Pedreira dá lugar a sala de espectáculos ao ar livre
O impacto visual das pedreiras é habitualmente grande. São crateras que rompem a paisagem, fendas que se abrem no território, feridas violentamente abertas na Natureza.
Ana Rita Sevilha
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O impacto visual das pedreiras é habitualmente grande. São crateras que rompem a paisagem, fendas que se abrem no território, feridas violentamente abertas na Natureza. “No entanto, e paradoxalmente, o efeito devastador no território, que muito nos impressiona, é compensado pela possibilidade de utilização destes novos espaços, cuja natureza nos é estranha e cuja escala nos esmaga. São espaços magníficos e grandiosos, originando estruturas espaciais especialmente vocacionadas para acontecimentos cénicos”. As palavras são de Pedro Gameiro, o arquitecto que juntamente com Marta Sequeira coordena o projecto de transformação de uma pedreira situada a escassos quilómetros do centro histórico de Vila Viçosa, e pertencente à empresa de extracção de mármores Solubema, num teatro ao ar livre passível de receber uma vez por ano no período de Verão, um festival de ópera. O projecto desenvolvido no âmbito do Departamento de Arquitectura da Universidade de Évora, dirigido por Carrilho da Graça, conta ainda com o apoio da Câmara Municipal de Vila Viçosa, e da Solubema – Sociedade Luso-Belga de Mármores (proprietária da pedreira).
Marco
Para a autarquia de Vila Viçosa este é um “projecto marcante para a cultura nacional e internacional”. De acordo com o presidente da autarquia, Luís Caldeirinha Roma, “este vai ser um espectáculo único, algo completamente diferente do que estamos habituados a assistir no nosso País. Um projecto marcado por uma transversalidade singular que abarca áreas como a cultura, indústria, gastronomia e comércio”. De acordo com a memória descritiva do projecto, esta sala de espectáculos ao ar livre vai então ocupar a pedreira que se encontra a Sudoeste de Vila Viçosa, junto à Serra D’Ossa. “O território onde se localiza corresponde à faixa denominada Anticlinal de Estremoz, onde se encontra a maior jazida de mármores continental, tornando esta zona naquela que, em Portugal, apresenta uma maior intensidade de exploração mineira”. Laureano Carreira, mentor da ideia explica que este é um projecto que visa “aproveitar uma infra-estrutura com uma beleza inerente extraordinária e criar cultura a partir daí”.
Tudo se transforma
“Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. A frase é do francês Antoine Lavoisier, que tornou mundialmente conhecida o que hoje se chama de Lei de Lavoisier, e que aqui seria a legenda perfeita para a imagem que retrata a intervenção a levar a cabo. “O principal mote da intervenção é o percurso que leva o público da cota de chegada (no topo da cratera) à cota da plateia (no ponto mais baixo da cratera), isto é, que o leva a descer cerca de 50 metros, vencendo um complexo sistema de bancadas, no que se pretende que seja um verdadeiro percurso arquitectónico”, pode ler-se na memória descritiva do projecto. No mesmo documento, Pedro Gameiro e Marta Sequeira referem que “na constituição desta promenade sublinham-se as possibilidades criadas pela exploração da pedra, através do corte dos enormes blocos que revela superfícies de infindável espessura – numa operação predominantemente estereotómica”. A esta operação são acrescentados alguns elementos excepcionais que marcam três distintos momentos deste percurso: chegada (bilheteira e lojas), zona de pausa (bar e esplanada) e área de espectáculo (plateia e palco). A equipa projectista explica o percurso: “a entrada é feita através de um longo muro que conduz a uma escada desenhada numa espécie de poço iniciático e que liga a cota superior e a intermédia. A esta cota vislumbra-se pela primeira vez o que anteriormente se tinha vetado – o grande leito da pedreira e, percorrendo uma galeria resultante do corte de uma das bancadas, acede-se ao bar, cuja configuração permite descobrir o grande lago. Uma escada, formada por um conjunto de lanços que se desenvolvem num sulco que é agora talhado na pedra, leva-nos à cota inferior, onde são colocados uma plateia e um palco, finalizando-se assim o percurso. Este último conjunto está então disposto sobre um novo plano de água e contra as enormes paredes originais que se levantam a 50 metros de altura ampliando, com a sua massa, a potência da voz do tenor”. Segundo Pedro Gameiro, “este é um projecto incrivelmente importante, que nos retira da construção enquanto um sistema de soma, levando-nos a encarar o território como algo já construído. A partir daí, definimos por delapidação os espaços que nos interessam”. De acordo com a autarquia, prevê-se que o festival de ópera comece em Julho de 2011, dando assim corpo a este projecto que promete ser “único em Portugal” e igual a “poucos no mundo”.
Salerno recupera pedreiras abandonadas
Na província de Salerno, em Itália, também está a ser levado a cabo um projecto de recuperação de pedreiras abandonadas, o projecto Biovallo. Os responsáveis por esta intervenção, onde a sustentabilidade é tema central numa indispensável união entre economia, ecologia e paisagem, são o arquitecto italiano Luigi Centola e o espanhol Aurelio Perez. O projecto Biovallo consiste “na recuperação de pedreiras abandonadas e na criação de uma nova economia verde na paisagem protegida pela UNESCO do Vallo di Diano em Salerno. É um projecto em curso, com participação pública e privada, fruto da colaboração entre arquitectos, engenheiros e arquitectos paisagistas, além de jovens profissionais locais”. Repartido em três áreas de actuação, BioAgriculture, BioHub e BioFactory, este é um projecto multidisciplinar que prevê a promoção da biodiversidade e o desenvolvimento de biomatérias.