes para prever o futuro.
O sector imobiliário esteve até Setembro mais dinâmico, mas no último trimestre existe uma estagnação, principalmente pela prudência que se verifica do lado do investidor. Os projectos que saíram para o mercado continuaram a ser sobretudo de cariz residencial e hoteleiro. Mas começa-se a perceber o direccionamento em alguns promotores para projectos de cariz logístico e industrial, considerando que ainda existe necessidades óbvias no mercado para este tipo de produtos. Não significa isto que não houvesse ainda margem para investir em produto residencial, que notoriamente, principalmente o que está no segmento de luxo, continua a ter procura. A questão prende-se com os valores elevados para aquisição, tempos demasiado longos nos licenciamentos e custos de produção. Para o residencial orientado à classe média e que necessita de recorrer à banca, coloca-se ainda o problema das taxas de juro. A conjuntura catual justifica o abrandamento no final do ano em novos investimentos, mas ainda existem muitos projectos em concepção e em execução.
Já no sector da construção…
Destacam-se aqui dois fenómenos. Por um lado, muitos projectos directamente ligados a esta promoção imobiliária anteriormente referida, que ocupam muitos recursos e empresas nos gabinetes de engenharia, fiscalização e obviamente nos empreiteiros. Por outro lado, as obras de reabilitação rodoviária e de infraestruturas hidráulicas vieram dinamizar as empresas do sector que se dedicam maioritariamente a obras públicas. Acredito que o dinamismo neste sector possa continuar mais algum tempo.
O sector está a atravessar uma fase de transformação, sobretudo em virtude da maior digitalização da actividade, de que forma esta transformação é perceptível no mercado de trabalho?
Os projectos em fase de concepção têm hoje uma complexidade maior, na medida em que os mesmos englobam várias dimensões no ciclo de vida de um determinado activo. Adicionalmente, nestes projectos, já se consideram temas como a peugada ambiental e construção sustentável. São por isso necessários profissionais que implementem metodologias, processos e ferramentas informáticas que respondem a estas necessidades de mercado. Vemos por isso uma crescente preocupação em recrutar profissionais para implementar BIM nas empresas e formar as equipas em ferramentas 3D. É menos visível ainda do lado do empreiteiro, mas acredito que será uma tendência para o futuro, competências digitais em quem dirige as obras.
Falta de mão de obra qualificada já é factor crítico
A falta de mão de obra qualificada é transversal a todas as actividades/postos ligados ao sector da construção?
A falta de mão de obra sente-se sobretudo nos empreiteiros e subempreiteiros e é realmente um problema sobre o qual nos devíamos debruçar seriamente. Neste momento já é perceptível uma falta de mão de obra em praticamente todas as funções, com a direcção de obra e encarregados gerais à cabeça. Contudo, outras funções técnicas como preparadores de obra ou orçamentistas, são também um problema nesta fase. O fenómeno não é muito difícil de explicar ou compreender e na verdade é uma réplica do que já aconteceu em outros momentos com os países mais evoluídos.
Começando pela engenharia, podemos constatar as seguintes situações: existem menos pessoas a candidatarem-se a cursos com o objectivo de trabalhar no sector da construção; a falta de mão de obra generalizada desmotiva os engenheiros a trabalhar nos empreiteiros porque é complicado gerir e garantir prazos; as funções ligadas ao dono de obra como gestor de projecto são mais aliciantes e menos exigentes; o mercado europeu paga significativamente mais que Portugal existindo por isso algumas saídas.
Se nos focarmos nas funções que são oriundas de cursos técnicos ou da carreira e experiência no sector, é notório o seguinte: existe um envelhecimento ao nível dos encarregados gerais, não havendo nas empresas quadros de carreira para os substituir, porque num passado não muito longo as funções de base eram desenvolvidas por pessoas de outras nacionalidades que, entretanto, regressaram aos seus países. Há imagem dos cursos de engenharia, não existe interesse em entrar em cursos técnicos com destino ao sector construção.
Assim, considero que se o ritmo de projectos para construção se mantiver estável ou crescer um pouco, estratégias de atracção terão de ser pensadas, caso contrário o problema poderá tornar-se ainda mais critico e afectar irremediavelmente os timings e custos de produção.
O número de empresas no mercado tem sofrido oscilações?
Mesmo em momentos em que os mercados estão positivos existem sempre algumas empresas que acabam por desaparecer por via de uma estratégia errada. Em contrapartida, outras surgem para colmatar as necessidades de mercado. Diria que no sector da construção e em número absoluto, deverá haver uma estabilidade nos empreiteiros gerais, um aumento de muitos negócios de subempreiteiros (por via da criação de negócio pessoal) e um aumento de empresas ligadas ao imobiliário, sobretudo com ligações a empresas de investimento estrangeiro. Este ciclo de construção em fase de estagnação deverá manter os números equilibrados nos próximos tempos, porque normalmente essa oscilação acontece por crescimento ou decréscimo perante situações mais extremas de mercado.
A transformação (trabalho mais qualificado e tecnológico) do sector está a mudar o tipo de empresas que nele actuam? Qual é a vossa percepção?
A Construção é um sector ainda muito tradicional e se algum avanço tecnológico tem sido feito, deve-se muito a imposições legais relacionadas com uma construção mais sustentável ou por via de investidores estrangeiros que estão habituados a projectos de construção mais complexos e elaborados.
Com naturalidade os gabinetes de engenharia são os primeiros a inovar tecnologicamente e a usar ferramentas que permitem entregar aos seus clientes soluções que acompanham o ciclo de vida do projecto na sua totalidade. Diria que as empresas maiores, com maior nome no mercado e com maior acesso a clientes internacionais são as que mais se adaptaram e evoluíram.
Instabilidade coloca investidores na expectativa
O vosso trabalho é mais abrangente e envolve os vários sectores da economia. Fazendo uma análise mais ou menos comparativa como estão Construção/imobiliário face ao contexto nacional?
Desde Setembro de 2020 e até meados deste ano, praticamente todos os sectores recuperaram índices de 2019 e muitos conseguiram crescer. A construção e o imobiliário não foram excepção. Sabemos, no entanto, de uma grande dependência destes dois sectores de decisões políticas e económicas, cujo impacto pode ser mais rapidamente observado que em outros sectores. Nesse sentido, diria que para já há uma relação directa e que segue a maioria de mercado, não significa, no entanto, que alguns sectores tenham passado momentos mais complicados como por exemplo a indústria automóvel.
Em termos de evolução, qual a expectativa de evolução deste quadro para 2024 para o sector?
Existem dois cenários possíveis. No primeiro as condições externas (política e economia) permitem que continue a haver investimento e os dois sectores poderão até crescer, mas provavelmente de forma menos acentuada. No segundo cenário as condições são adversas e quando isso acontece a redução de projectos é, normalmente, sentida de forma clara e repentina com um abrandamento de mercado quase imediato.
Se por um lado uma estagnação facilitaria um equilíbrio na balança da oferta e da procura da mão de obra, por outro lado tem impacto no crescimento económico do país.
E quanto deste cenário pode ser posto em causa por um cenário de instabilidade?
Diria que é altamente improvável que alguém consiga objectivamente responder a esta questão, mas, governo de gestão, duas guerras a ocorrerem (uma delas na Europa), taxas de juro elevadas e que podem crescer, são ingredientes muito negativos para um cenário de estabilidade.
Os investidores estão na fase de aguardar, deixar o mercado estabilizar para poderem investir minimizando o seu risco. Acredito que pelo menos até ser eleito novo governo em Portugal e se perceber algumas das políticas relacionadas com mercado residencial, que o mercado deverá estar expectante.