Rodrigo Sampayo e Paulo Jervell
Rodrigo Sampayo e Paulo Jervell, dois dos sócios do OPENBOOK Architecture, receberam o CONSTRUIR para uma conversa sobre arquitectura, desafios e tendências. Com uma extensa experiência e conhecimento em projectos corporate, garantem que o conceito que norteia o escritório é diferenciador.
Foram distinguidos recentemente com o Prémio Nacional de Reabilitação Urbana, na categoria Comercial & Serviços, com a Sede da Abreu Advogados (Lisboa). E não há muito tempo com o Prémio Nacional do Imobiliário, nas Categorias “Escritório” e “Reabilitação”, com a Sede da VdA – Vieira de Almeida.
O que representam estas distinções?
Rodrigo Sampayo: São fruto de quase 30 anos de experiência e do reconhecimento não só do mercado, mas dos promotores e clientes finais que nos contratam com a garantia de que o nosso trabalho será de qualidade.
Mas traduz-se em encomenda?
Rodrigo Sampayo: Sim, reflecte-se. Nós temos, por exemplo, ainda que de uma forma pouco estruturada, dois ou três clientes institucionais que andávamos a tentar cativar há já algum tempo e que agora, também por trabalharem com estes escritórios de advogados, vieram ter connosco no sentido de finalmente reconhecerem a qualidade do serviço.
O gabinete é fundado em 2007, mas o Rodrigo referiu há pouco a experiência de 30 anos…
Rodrigo Sampayo: Os 30 anos veem de várias experiências, de outra vida que tivemos num outro gabinete de arquitectura. Em 2007 juntámo-nos com o Paulo Jervell, que vinha de uma área um pouco diferente, ligada à arquitectura mas muito corporate e ligada às consultoras e o Pedro Pires ligado à área financeira. Esta conjugação de valências, gerou um gabinete com um acumular de várias experiências.
Que análise é possível fazer aos tempos que se vivem hoje, no mercado e na profissão?
Rodrigo Sampayo: Na prática, esta crise esmagou muito os honorários de projecto. Há uma tentativa de vários colegas nossos, e na qual também estamos incluídos, de tentar valorizar e mostrar que o projecto de arquitectura é um serviço de enorme valor acrescentado. E na realidade representa muito pouco em relação ao total do investimento do processo imobiliário por que nós nos responsabilizamos. Ou seja, são fracções muito pequenas e há uma tentativa de consciencializar o mercado de que a arquitectura tem de ser bem paga porque o produto final depende da qualidade do serviço. Portanto, não faz sentido esmagar preços, faz sentido escolher as equipas pela qualidade da proposta e pelo track record, porque na realidade estamos a falar de 0,2% do investimento que se negoceia ao nível dos honorários.
Mas acha que, com o facto de a arquitectura portuguesa ser amplamente reconhecida e a profissão de arquitecto estar tão difundida, nos dias que correm ainda não há noção desse valor acrescentado?
Rodrigo Sampayo: Esse é um dos problemas, o mercado produziu milhares de arquitectos nos anos 90 e nos anos 2000 e actualmente está inundado. E isso é a lei da oferta e da procura, como há uma oferta muito grande, o valor dos honorários baixa porque as pessoas também baixam a fasquia. Do nosso ponto de vista, quem compra arquitectura deve valorizar esse serviço pelo track record e não comparar, vulgarmente falando, “alhos com bugalhos”.
Existem óptimos arquitectos, mas a prestação do serviço, a estrutura que a empresa oferece difere. A qualidade do serviço, principalmente na área corporate, que um atelier de arquitectura com menor dimensão ou menos profissionalismo oferece – o que não quer necessariamente dizer que seja um mau arquitecto –, é completamente distinta.
De facto, muitas vezes entramos em concorrência com empresas que têm uma destreza completamente diferente da nossa e uma estrutura de custos incomparavelmente mais pequena do que a nossa e, portanto, têm uma capacidade de resposta incomparavelmente inferior à nossa. Nós conseguimos dar uma resposta que está de acordo com o prazo e a qualidade com que nos comprometemos. Isso dá um grande conforto ao cliente, mas tem de ser pago, porque no fundo está a pagar a disponibilidade e o know-how acumulado.

Estamos a falar também dos Departamentos de Arquitectura das consultoras que hoje fazem também muitos projectos corporate?
Rodrigo Sampayo: A minha experiência diz que, tipicamente o que acontece é que quando se faz uma integração vertical em termos de projecto, o resultado não é tão bom. Por vezes até cumpre, mas quando se procura valor acrescentado, têm de recorrer a uma empresa como a nossa. Há outras empresas muito boas que são nossas concorrentes, não somos os únicos, mas é indiscutível que somos uma referência. Agora, tipicamente, quando as consultoras oferecem esse serviço e é feito internamente, a experiência que têm é uma experiência de pouco valor acrescentado sob o ponto de vista de branding, não é sob o ponto de vista do serviço. Quando as empresas procuram um serviço pouco diferenciado, fica bem, mas não é um serviço de valor acrescentado e não é o mercado onde nós nos posicionamos.
Paulo Jervell: Relativamente à rentabilidade adicional que um particular ou uma empresa pode tirar do serviço que fornecemos, vou dar como exemplo a habitação. Há uma disparidade brutal entre os últimos anos – em que tivemos uma crise imobiliária profunda -, e o período actual em que se observa a valorização da cidade, no caso específico de Lisboa, e do nosso imobiliário, que fez com que se passasse dos 3.000€, 3.500€/metro quadrado para, em alguns casos, 12.000€/metro quadrado. Ou seja, quem acabou por acrescentar valor nesta cadeia foram os prestadores de serviços como os arquitectos. Mas infelizmente, quem acaba por retirar todo o partido desta valorização é o proprietário e o promotor. Os honorários dos arquitectos e dos engenheiros continuam os mesmos. Esta é a nossa luta! Se estamos a acrescentar valor ao produto porque não somos valorizados ou remunerados através de honorários mais adequados?
Rodrigo Sampayo: Acho que isto também tem que ver com a profissionalização do cliente, do comprador. Quanto mais profissional é o comprador, maior é o entendimento do valor acrescentado de uma empresa de serviços com a destreza, a capacidade técnica e de resposta e a qualidade arquitectónica da nossa.
A qualidade arquitectónica até pode ser discutível, porque há muito bom arquitecto em Portugal, mas juntar o cumprimento de prazos, de custos e a qualidade técnica, mas para conseguir dar uma resposta com todos estes vectores é preciso ter dimensão e algum nome no mercado. Se estamos a comparar empresas que têm 4 ou 5 arquitectos, com empresas como a nossa que tem 30, a capacidade de resposta é completamente diferente.
Mas voltando aos honorários e aos promotores. Em Lisboa, por exemplo, os gabinetes ou arquitectos que assinam os projectos são muitas vezes o grande argumento de venda…
Paulo Jervell: Exacto, os cartões de visita para alavancar essas vendas são muitas vezes a marca da arquitectura, mas depois não corresponde aos honorários que são praticados.
Rodrigo Sampayo: Isto é um problema muito complicado, porque a qualidade do serviço só se percebe depois do mesmo ser consumido. Ou seja, o que acontece é que a nossa forma de trabalhar é de avançarmos muito na altura da proposta, a qualidade da proposta é muito bem desenvolvida, o problema é que isto não é como comprar mobiliário ou outro produto de consumo. É um processo que, desde a compra do terreno, à contratação do arquitecto até ao desenvolvimento do projecto e execução a obra, normalmente dura 3 anos. A qualidade do serviço só é percebida aí, quando ele é finalizado. É um mercado complicado e os arquitectos não são uma classe corporativa, não se protegem a eles próprios e muitas vezes, para entrarem em determinados mercados fazem propostas abaixo do razoável. Esse é um dos grandes dramas da nossa actividade. O que é que acontece? O serviço é mal pago, logo as equipas são mal pagas e assim sendo, as empresas não têm capacidade de investimento e por isso não conseguem prestar um serviço de melhor qualidade, e como não conseguem o serviço é mal pago. É uma “pescadinha de rabo na boca” e um tema que demora tempo a ser resolvido, mas que não tenho a mais pequena dúvida de que vai ter que acontecer, porque não é possível o mercado sobreviver com profissionais francamente mal pagos.

Rodrigo Sampayo
Mas isso terá de partir dos decisores…
Rodrigo Sampayo: Nós temos recebido convites para entrar em concursos em que simplesmente não entramos. Felizmente estamos com imenso trabalho e não vamos retirar pessoas a equipas que estão afectas a outros trabalhos facturados e com rentabilidade, para entrar em concursos em que entram sete empresas e no final ganha uma e as outras enviam o trabalho para o lixo. É uma desproporção em relação ao investimento. Nós debatemo-nos muito pelos concursos remunerados, até porque o promotor tem de estar comprometido com a qualidade das propostas. Eu se vou a um restaurante não peço cinco pratos, como um e só pago esse! Obrigam-me a pagar todos. Os promotores têm de perceber que é mais justo, é mais eficaz e é irrelevante em termos do investimento. Se eu cumprir um determinado caderno de encargos e for remunerado, o meu produto é melhor e no final o promotor tem mais qualidade na escolha.
Desenvolveram recentemente um novo conceito: Brandchitecture. Na prática do que se trata?
Paulo Jervell: É um conceito que estuda o ADN da empresa, a sua essência e a sua génese e integra na arquitectura toda essa informação. O produto final é muito mais representantivo e exclusivo da empresa. Os nossos clientes têm métricas de valorização e de análise e têm-nos transmitido que as mais-valias que retiram dos projectos são enormes face aos colaboradores e à venda de serviços da própria empresa. Uma VdA – Vieira de Almeida ou uma Abreu Advogados, uma Nokia ou uma Deloitte tem aproveitado o seu espaço para vender a sua imagem, quer aos seus clientes quer aos seus colaboradores.
Os projectos corporativos são uma larga fatia do portfólio do escritório e um programa que tem vindo a sofrer grandes mudanças e a ganhar protagonismo, uma vez que as empresas, hoje em dia, querem que os seus colaboradores – que hoje são também diferentes – tenham experiências e que os seus espaços espelhem os seus valores. Ao nível da arquitectura como é que passam conceitos como “transparência”, “inovação”, “tradição”, “preocupação com o ambiente”,…
Rodrigo Sampayo: Isso é sintetizado no nosso conceito de Brandchitecture. Cada entidade tem a sua especificidade e é a leitura dessa especificidade que de facto nos permite fazer uma implementação da mesma. Queremos que quando uma pessoa entra num determinado escritório, respire o ADN desse escritório. Isto é o resultado de um trabalho de fundo sobre o cliente, nós não trabalhamos para o cliente, trabalhamos com o cliente, os nossos clientes são nossos parceiros, assumimos o papel de seus consultores internos. Quando uma empresa muda da sede A para a sede B, há uma evolução desse ADN e nós somos uma parte interventiva nessa evolução. E isto é absolutamente crucial o cliente entender, porque não é meramente um bom layout ou uma boa arquitectura é muito mais do que isso, é o entranhar deste conhecimento profundo, é o criar de um conceito de espaço e de experiência que é absolutamente específico. E isto tem tido uma taxa de sucesso grande, mas há uma faixa do mercado que ainda não percebe que isto é um enorme valor acrescentado.
Paulo Jervell: Nós temos a componente técnica e a componente arquitectónica, mas há outra componente muito importante que é todo este know-how que temos de workplace strategy que é fruto de uma enorme pesquisa e de muito trabalho interno, mas também fruto de um acumular de experiências de sucesso que nos oferecem visões e capacidades para desenvolver estes projectos com um diferencial óbvio.
Rodrigo Sampayo: O conceito OPENBOOK Architecture é diferenciador porque é mais de serviço ao cliente. A arquitectura genericamente tem por vezes esse defeito. Muitas vezes o arquitecto não abdica do seu ego e mesmo contra a necessidade do cliente. Nós temos uma visão que a arquitectura não é isso, é a fusão entre um serviço e um espaço. A arquitectura tem de servir uma função. A boa arquitectura consegue o propósito com plasticidade e com um bom objecto arquitectónico. Nós acreditamos e achamos que fazemos arquitectura de autor, mas aquilo que nos distingue das práticas genéricas é ter a forma e o conteúdo.

Paulo Jervell
Ainda que cada cliente seja um cliente, existem tendências e linhas que se repetem?
Rodrigo Sampayo: Uma secretária é uma secretária e um coffee corner é um coffee corner…isso com certeza. Os rácios entre postos de trabalho e postos de trabalho colaborativos, entre a secretária que é afecta a uma pessoa e zonas de trabalho que não são afectas a ninguém – como salas de reuniões, mesas de reunião informal -, dependem de actividade para actividade mas cada vez são mais transversais. Agora, se a empresa é mais ou menos compartimentada, se tem necessidade de estancar departamentos, isso depende muito de empresa para empresa. Claro que a acústica e a luz, por exemplo, são transversais aos clientes e a um bom projecto.
O trabalhar está a tornar-se numa experiência?
Rodrigo Sampayo: É isso. Está ligado a um conceito novo que diz: “O trabalho é o que se faz não é para onde se vai”. Eu trabalho onde estou melhor a trabalhar. Os novos conceitos de escritórios são muito mais aproximados ao ambiente de casa, as pessoas querem trabalhar em sítios onde se sintam em casa. A cultura está cada vez mais diferenciada no sentido em que se procura ter postos assignados, mas também locais onde se possa trabalhar e beber um café. Ou seja, trabalho onde me estou a sentir melhor para trabalhar. Toda esta flexibilidade é um valor acrescentado extraordinário. Mas muitas empresas não entendem isto assim porque não estão a pensar a sua Sede de uma forma conveniente.
As análises das Consultoras apontam, ao nível do sector dos Escritórios, para muita procura e pouca oferta. No caso de projectos da vossa autoria, os escritórios da VdA – Vieira de Almeida estão perto do Cais do Sodré, e a Abreu Advogados em Santa Apolónia. No vosso entender, é expectável que a zona ribeirinha de Lisboa seja de futuro uma localização privilegiada para novas sedes corporativas?
Paulo Jervell: Para ter uma ideia, neste momento o mercado teria capacidade de ocupar aproximadamente 200 mil metros quadrados de escritórios, para os quais não existe oferta. Existe uma real procura e a maioria dela de áreas com dimensão. Muitas das empresas que olharam e continuam a olhar para Portugal são empresas que precisam de dimensão. Não há no centro da cidade edifícios capazes de absorver essa procura e qualquer promotor ou proprietário com um edifício no centro prefere muito mais fazer uma promoção residencial, porque o retorno é mais imediato e mais expressivo. Resta-nos o eixo ribeirinho, que vai fazer seguramente a ligação com o Parque das Nações. No corredor Oeste acredito que também vão surgir novos parques de escritórios e depois algumas zonas entre Algés e Carcavelos, com toda a dinâmica do novo campus da Nova. Mas claramente não podemos fugir muito deste eixo ribeirinho.
Rodrigo Sampayo: E existem ainda dois projectos estruturantes grandes: o Quartel da Artilharia Um e os terrenos da antiga Feira Popular. A Praça de Espanha também se fala que poderá ser uma zona de expansão, assim como a José Malhoa que tem uma série de edifícios devolutos, mas tem de se cativar pessoas para irem para lá.