“Custa-me no turismo ver a persistência da chamada ‘arquitectura temática’”
“Promontorio: Architecture of Leisure” é o nome do mais recente livro lançado pelo PROMONTORIO, dedicado à Arquitectura de Lazer. Em entrevista ao CONSTRUIR, Paulo Martins Barata, analisa a temática da obra e a forma como a Arquitectura de autor tem ajudado a reinventar o turismo
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Foi há 20 anos que o PROMONTORIO começou a desenhar os primeiros “produtos hoteleiros”, um sector que “viu” crescer e sofrer transformações em Portugal e no mundo. Com um portfólio amplo em programas associados ao turismo, o gabinete compilou a última década num livro que percorre Continentes e que dá a conhecer projectos da sua autoria em hotelaria e design de interiores, entre eles o projecto para a a Quinta da Ombria, no interior de Loulé, que vai ter um hotel da marca americana Viceroy. “Promontorio: Architecture of Leisure” foi apresentado no Archi Summit
Lançaram um livro no Archi Summit 2018 que se chama “Promontorio: Architecture of Leisure”. O que é uma Arquitectura de Lazer?
Paulo Martins Barata: Não sei se existe propriamente uma definição crítica para uma “Arquitectura do Lazer”, mas aquilo que eu escrevo no ensaio do livro é que até ao final dos anos 60, os arquitectos participavam intensamente na criação do imaginário do turismo. Mas a partir daí deu-se uma ruptura e a arquitectura de autor deixou de ser chamada a participar neste tipo de projectos, que passaram a ser quase exclusivamente feitos por empresas internacionais, sob formatos pré-definidos. A essa mudança corresponde também uma grande standarização do “produto turístico”. Com o passar do tempo, também este processo de hiper-massificação acabou por gerar uma pulverização desses próprios formatos, e com ela a necessidade de se reinventar o turismo e voltar às ideias de autorias; até porque produtos como guest houses e airbnb, começaram a concorrer seriamente com a hotelaria convencional.
Vivemos num país em que o turismo representa cerca de 7% do PIB (e que duplicou em menos de 5 anos!). Portanto, é uma área fundamental para a nossa economia, para as nossas exportações e para a nossa paisagem. Penso que se exige uma reflexão da parte dos arquitectos para que voltemos a ter um papel determinante no desenho dessa nova paisagem. Como já desde há quase duas décadas que trabalhamos nesta área – aliás, no início começámos mesmo por fazer projectos de execução de hotéis que não eram desenhados por nós –, achámos que faria sentido consolidar essa reflexão num livro especificamente dedicado a esse corpo da produção.
O que é que tem de tão interessante este tipo de programas?
Uma das coisas que eu escrevo também no ensaio deste livro é que, pela natureza do lazer, a “Arquitectura de Lazer” não se obriga a um desenho tão formatado e tão rígido como outro tipo de programas, por exemplo hospitalares, industriais ou até habitacionais… Houve sempre uma certa exuberância neste tipo de programas que hoje é possível recuperar, criando oportunidades de desenho muito interessantes. Para nós, outro aspecto interessante e que queremos (re)conquistar para a Arquitectura é o Interior Design, porque nos anos 70, essa ruptura que referi também se deu entre o projecto de arquitectura e o projecto dos interiores. Se pensarmos na obra de Gio Ponti, de Morris Lapidus ou até do nosso Conceição Silva, qualquer um deles fazia ambas as coisas. Contudo, a partir dos anos 70 apareceram empresas de Interior Design e os arquitectos ficaram limitados ao chamado “core-and-shell”, levando por vezes à dissociação total entre projectos e a problemas gravíssimos de coordenação. As pessoas já nem se dão conta dessa esquizofrenia visual, de quando por exemplo entram num hotel modernista em Chicago e o interior está decorado em estilo “Belle Époque”. No PROMONTORIO criámos uma grande equipa de interiores e tentamos na medida do possível recuperar essa integridade do projecto. Nesse sentido, este livro tem também projectos de interiores.
E chegam a ir ao mobiliário também.
Exactamente. O design de produto faz parte de um processo de experimentação, de ensaio e erro, se quiser, que iniciámos pela customização de algumas peças que por vezes, ou não existiam ou seriam excessivamente caras. No final tornou-se uma área de produção do atelier com imensa consistência.
Há de facto um boom incrível no turismo e as cadeias hoteleiras voltam a apostar na arquitectura de autor também para se diferenciarem. Contudo, hoje em dia os hotéis mais do que a estadia, querem oferecer uma experiência. Como é que isso se traduz em espaço?
A expressão “experience” está abusada à náusea pelo universo do turismo – faz parte do marketing e das brochuras -, e que por sua vez leva a sociedade e os consumidores a um estado de sede pavloviana dessa ideia de experiência. O Jacques Tati nas “Férias do Senhor Hulot” já antecipava esse universo de clichés que constituem a tal “experiência”. Pessoalmente, gostaria de acreditar que a boa arquitectura por si só e um desenho interessante do espaço proporcionam uma experiência enriquecedora. Custa-me no turismo ver a persistência da chamada “arquitectura temática”, se é que a podemos assim chamar. Não é que não existam aspectos de contexto que possam ser interessantes, ou seja, se estiver a fazer um projecto para Marrocos, obviamente que terei em conta os materiais, a luz e as questões climáticas no desenho. Mas não vou fazer uma arquitectura fake, Riade-style. Muitas vezes esta ideia abusiva de “experience” passa por essa tematização caricatural e empobrecedora, porque reduz a arquitectura a estereótipos grosseiros. Fazer um resort que é uma falsa aldeia de pescadores na Sardenha ou uma hacienda no México, parece-me que é empobrecedor da experiência porque lhe falta autenticidade. Uma das piores coisas que aconteceu à arquitectura do turismo foi a tematização do imaginário Disney. Quando olhamos para o Hotel Parco dei Principi do Gio Ponti, em Sorrento, na Costa Amalfitana, que tem à sua frente possivelmente um dos sítios mais bonitos da história da humanidade, vemos um hotel que é também magnífico por si só. Mas, do lado positivo, acredito que estamos hoje a voltar a isso por saturação dos modelos americanos de que falámos anteriormente.
E como é que se coordena a arquitectura de autor, com premissas de cadeias hoteleiras?
A indústria hoteleira é naturalmente conservadora e muito receosa da inovação. Para isso criou sistemas de padronização a que chamou “brand standards” que têm uma evolução muito curiosa. Lembro-me que, quando começámos a fazer hotéis, há 20 anos, a ideia de uma casa-de-banho aberta para o quarto era inaceitável por uma quantidade de razões ponderosas e racionais! Um dia o Philippe Starck fez uma casa-de-banho aberta e aquilo foi um sucesso enorme; não me recordo se no Delano, em Miami, ou no St. Martins Lane, em Londres. Passados 5 anos, a casa-de-banho aberta tinha sido totalmente absorvida pela “indústria” e passava a ser quase obrigatória. Portanto se do ponto de vista da funcionalidade e dos rácios, há de facto aspectos que fazem todo o sentido, existem outros em que, de facto, a Arquitectura e o Interior Design têm de desafiar os “brand standards”, porque caso contrário não há evolução. Estando há muito tempo na hotelaria, sabemos que podemos e devemos desafiar as convenções, mesmo apesar das dificuldades e hesitações. É um campo que se vai ganhando a pouco e pouco.
Fala de um retorno à “simplicidade”. É possível antecipar tendências nesta área?
Haverá grandes tendências – como essa das casas-de-banho abertas aos quartos -, e há outros aspectos de segmentação, como os design hotels e boutique hotels que vieram para ficar e que, em Lisboa, alguns deles conseguem até ter preços mais elevados e maiores taxas de ocupação do que hotéis de cadeias internacionais estabelecidas.
Em termos de projectos de hotelaria e de programas de turismo, como está Portugal comparativamente com outros destinos mundiais?
Há ainda muito caminho a fazer. Faltam-nos por exemplo grandes marcas de cinco estrelas, mas temos outras coisas muito boas. Temos um tipo de turismo muito genuíno, que não está completamente destruído pela violência da massificação como em Barcelona. Itália, por exemplo, tem tradicionalmente uma péssima hotelaria, só que é tão única, tão especial, que as pessoas aceitam e vão na mesma. Não é o nosso caso em que se nota um esforço e um orgulho em fazer bem. Há de facto um caminho para fazer em Portugal, mas o que estamos a fazer tem sido genuíno.
Olhando para o livro “Promontorio: Architecture of Leisure”, consegue destacar algum projecto?
Estamos particularmente entusiasmados com um projecto que estamos a fazer para o Algarve, a Quinta da Ombria, no interior de Loulé, que vai ter um hotel da marca americana Viceroy – e que é provavelmente uma das maiores obras em construção na região. Originalmente o projecto não era nosso, era da empresa americana WATG, mas depois voltámos a revê-lo e a licenciá-lo e penso que em larga medida foi possível convertê-lo em algo que achamos que é especial e genuíno. Neste projecto, infelizmente não ficámos com os interiores e voltámos à história do “core-and-shell” -, mas o exterior pensamos que está garantido por um desenho que reflecte a ideia de um retorno a um regionalismo crítico, a uma forma de fazer Arquitectura pensando em materiais locais. Vernacular, sem ser kitsch, o que é muito difícil. O projecto é grande, estamos a fazer 16 moradias grandes, um lote para turismo residencial e ainda o hotel, com cerca de 180 chaves. O projecto já está em obras e a expectiva de conclusão deverá ser para daqui a dois anos.
Foi um dos oradores do Archi Summit 2018, sobre a temática da Habitação, centrada em Lisboa. Que análise faz a este tema?
É um assunto que me custa um pouco falar porque acho que há uma certa miopia. As pessoas acham que isto é um problema de Lisboa. Mas é um problema de Boston, Milão, Estocolmo, Madrid, ou de qualquer cidade do mundo que tenha atractividade turística e centros históricos. Isto é um fenómeno mundial. No momento em que as pessoas perceberam que os bancos não lhes mereciam confiança e que a forma mais rentável e ao mesmo tempo o refugio mais estável para os seus investimentos seria coloca-lo no imobiliário de “centro cidade”. E não foi só em Portugal, foi em todo o lado. Nós estamos a trabalhar em Boston – que tem tido uma curva de valorização imobiliária suave no passado, dada a estabilidade do chamado “old money” -, e que de repente teve um pico incrível por causa das start-ups, do MIT, de Harvard…isto aconteceu também em Nova Iorque, em Miami, em Londres, em Paris, em qualquer uma das grandes cidades europeias. Depois penso que é importante enquadrar isto com outras questões, que me interessam mais para a prática profissional. Como é que os jovens vão viver? Existe já uma crescente procura no chamado co-living, como é que isso influencia as tipologias? Em Londres estão-se a fazer edifícios grandes com base neste conceito, em Boston estivemos envolvidos num projecto de arrendamento de longa duração onde uma das premissas defendidas era a de diminuir o tamanho das cozinhas porque os millennials não cozinham. Isto obriga-nos a pensar em novas tipologias e em novas formas de domesticidade. A isto há também a acrescentar a mobilidade geográfica, que está ligada à mobilidade social. Antigamente as pessoas ficavam a viver para sempre na cidade onde nasciam, muitas vezes no mesmo bairro, mas hoje em dia são cidadãos da Europa. Acho que todo o discurso está a ser feito num sentido muito estático da vida, como se as pessoas ficassem para sempre no mesmo sitio e isso não vai acontecer. Tudo isto faz parte das dores de crescimento das cidades e da cidadania.