“Para nós, é inconcebível um promotor achar que pode pagar 5% do valor de venda a uma imobiliária e menos de 1% do valor de construção ao projectista”
Para o presidente da Secção Regional de Lisboa e Vale do Tejo da Ordem dos Arquitectos, há um longo caminho ainda a percorrer na valorização do acto de arquitectura e dá o exemplo da desproporção que existe nos valores praticados entre a mediação imobiliária e a concepção do projecto. Quando passa um ano desde o início do mandato, Pedro Novo faz um balanço do percurso percorrido e traça as prioridades do que falta cumprir de mandato
Quando passa um ano desde a tomada de posse da nova direcção da Ordem dos Arquitectos, o presidente da Secção Regional de Lisboa e Vale do Tejo fala ao CONSTRUIR do trabalho feito até agora e aponta os desafios que ainda há para responder. Pedro Novo aponta a questão dos honorários como prioridade, numa altura em que se agudiza o contexto de dumping em que a disciplina opera, em boa parte promovido pelas organizações públicas.
Passa por estes dias um ano desde a tomada de posse do Conselho Directivo da Ordem e das respectivas secções regionais. No global, que balanço faz da vossa actuação? Está a ser mais exigente daquilo que supunham também, eventualmente, derivado das condições que encontraram ou do estado de arte que encontraram do ponto de vista da organização?
Pedro Novo: Aquilo que posso dizer é que, naturalmente, quando assumimos esta nossa candidatura, havia uma percepção e uma expectativa do que podíamos fazer numa secção regional com a dimensão de Lisboa e Vale do Tejo, secção que representa metade dos arquitectos de Portugal. E sabíamos que o desafio teria de ser imenso, não só por muitas das conversas e de contactos que fui tendo também com ex-presidentes e ex-vogais que tinham estado aqui, ainda enquanto Sul, e não enquanto LVT. Note-se que quando na secção era ainda designada apenas por Sul ainda era uma empreitada maior, porque abarcava as ilhas, o Alentejo e Algarve. Posso dizer que, passado um ano, acho que me sinto mais capaz, à data de hoje, de fazer um trabalho mais político, um trabalho de proximidade junto dos membros, que não foi possível quando tomámos posse. E também tem a ver com processos de aprendizagem, de conhecimento da casa. Toda a equipa é uma equipa que não tinha qualquer tipo de funções na estrutura da Ordem no passado, e isso permitiu termos uma equipa jovem, sem qualquer vício e sem qualquer constrangimento de actuações do passado. Isso possibilitou olharmos para a casa quase de tábua rasa e dizer, de imediato, o que é que está bem, o que é que está mal. Essa percepção implicou, também, olharmos para a forma de actuar com o Conselho Directivo Nacional e percebermos onde é que podia haver sinergias e quais os limites de actuação entre um e outro. Isso também foi importante.
Os primeiros 12 meses foram, por assim dizer, de grande aprendizagem sem que tenhamos deixado de fazer coisas. Foi um ano muito intenso, de muitas iniciativas. Por exemplo, tivemos uma iniciativa em que tivemos 550 membros com inscrição activa num só espaço para uma sessão organizada pela Ordem. Nem o último Congresso, que se realizou nos Açores, reuniu tanta gente.
Onde é que acha que esteve o mote para se começar a ver efeitos dessa mudança e dessa aproximação?
A nossa lista acaba por vencer em quase todo o território, excepto nos Açores, o que potenciou uma lógica de coesão e de relacionamento entre intersecções que permitiu alavancar este procedimento e esta estratégia que estava pensada desde a campanha, e que tinha a ver com questões de clarificação dos honorários e a resolução do mesmo, o modo como se iria resolver a questão das carreiras, matérias que fazem parte do quotidiano de qualquer gabinete, de assuntos discutidos entre colaboradores. Além disso, tínhamos também a questão dos honorários e o dumping que ocorre constantemente, até pelas entidades governativas. Aliás, são elas as primeiras a promover esse esmagamento. Diria que o Simplex foi, sem dúvida, o gatilho que colocou os arquitectos num momento de desconforto, de dúvida, de percepção do que é que estava a acontecer, e quais as suas necessidades e expectativa futura perante uma alteração significativa naquilo que eram os procedimentos administrativos. Isso permitiu aos membros olharem novamente para a Ordem, numa lógica de “vamos dar então uma nova oportunidade para perceber se eles conseguem dar respostas”.
Eu acho que temos feito um trabalho muito interessante de apoio aos membros no que diz respeito ao acompanhamento das alterações legislativas, mesmo até junto das entidades governativas, pressão em determinadas acções que têm ocorrido e até a apresentação pública do nosso desconforto perante aquilo que tem ocorrido. Além disso, nós temos tido também comunicações públicas no que diz respeito à encomenda e àquilo que são iniciativas que nós discordamos relativamente a alguns concursos públicos e o modo como têm sido montados para a participação dos arquitectos. Nesse capítulo, nós temos tido uma relação mais próxima, mais efectiva com os membros e que eu acho que eles também reconhecem que a Ordem pode ter um papel de intervenção.
As prioridades do mandato passavam pela discussão das questões dos honorários, da remuneração dos arquitectos assim como a legislação que regula a actividade e a promoção das boas práticas. Que caminho já foi percorrido neste domínio?
No que diz respeito aos honorários, tem havido um trabalho muito intenso por parte do Observatório que tem permitido constituir dados estatísticos que hoje nos mostram que há uma série de actuações por parte das entidades governativas, regionais e até centrais, que são manifestamente lesivas. Muitas vezes, os concursos promovem a participação dos arquitectos com valores-base já por si, muitas vezes, esmagados, e são aceites propostas anormalmente baixas, sem qualquer critério de adjudicação.
Para além disso, temos a questão dos concursos de concepção e construção, dos quais nós discordamos totalmente, porque lesam a qualidade da arquitectura. Veja-se a polémica recente com a Câmara do Porto e as paragens desenhadas pelo arquitecto Siza Vieira, desde logo porque é um bom exemplo. A Câmara não concorda com a qualidade da proposta arquitectónica, no entanto, ela surge por um concurso de concessão-construção, onde o próprio município não se precaveu relativamente ao controle da qualidade. Se tivesse feito um concurso de concepção, teria escolhido a melhor proposta e aquela que lhe mais agradava e que serviria melhor o munícipe. Mas não. Entregou-a de imediato por uma questão de esmagamento de prazos. Este tipo de procedimentos lesa as boas práticas da arquitectura e a qualidade da arquitectura que, por consequência, lesa também o meio ambiente e a paisagem. Há um caminho a percorrer que já se iniciou neste inventário e nesta percepção dos valores concretos daquilo que hoje é a remuneração dos honorários na contratação e, dentro em breve, irá surgir uma nova intervenção por parte da Ordem. Não querendo revelar muito, encadeada numa estratégia a longo prazo de reconstrução daquilo que é esta lógica pela qual o mercado se rege. E entendemos que, entre colegas, o esmagamento dos honorários ocorre, mas é perante a função pública que temos que agir primeiro, porque é aí que todo o dumping ocorre.
Mas não deixa de ser, de algum modo, também difícil de perceber ou de aceitar, porque a questão da remuneração para já não é um problema novo, há muito que se vem debatendo esta questão, mas parece não haver aqui o salto prático para que esta solução se… não digo que se resolva, mas…Por exemplo, pegando nos resultados do Projecto Remuneração Justa, promovido pela Ordem, segundo o qual os serviços de arquitectura e de engenharia são lançados a concurso com um Preço Base que, em média, é de apenas 3,31% do valor estimado da obra, mas são adjudicados por uma média de 1,99% face ao valor previsto da empreitada. À margem da questão aritmética, o que dizem os valores apurados?
Apesar de tudo, nós passamos por uma situação que é paralela a esta, que é este afrontamento que os profissionais têm no seu quotidiano de não conseguir valorizar a sua prática profissional e ter o seu cliente, seja ele uma entidade pública privada, não conseguir alavancar a qualidade do seu projecto e, com isso, por consequência, a sua remuneração. Repare, a profissão vive de constrangimentos graves e pelos quais nós temos feito um trabalho intenso nos últimos meses, que remetem para o Simplex, e pela alavancagem das responsabilidades nos procedimentos administrativos. E é neste processo desta balança que a maior fragilidade surge na profissão, porque se por um lado nós somos afrontados por responsabilidades maiores e, ainda por cima, os nossos termos de responsabilidade são assegurados por seguros que nem sequer estão regulados pela tutela, isso deixa-nos num posicionamento de tal fragilidade que, face, muitas vezes, à escassez de trabalho, o profissional, infelizmente, é obrigado a ter que baixar os seus honorários para poder sobreviver, que é mesmo assim. E depois, há uma outra questão que tem a ver, com o reconhecimento do estatuto das carreiras. Se não há uma carreira especial, até na função pública, como enfermeiros ou como técnicos informáticos têm, nem a função pública pode servir de bitola para podermos regular ou podermos estruturar aquilo que são as práticas do mercado privado. No que diz respeito àquilo que são os honorários em si, estamos perante o esmagamento do valor da arquitectura que tem que ser desmontado e é esse o caminho que tem que ser feito. Este documento que agora foi apresentado é o primeiro passo e nós tínhamos, em primeiro lugar, dar a conhecer aos arquitectos esta visão da realidade. Muitos deles desconhecem estes valores, vão, muitos deles concorrendo e tentando aferir da melhor forma o seu valor para a remuneração dos projectos aos quais se estão a candidatar a concurso de preço. No entanto, também sabemos que, depois, há procedimentos que tentam colmatar essas deficiências ou por questões de escala, em que concorrem a vários concursos, mas na verdade não estão a ajudar o grosso dos arquitectos com esse tipo de práticas.
Percebemos claramente que sim, que as organizações, o promotor, o dono de obra, promove muito destas práticas, mas que responsabilidade cabe também aos arquitectos neste ciclo vicioso?
Nós, enquanto Ordem, temos que passar uma mensagem muito clara: para nós é inconcebível que um promotor de obra consiga valorizar e achar que pode pagar 5% do valor de venda a uma imobiliária e tentar esmagar o projecto para pagar muito menos do que 1% do valor da construção aos projectistas, os projectistas que acompanham desde o primeiro dia ao último a construção daquele produto. Temos de dar este passo e desmontar esta ideia, não só para o Estado, como também para o privado, que os autores do projecto de arquitectura, e não só, também o das especialidades, são os primeiros a valorizar aquilo que é o produto final e não quem o vende. Para nós, profissionais de arquitectura, é uma afronta. Estive recentemente com um arquitecto que acompanhou um cliente durante sete anos, incluindo o período da pandemia, e que tem agora um produto finalizado de excelência, reconhecido. Mas no final das contas, a remuneração acabou por ser muito baixa. Ninguém me consegue convencer que esse trabalho de valorização do produto concluído, fechado e com muita qualidade para uma potencial venda só represente para o projectista um valor na ordem de 1 ou 2% do valor da construção. Há uma décalage enorme entre aquilo que é o início e o fim de todo o processo da construção. Nós temos aqui um papel muito importante, mas os arquitectos também têm que nos ajudar.
De que forma?
Participando nas nossas acções. Quando nós vamos para terreiro gritar, dizer que está a haver dumping atestado por números reais, tem que haver uma disponibilidade por parte dos membros para que a mensagem efectivamente entre na ordem do dia. Por muito que tenha sido feito, ainda há um certo afastamento perante a Ordem. Importa que os membros comecem a olhar para a Ordem como uma entidade que os pode não só promover como proteger. Há um trabalho escondido, pouco revelado, mas asseguro que são dezenas e dezenas as reuniões que nós temos, não só com secretarias de Estado, como também com ministros, para que as coisas possam acontecer de acordo com o que foram as nossas linhas programáticas no início do mandato.