“Os arquitectos estão a dar entrada dos procedimentos com termos de responsabilidade e um seguro de responsabilidade civil que não está regulamentado”
O presidente da Ordem dizia, há relativamente pouco tempo, que “o cenário da arquitectura em Portugal é bom, o da profissão é que não”. Que passos têm sido dados por […]
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O presidente da Ordem dizia, há relativamente pouco tempo, que “o cenário da arquitectura em Portugal é bom, o da profissão é que não”. Que passos têm sido dados por esta direcção para responder a este desafio?
Concordo em pleno. Somos um país localizado na ponta de um Continente e temos dois galardoados com o Pritzker, além de haver mais dois ou três ateliês com capacidade para poder vir a ser galardoados com o mesmo prémio. Os profissionais, mesmo aqueles formados mais recentemente, são reconhecidos lá fora como óptimos profissionais. Aliás, muitos dos grandes ateliês internacionais têm, já hoje, portugueses à frente e a dirigir muitas dessas equipas. A qualidade não se coloca. É nossa missão também valorizar, não só as boas práticas e os bons exemplos, mas também a produção da arquitectura, porque até há bem pouco tempo nós tínhamos outros profissionais também a projectar arquitectura, o que para nós era um constrangimento muito grande e sabíamos que o nosso papel não estava a ser relevado. Esse foi um primeiro momento de viragem da valorização dos arquitectos e do seu papel fundamental naquilo que é o desenho e a construção da paisagem em Portugal. Há, no fundo, um trabalho de pressão política. Nós, quando tomámos posse, vivemos também logo de imediato uma revisão estatutária que produzia uma série de alterações na prática profissional com as quais não estávamos de acordo. Tal iria criar constrangimentos até naquilo que eram as nossas iniciativas, ou melhor, a instrução de procedimentos e quem os iria analisar nos municípios que foi blindada por parte do Presidente da República, mas eu acredito que muito se deveu à pressão que fomos fazendo. Isto foi um dos primeiros momentos na questão da revisão estatutária. É um processo que ainda está em aberto, e que estamos a acompanhar com muito cuidado. Depois, outra bandeira foi a questão do Simplex e as alterações que vieram introduzir mais responsabilidades nos profissionais. Ainda recentemente estive junto de todos os municípios da comunidade intermunicipal de Médio Tejo para iniciarmos um trabalho de reflexão sobre as alterações do Regime jurídico da urbanização e edificação e afinar até alguns procedimentos. Há municípios, neste momento, depois dessa iniciativa, que irão trabalhar com a Ordem, ou com formações à medida ou com sessões de esclarecimento…
Que cenários encontrou, nessa lógica de relação com os municípios e daquilo que foi a percepção da forma de trabalhar dos municípios?
Quando tomámos posse, as práticas eram as mesmas de quando eu estava na actividade profissional do privado, mas com a introdução do Simplex, houve aqui uma alteração muito significativa. Os próprios dados do INE revelam que, em muitos municípios, houve, em comparação com o mês homólogo do ano passado, um travamento, desde Fevereiro a Maio, na instrução de procedimentos, não só porque os técnicos estavam a tentar perceber, e com os promotores, qual o método de submissão, se o mesmo deveria ser um pedido de informação prévia, um licenciamento, ou qual o modo de actuar. Por parte dos municípios, também tiveram tempo para se adaptar e introduzir as portarias de acordo com as minutas que vinham em anexo, o modo dos portais que estavam montados de uma forma e que tiveram que ser todos reestruturados para agora dar resposta às novas portarias. Houve uma fase de percepção, de adaptação, não só pelos técnicos como por parte dos municípios e estão novamente a ganhar a velocidade do passado, mas acredito que com novas revisões haverá um novo momento em que nós, Ordem, nós secção regional ou o nosso gabinete jurídico de Lisboa e Vale do Tejo, voltaremos a necessitar de um trabalho de esclarecimento e de aprofundamento do que é que serão as novas revisões das portarias que eu estou muito crente que irão aparecer dentro das próximas semanas.
O que é que espera, o que é que vocês ordem, esperam que aconteça com a ambicionada, desejada revisão do Simplex?
Desejamos, sobretudo, que haja uma responsabilização dos técnicos de acordo com a sua condição. Hoje em dia, o arquitecto depara-se com qualquer coisa como 3000 regulamentos distintos. Demasiada informação. Vou-lhe dar um exemplo: em jeito de brincadeira, no encontro com os autarcas da comunidade intermunicipal do Médio Tejo, em que discutíamos e fazíamos esta reflexão sobre as alterações do RJUE, a dada altura, alguns dos autarcas diziam que os arquitectos usam, junto dos clientes, os municípios e o urbanismo como bode expiatório das dificuldades que há, das entropias que surgem nos municípios e muitas vezes, até por muito boa vontade para que os processos andem para a frente, os arquitectos usam-nos a nós também. É verdade que não podemos fazer da árvore a floresta, mas uma coisa é certa: eu, enquanto projectista, no meu gabinete, perante 11 municípios do médio Tejo, se quiser submeter um projecto de arquitectura, eu vou ter que o submeter de 11 maneiras diferentes.
O Simplex veio aligeirar esta carga que os arquitectos tinham, e mesmo sem o portal para a submissão dos projectos, permite-nos de um modo mais ligeiro e leve os procedimentos, o que nos retira a possibilidade de erro. A grande maioria dos processos encravam logo na entrada do processo, em que há um técnico do outro lado que diz “olha, desculpa, falta aqui a assinatura, falta não sei o quê, falta-me o documento A, o documento B”, e depois o técnico responde que “a portaria não diz que há o documento A”. Muitas das vezes nas autarquias respondem que “se sempre pedimos o documento, não é agora que o vamos deixar de fazer”. Há uma série de constrangimentos só no primeiro degrau da submissão do processo. E este é o primeiro momento que eu acho que o Simplex procura resolver e permite hoje ao técnico ser mais assertivo junto do promotor na instrução dos procedimentos. Mas, por outro lado, vai criar uma carga de responsabilidade, porque com o controle sucessivo, eu posso submeter um projecto em que o município, pouco ou quase nada diz na fase inicial mas pode vir, durante 10 anos, a fazer um controle sucessivo, o que irá, no meu entender, criar uma maior litigância no futuro. Qual é a grande fragilidade aqui? Os arquitectos estão a dar entrada dos procedimentos com termos de responsabilidade e um seguro de responsabilidade civil que não está regulamentado, o que pode vir a criar um problema muito grande e grave junto dos técnicos no futuro.
Que consequências é que poderão vir daí?
Diria que será a criação de uma nuvem de medo na instrução dos procedimentos e acredito que poderá chegar o momento em que arquitectos não queiram estar aqui na profissão. A responsabilidade é tal, face aquilo que já falámos no passado, na balança da remuneração, entre outros aspectos, que o técnico prefere mudar de vida. Porque a responsabilidade é gigante. Nós, na nossa sessão de esclarecimentos, tivemos um jurista que a 550 arquitectos, que “se vocês tivessem verdadeira consciência do que é assinar um termo de responsabilidade da arquitectura, num projecto de arquitectura, nenhum de vocês assinava. Nenhum”. Porque repare: em primeira instância, podemos estar a falar de falsas declarações, porque no meu termo de responsabilidade eu escrevo “eu assumo que todos os procedimentos… que o projecto responde a todas as normas e… em vigor”. Mas tem certeza que responde às mais de duas mil regulamentações, que, por si, são dúbias, são desarticuladas, se sobrepõem, se contradizem? Há um caminho a fazer, mas há algum receio por parte de muitos dos nossos colegas que estão um pouco mais atentos ao que irá ocorrer.
O Pedro é presidente de uma secção que, desde logo, é a mais representativa em termos de membros e que está mais próxima de uma realidade que, no fundo, acaba uma charneira ou espelho do país, Lisboa. Uma cidade, uma região, uma zona que está aqui muito pressionada em áreas que dizem respeito aos arquitectos, à própria organização dos arquitectos, à forma como se faz a arquitectura. Que desafio é que tem sido para ti também lidar com isto?
Lisboa é hoje uma cidade com uma pressão na habitação gigantesca, no ordenamento do território, no ordenamento do espaço público, na própria vivência da cidade enquanto espaço físico, e para o projectista, para os arquitectos, também tem aqui muito… Nós também temos um papel social muito importante. Nós promovemos diversas sessões públicas em que não só os arquitectos, mas também a sociedade civil, veio à Ordem e discutir problemas da cidade. Iniciámos as sessões públicas com a Carta Municipal de Habitação, em que tivemos o prazer de ter a vereadora Filipa Roseta a apresentar a Carta Municipal.
A Carta Municipal é um documento que foi, durante muito tempo, trabalhado e discutido pela população, deputados municipais e pelo próprio executivo municipal desde há muito, várias entidades também participaram. Já trouxemos também a discussão sobre a requalificação do Martim Moniz, o próprio concurso teve a nossa assessoria, e contámos com um auditório cheio com associações recreativas, associações de moradores, os projectistas, o promotor, o município, uma série de entidades, que também foi importante perceber este troço da cidade e discuti-lo. Trouxemos para a nossa casa a discussão do Vale de Santo António, também o maior espaço amplo com capacidade construtiva no centro da cidade. E agora recentemente, a reboque das questões da habitação e da escassez de habitação, trouxemos a discussão das residências universitárias. Tudo isto é ilustrativo de que nós, enquanto Secção de Lisboa e Vale do Tejo, procuramos ser o elo de ligação entre a sociedade civil, profissionais e academia.
Para terminarmos passou um ano desde que tomaram posse. Olhando num horizonte, enfim, o mais tardar até ao final do mandato, quais são as vossas prioridades mais imediatas, aquelas que vocês entendem que perante o diagnóstico foram fazendo de um ano de prática, por onde é que passa a vossa particular atenção?
Diria que a questão dos honorários e das carreiras. Foi a nossa bandeira no início do mandato e é com ela que queremos acabar o mandato com algo concreto, porque é uma bandeira que todos os que se candidataram à ordem levantaram e, nesse sentido, queremos ser diferentes. Queremos, efectivamente, concluir o processo. Com o documento publicado sobre as remunerações, podemos dizer que o barco já deixou o porto e queremos chegar a bom porto. E, por isso, as carreiras e os honorários são fundamentais. Vamos, com certeza, ter estas pedras no percurso, ou de revisões estatutárias, ou do Simplex, ou de eventuais directivas europeias que nos possam vir aqui a criar entropias, mas são acidentes de percurso e nós temos que os resolver. No que diz respeito a Lisboa e Vale do Tejo, há muito trabalho ainda a ser feito em particular junto dos municípios.