“Um incentivo ao crescimento do sector passaria pela criação de incentivos fiscais que potenciassem fenómenos de fusão”
Admito que toda a zona da Baixa-Pombalina vá ficar irreconhecível dentro de 5 a 10 anos, tal é a apetência, o número de obras de reabilitação em curso, as vendas que se projectam para 2016 e os processos de licenciamento pendentes para aprovação
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Em entrevista ao Construir, Tiago Mendonça de Castro, advogado, sócio e Coordenador da Área de Imobiliário e Construção da PLMJ – Sociedade de Advogados, falou sobre as tendências do sector para 2016, as questões jurídicas que podem funcionar como entraves ou como acesso ao crescimento do sector em Portugal, a reabilitação urbana e a recuperação de imóveis para retalho de luxo e sobre os spreads bancários e o financiamento de novos projectos.
O que se pode esperar do sector da construção para este ano? Já se pode falar em retoma e em crescimento sustentado?
A actividade de construção esteve completamente estagnada durante vários anos, mas tem conhecido agora alguns sinais de retoma, sobretudo ao nível de obras particulares.
Com as obras públicas ainda estagnadas, o sector da construção tem vivido nos últimos anos sobretudo da iniciativa privada e das múltiplas obras que têm vindo a ser lançadas por privados, que têm investido fortemente no sector imobiliário, não tanto ao nível da construção nova, mas sobretudo ao nível da reabilitação urbana e reconstrução de imóveis edificados, para conversão em hotéis ou empreendimento habitacionais.
São intervenções, nalguns casos, de grande profundidade e valor, que têm vindo a animar o sector, em particular na zona de Lisboa onde estão em curso múltiplas obras de reabilitação urbana, com foco na Baixa-Pombalina onde muitos imóveis têm vindo a ser vendidos a investidores privados para reabilitação. Temos ainda assistido ao arranque de vários projectos significativos, de natureza comercial, que estavam suspensos e que, agora, com a situação económica do país mais estável, foram reactivados para construção, como é o caso do novo Terminal de Cruzeiros e Lisboa, o novo Centro Comercial da IKEA no Algarve, e a construção da Universidade Nova em Carcavelos, para referir apenas alguns que são do conhecimento público.
Em todo o caso, é notório que os investimentos que têm sido a ser feitos no sector imobiliário, que conheceu em 2015 o seu melhor ano de sempre com mais de 2 biliões de euros de investimento, se repercutirão nos próximos anos na actividade de construção e recuperação de imóveis devolutos.
Em sinal disso, nós próprios sentimos uma necessidade de reforçar a nossa equipa de imobiliário e construção, que conta em 2016 com cerca e 20 Advogados para conseguirmos dar resposta a todas as solicitações de assistência que temos tido.
Quais as questões jurídicas fundamentais que podem servir de entrave ou acesso ao crescimento deste sector no País?
Os incentivos fiscais à reabilitação urbana, designadamente a possibilidade de recuperação do IMT pago pela compra de imóveis para reabilitação; as isenções de IMT para primeiras compra de imóveis reabilitados; as isenções temporária de IMI no âmbito de operações de reabilitação e a taxa reduzida de IVA a 6% no âmbito das empreitadas de reabilitação têm sido pouco exploradas, sobretudo por desconhecimento das regras por parte dos operadores e de entidades administrativas.
Mas num país com fiscalidade muita alta, estes incentivos, que se enquadram nas políticas que visam incentivar a reabilitação do nosso património, são seguramente incentivos com impactos significativos nos investimentos que se visam promover e que podem, por essa via, dinamizar a actividade de construção.
Num sector que atravessou grandes dificuldades, é ainda significativo registar que não se conheceram quaisquer operações de concentração de empresas de construção para potenciar sinergias e capacidades.
As grandes empresas de construção que Portugal sempre teve conheceram inúmeras dificuldades com a crise financeira e recuo da actividade, tendo muitas acabado por fechar portas ou ficado em situação de pré-insolvência.
É ainda sintomático registar a desconfiança que se gerou nos operadores relativamente à real capacidade das empresas de construção de darem resposta aos compromissos e obras que se pretendem adjudicar.
Um incentivo ao crescimento do sector passaria sobretudo pela criação de incentivos fiscais temporários aplicáveis em sede de tributação da actividade, que potenciasse fenómenos de fusão e integração de empresas de construção ou o estabelecimento de consórcios, para lhes conferir mais solidez, capacidade e competitividade, minimizar riscos e exposição dos donos da obra e das empresas de construção na execução das várias componentes das obras que lhes são entregues.
Diria que é mais fácil e, porventura, mais exequível entregar partes de obras a várias empresas do que entregar uma obra inteira a uma empresa de construção, que necessariamente terá de subcontratar ou recorrer a terceiros para conseguir levar a bom porto uma determinada obra por inteiro.
E, parece-me, preferível encontrar mecanismos legais que permitam que uma obra seja feita, licenciada e executada por lotes ou parcelas, do que continuar a exigir, designadamente para efeitos de licenciamento final, que uma determinada obra relevante seja assumida e executada por um só empreiteiro, que em muitos caso não tem real capacidade, condições e solidez suficiente para a executar sem as habituais dificuldades e estrangulamentos.
Portugal tem um enquadramento muito atractivo no que se refere à domiciliação de cidadãos estrangeiros, bem como condições geográficas excepcionais, clima ameno, segurança, entre outros. Posto isto, não seria expectável um maior investimento estrangeiro? Qual a importância deste investimento para o imobiliário português?
As condições de atractividade do mercado português são públicas e notórias e Portugal tem assistido a um enorme volume de aquisições de imóveis por parte de cidadão estrangeiros que procuram fixar a sua residência em Portugal.
Este tem sido um dos maiores dinamizadores do mercado imobiliário Português, que tem estado muito focado na vertente habitacional para procurar satisfazer tanta procura, sobretudo da parte de cidadão Franceses e Brasileiros, mas também – agora com menor expressão – de investidores oriundo de outras geografias menos tradicionais.
Mas muito há ainda por fazer para atrair outros investidores, de países escandinavos, da Alemanha, Bélgica ou Holanda, pois – apesar de os preços dos nossos imóveis terem conhecido alguma especulação a partir de 2013, com os preços a aumentar entre 10% a 30% – os nossos activos imobiliários, de qualidade, ainda apresentam um baixo preço quando comparado com outros países. A publicitação dos nossos incentivos fiscais à fixação de residência, a segurança do país face à insegurança que se sente em vários países europeus, a instabilidade política e crise que se vive no Brasil e Angola, e a nova oferta de imóveis reabilitados que tem surgido no mercado devem continuar a ser maximizadas para potenciar o factor de atractividade de Portugal como país de residência.
Consegue-se perceber que países apresentam hoje um maior interesse em investir em Portugal? O que procuram em termos de produto imobiliário? E que zonas mais os atraem?
Actualmente, os investidores vêm sobretudo de França e Brasil, sendo notória a redução do investimento chinês no sector do imobiliário, muito devido às delongas de mais de 12 meses na emissão dos designados vistos Gold, o que é obviamente lamentável.
Não se compreende que, num país que procura acenar com a bandeira da simplicidade administrativa, modernidade e desmaterialização dos sistemas e procedimentos administrativos, com a informatização dos serviços e que se lamenta dos excessos de quadros no sector público, não tenha capacidade de apreciar a documentação de um investidor que injectou meio milhão de euros na nossa economia para aferir, em semanas, se esse investidor está ou não em condições de receber uma ARI – Autorização de Residência para Investimento.
E o resultado está à vista: estes investimentos estão a ir para Espanha, que não oferece as nossas condições de residência, mas que soube aproveitar as nossas falhas para atrair milhões de euros de investidores.
Há muito trabalho a fazer para renovar a imagem de enorme morosidade e pesadelo burocrático que os investidores hoje têm para se conseguir voltar a atrair estes investidores que muito dinamizaram o mercado, seja de venda, seja o de arrendamento.
As zonas mais procuradas continuam a ser Lisboa e Cascais, mas temos sentido alguma apetência por investimentos no Porto e no Algarve, em imóveis novos ou com reabilitação de qualidade, o que é determinante para a compra. Meio milhão de euros tem sido, em média, o preço alvo de aquisição, e nesta ordem de grandeza é essencial que o produto seja de qualidade superior e distintivo, o que nem sempre surge, sobretudo a nível de áreas de construção e habitabilidade, onde pode estar a grande diferença entre o que nosso mercado pode oferecer por esses valores e o que os investidores encontram, nos seus países de origem, por esses mesmos valores (áreas menores, qualidade de vida e de habitabilidade muito inferiores).
Em Fevereiro passado, disse que em 2015 era expectável que o volume de negócios no sector imobiliário ultrapassasse a fasquia dos 1.000 milhões de euros. Que valores são expectáveis para este ano?
2015 foi um ano de excepção, tendo atingido o dobro das melhores expectativas. Num mercado em que, nos seus melhores anos, se atingiram volumes de transacções na ordem dos 1.200 a 1.400 milhões de euros, 2015 registou um volume de mais de 2.000 milhões de euros, o que é absolutamente extraordinário.
Tenho a expectativa que 2016 volte a atingir tais valores, tanto mais que ficaram inúmeras transacccções por executar em 2015, que transitaram para 2016, estando no pipeline pelo menos cerca de 1.000 milhões por transacionar no 1º semestre de 2016, excluindo novos projectos e transações que têm surgido nestes primeiros meses de 2016.
Qual a tendência dos spreads bancários e que impacto poderão ter no volume de negócios imobiliários e no financiamento de novos projectos?
As condições de financiamento têm vindo, de facto a melhorar, e sente-se que a confiança tem possibilitado gerar maior liquidez. Há, obviamente, dinheiro para investir, simplesmente o foco desses investimentos não estava em Portugal.
Os sinais de retoma e a estabilização dos rácios de capitalização de alguns bancos tem permitido, com cautela, financiar novos projectos. Estou em crer que a tendência é para que os spreads continuem a descer, não ao níveis de 2008, mas pelo menos aos níveis mínimos que qualquer negócio imobiliário necessita que estejam para que as operações sejam viáveis, o que desapareceu do mercado a partir de 2010.
Em Dezembro passado o barómetro reabO da AICCOPN registou um aumento de 23%, em termos homólogos, do nível de actividade das empresas no mercado da reabilitação. Pode-se esperar a continuação deste crescimento?
Sem dúvida. O foco está, neste momento, na reabilitação urbana. O estado de degradação a que o nosso património edificado chegou era lamentável, em particular no centro de Lisboa e Porto, área nobres que conheceram uma grande revitalização nos últimos anos, tornando-as altamente atractivas como locais de residência fixa.
A procura tem sido significativa e, felizmente, o sucesso que alguns projectos de reabilitação e reconversão de palácios, palacetes, unidades industriais ou prédios localizados em zonas centrais da cidade que surgem de cara lavada e com todas as comodidades e modernidade estética tem alavancado, e muito, o interesse dos investidores que têm comprado praticamente tudo o que o mercado tem para oferecer em condições de arranque imediato, para satisfazer a enorme procura por este tipo de imóveis que se tem registado por parte de compradores nacionais e internacionais.
Quais os maiores entraves jurídicos à Reabilitação Urbana?
Alguma indefinição, desconhecimento e aplicação prática dos incentivos fiscais à reabilitação urbana, que são muito atraentes e que podem e devem ser melhor exploradas por investidores e promotores.
Ainda que admita que tais incentivos não vão durar para sempre, os mesmos são para já muito interessantes, mas conhecem alguns limites ou interpretações por parte dos serviços que não são totalmente cristalinas e que mereciam, por isso, estar mais estabilizadas para que seja claro para quem compra, para quem investe e para quem vende os impactos fiscais associados a essas operações.
Que incentivos são necessários para alavancar este segmento de mercado?
Os incentivos, designadamente fiscais, já existem. As regras, limites, exigências e parâmetros urbanísticos a que uma obra de reabilitação urbana deve obedecer também me parecem estar bem definidos, no sentido de preservar o essencial e não descaracterizar a identidade patrimonial de cada imóvel reabilitado.
A banca ainda não explorou devidamente este segmento, designadamente para efeitos de financiamento de particulares à reabilitação. Este trabalho e oportunidade está por explorar, mas admito que não esteja isenta de riscos. Mas com tantos imóveis a carecer de intervenção ou modernização, uma recuperação significativa de todo o património imobiliário vai levar mais de uma dezena de anos, admitindo porém que toda a zona da Baixa-Pombalina vá ficar irreconhecível dentro de 5 a 10 anos, tal é a apetência, o número de obras de reabilitação em curso, as vendas que se projectam vir a ser executadas em 2016 e os processos de licenciamento que estão pendentes para aprovação.
Na Baixa de Lisboa, assiste-se muito à reabilitação de imóveis para o segmento de luxo, seja residencial ou retalho. Esta é uma tendência que se vai continuar a verificar?
Muito embora os imóveis devolutos com potencial para reabilitação e reconversão estejam a escassear, esta é seguramente uma tendência a continuar. Há uma forte procura por parte de retalhistas, sobretudo no segmento de artigos de luxo, de fixarem as suas lojas nestas artérias, em particular na Avenida da Liberdade.
Estão em curso vários projectos emblemáticos que têm vindo a reconverter, com sucesso, o património que se encontrava há muito abandonado e a reconvertê-lo em habitação de luxo, com grande procura e margens assinaláveis de rentabilidade para os promotores.
Foram oportunidades que surgiram e que agora estão a vir à luz do dia e a multiplicar-se. Admito que, tal como aconteceu noutras zonas da capital, em que a procura excedeu claramente a oferta, provocando alguma especulação no mercado, que a partir do momento em que a capacidade da Avenida da Liberdade e do Chiado em particular se encontrem esgotadas – e bastarão pouco mais do que um par de anos para que isso suceda – que a procura se concentre noutras zonas, tais como a zona ribeirinha de Lisboa, que já regista uma grande dinamismo e um conjunto de investimento assinaláveis que a estão a transformar.
A zona do Cais do Sodré, Campo das Cebolas, Rua do Arsenal e Alcântara, que têm um enorme potencial para retalho, pelo fluxo de turistas, centralismo e proximidade a pólos de atracção, que já vão conhecendo alguma renovação e que têm investimentos públicos previstos para a sua requalificação. É assim natural que nos próximos anos muitos investimentos para retalho e habitação se multipliquem nestas zonas.