©José Frade/Teatro São Luiz
“Se os direitos das mulheres forem salvaguardados, os direitos de todos são melhorados”
“A profissão está a tornar-se numa profissão com taxas de feminização elevadas, é verdade. Mas as estruturas de poder continuam a ser deles”, diz Patrícia Santos Pedrosa ao CONSTRUIR
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Os números são claros: já são maioria nas Universidades, formam-se mais do que os homens e representam quase metade dos arquitectos inscritos na Ordem. Mas tudo isso não é sinónimo de igualdade. A Associação Mulheres na Arquitectura, visa a reflexão e a acção no âmbito da equidade de género nas várias práticas implicadas no fazer arquitectura, cidade e território. Falámos com Patrícia Santos Pedrosa, uma das fundadoras
Como começou este colectivo?
Patrícia Santos Pedrosa: Existe a história e a pré-história. Muitas de nós, de modos diferentes, estavam já sintonizadas com estas preocupações. Somos nove mulheres mas não somos todas arquitectas.
Na prática, algumas de nós traziam estas preocupações, essencialmente dentro da própria profissão. Muitas tínhamos experiências na universidade, na academia como docente ou na investigação e na profissão de prática de projecto. Havia uma pluralidade de experiências que nos deixavam alguns desconfortos nas nossas histórias individuais. Daí esta questão das mulheres arquitectas, mas não só, é também das mulheres que fazem, pensam e projectam cidade, que são também as paisagistas, as urbanistas, antropólogas, inclusive a prática da profissão em contextos mais institucionais, como que trabalha nas câmaras municipais, nos governos centrais, nas direcções gerais, etc. Ou seja, tínhamos por um lado as preocupações profissionais e por outro, as preocupações enquanto cidadãs. Uma sensação que depois se tornou mais consolidada e que se relaciona com o facto de nós, enquanto cidadãs, enquanto habitantes das cidades e das arquitecturas, vivermos sujeitas a um suposto neutro.
Para quem é que se constrói? Para quem é que se projecta? Para quem é que se pensa a cidade? Para um neutro que é muito masculino.
As nossas ansiedades, angústias, problemas e tensões nasceram destas sensibilidades, umas de nós mais num aspecto e outras noutro. E foram elas que levaram à criação da Associação.
Temos então um colectivo de mulheres, que já se tinha micro-organizado e que na altura se era para chamar “Os 43%”, porque era a percentagem de arquitectas inscritas na Ordem. Havia um caldo de ansiedades e cultura.
Em Janeiro deste ano, vou a um congresso que surge sob a designação genérica de “Arquitectura e Género” – um congresso que tinha tido a sua primeira edição em Sevilha, que tinha trazido a Lisboa na segunda edição, enquanto docente da Lusófona na altura, junto com a Maria João Marques e a Eliana Sousa Santos, e que este ano foi em Florença, organizado pelas companheiras catalãs e da Universidade de Florença. E de repente, numa das mesas, reparei que as italianas tinham pelo menos duas associações de arquitectas, paralelas à equivalente à Ordem dos Arquitectos. E claro, achei que fazia todo o sentido.
Posteriormente chegámos à conclusão que não era a Associação das Arquitectas que nós queríamos ser, porque queríamos uma coisa que fosse mais abrangente e então, nesse sentido, o título saiu desta maneira: “Mulheres na Arquitectura”. Arquitectura como síntese da cidade e do território. Porque achamos importante chamar a atenção para estas questões.
Chamar a atenção de quem?
É uma chamada de atenção para dentro das profissões, para a academia – é impossível continuar a fazer história da arquitectura obliterando sempre parte das suas produtoras -, e objectivamente é uma chamada de atenção contra o esquecimento. Eu estudei as arquitectas pioneiras e é delicioso, no sentido irónico, perceber que, ou eram convidadas a não entrar na profissão – hoje continua a acontecer mas de uma forma mais subtil -, ou então, mesmo que lá estejam, não são reconhecidas como autoras.
Por outro lado, temos os números a crescer…
Os números de Maio deste ano, revelam que 44% das inscritas na Ordem são mulheres. Neste momento nas universidades entram mais mulheres para os cursos de arquitectura, e formam-se mais…
O perfil do arquitecto de hoje é muito jovem, supostamente com uma mente mais aberta. Estas questões de género continuam a acontecer?
Mas quem é que manda? A arquitectura é uma estrutura muito hierárquica. O que nos ensinam na escola está relacionado com o arquitecto autor e ainda hoje, mesmo com os novos formatos dos colectivos, os modelos com que ensinamos os nossos e as nossas estudantes, sob o ponto de vista académico, é um modelo muito sustentado neste ponto de vista de autor. Quem são os modelos? São homens. Há ateliers que já têm muito mais mulheres, é verdade. Mas quem é que dá a cara? Quem é o “dono”? Quem é o autor?
Claro que existem excepções, como a Inês Lobo. E Existem muitos colectivos, grupos de trabalho e até autoras que trabalham sozinhas, a questão é que não sabemos que elas existem.
É preciso que nós saibamos que não somos uns seres freaks na prática da profissão, que saibamos que existem outras. E é interessante perceber que, o público das conferências que temos feito, tem sido maioritariamente jovens estudantes ou recém-formadas.
A profissão está a tornar-se numa profissão com taxas de feminização elevadas, é verdade. Mas as estruturas de poder continuam a ser deles, dos homens arquitectos, e com um regime de funcionamento muito pouco acolhedor para quem quer ter vida pessoal, cultural, familiar.
Outra coisa que se precisa de estudar, e que é também uma das nossas chamadas de atenção, é o perfil da profissão, conhecê-la. A avaliação efectuada por Vilaverde Cabral já tem muitos anos e está completamente desadequada da realidade. São precisos números, reflectir sobre eles e actuar. Como bons exemplos temos por exemplo, a Carta Ética da prática profissional que as nossas colegas italianas estão a fazer. Outro exemplo é no Reino Unido, onde em alguns concursos exigem equipas onde as quotas são salvaguardadas e se não cumprirem isso, têm pontos a menos.
Isto não é paternalismo. Pelo processo normal de desenvolvimento social, dizem as estatísticas que chegaremos à igualdade daqui a 180 anos. E objectivamente nós não podemos esperar que se altere uma coisa que não é natural mas que se naturalizou. Esta coisa de não ser um assunto, de não existir sexismo, de não existir problema, ouvimos muito da parte dos nossos colegas. Temos questões específicas, mas também muitas questões transversais, logo, é obrigação do século XXI pararmos para reflectir enquanto profissão. Fazer arquitectura hoje com moldes do século XIX, não faz sentido e queremos colaborar para isso.
Esse “preconceito” também vem delas?
Como em tudo, ser-se machista, preconceituoso ou preconceituosa não vem só do sítio do privilégio.
Este ano organizaram um ciclo de conversas, no Teatro São Luís. O que podemos saber das que estão para vir?
Aconteceu uma primeira sobre a “Profissão e as Profissões”, onde quisemos trazer gente que não é da arquitectura ou da prática da cidade, para nos ajudar a reflectir e a perceber que não estamos sós. Na segunda focamo-nos em três mulheres arquitectas, com práticas profissionais muito diferenciadas, mas que não são “capa de revista”. A ideia foi dar voz a quem não tem visibilidade mediática e tem práticas menos centrais.
A terceira foi sobre “Investigação e Ensino”, porque muitas de nós estão dedicadas a essa área e porque também é um sítio relevante na formação de novos imaginários, para além de ser um “lugar” onde se cruza o sexismo da profissão arquitectura com o sexismo da profissão académica.
Outros temas destas conversas são, uma prática em expansão na arquitectura, onde está a curadoria, a publicação, etc e a Política.
É fundamental percebermos que temos de conquistar o espaço público e a política é espaço público. Isto também é um assunto que tem de se desmontar.
Eu sei que os papéis de género e os percursos profissionais e pessoais que temos, nos truncam um bocadinho. Uma das intuições que temos, por exemplo, é que no final da década de 20, uma percentagem elevada de mulheres arquitectas, abandonou a prática liberal, própria ou por conta de outrem, porque os horários não eram compatíveis com a construção de uma família e principalmente com a maternidade.
Isto está ligado a um conjunto de mitos que nos cabe a nós desmistificar nas escolas: se não há noitadas o trabalho não é bom; se não há um esforço cósmico e uma violência nas horas de trabalho, idem. Isto é uma ideia neo-liberal perigosíssima que se entranha e sabota a profissão. Há países com isto muito mais domesticado e com práticas mais sãs, porque não são só as mulheres que são prejudicadas, qualquer profissional é, porque estamos a sabotar o direiro a uma vida social, cultural e profissional.
Se os direitos das mulheres forem salvaguardados, os direitos de todos são melhorados. Portanto isto não é uma estrita defesa dos direitos das mulheres na profissão.
Ao nível das remunerações, as mulheres também continuam a ganhar menos…
A questão das remunerações vem da prática privada, de onde temos muitas histórias que nos vão chegando, de mulheres que fazendo a mesma tarefa não recebem o mesmo que os homens. É outra vez a questão da pirâmide e a medição desta presença de baixo para cima também é fundamental: mulheres catedráticas, quantas? Quantas professoras associadas? Quantas directoras de curso, de faculdade, de escola, reitoras…Mais uma vez, existe transversalidade.
E onde é que a Ordem dos Arquitectos entra nisto?
Tivemos a Olga Quintanilha e depois a Helena Roseta na presidência da Ordem dos Arquitectos e neste momento temos as duas Secções Regionais com mulheres à frente. Eu diria que objectivamente, pelo contexto histórico em que estas mulheres foram presidentes e no caso das actuais, não se potenciou estas presidências. Gosto de pensar que as Conversas e a Associação colocam holofotes num tema latente há muitas décadas que agora se começa a perceber que são assunto e, gosto de pensar também, que as companheiras mais jovens, vão perceber aquilo que nós não tivemos direito a perceber: que as nossas angústias não são solitárias. Penso que, mesmo que esta Associação acabe para o ano, conseguimos fazer ver às mais jovens que elas têm direitos e têm o direito de os reivindicar.
Mas ainda sobre o tema, deixo um desejo para o Natal: que a Ordem dos Arquitectos, tomasse para si a reflexão sobre este assunto e que, entre outras coisas, se investisse dinheiro e tempo a perceber a realidade da prática da profissão no que às mulheres arquitectas diz respeito, mas que eu acho que, mais uma vez, vai servir os interesses de todos.
Biografias | Fundadoras Mulheres na Arquitectura (activo)
Ana Jara (1975). Arquitecta pela FAUTL e cenógrafa pela Central Saint Martins College of Art and Design. Co-fundadora do atelier multidisciplinar Artéria. Foi professora na Universidade de Umeå, na Suécia. É professora na Pós-graduação Design Thinking no IADE. Frequenta o Doutoramento em Estudos Urbanos no ISCTE-IUL.
Joana Braga. Investigadora e arquitecta, entretece práticas espaciais, discursivas e performativas com o desenho de imaginários urbanos. É doutoranda em arquitectura no ISCTE-IUL; curadora e criadora do projecto de investigação artística Topias Urbanas; membro do baldio | estudos de performance.
Joana Pestana Lages (1979). Arquitecta e investigadora urbana. Feminista e mãe. Doutorada em Urbanismo pela FAUL. Tem projectos individuais ou em parceria, tendo colaborado, entre outros, com Promontório Arquitectos (Lisboa), dRMM Architects (Londres) e Renzo Piano Building Workshop (Génova).
Lia Antunes (1988). Arquitecta formada pela Universidade de Coimbra (2012), trabalhou com Pedro Maurício Borges, Miguel Figueira, Recetas Urbanas (Sevilha) e, hoje, Formas Efémeras (Covilhã). Doutoranda em Arquitectura no darq-UC, sobre políticas urbanas e práticas feministas na arquitectura e na cidade.
Luísa Paiva (1966). Mulher, feminista, cidadã, artista plástica e arquitecta. Licenciatura em Arquitectura pela FAUTL (1990); Licenciatura em Pintura e, Doutoramento em Escultura, ambos pela FBAUL (2013). Prática de Arquitectura partilhada com o Arq. João Sequeira em Gabinete próprio (Labart). Docente do Ensino Superior, Arquitectura.
Patrícia Santos Pedrosa (Lisboa, 1971). Professora Auxiliar Convidada (UBI) e investigadora (CIEG- UL). Arquitecta, Mestre em História da Arte, Doutora em Projectos Arquitectónicos e Curso de Especialização Avançada em Estudos Feministas. Trabalhos publicados na área da história, teoria e crítica. Temas de interesse: Género e Arquitectura/Cidade, História e Teoria da Arquitectura.
Rita Ochoa (Tomar, 1973). Arquiteta Pós-graduada em Qualificação da Cidade pela Universidade Católica Portuguesa, Master em Desenho Urbano pela Universidade de Barcelona, Doutorada em Espaço Público e Regeneração Urbana pela Universidade de Barcelona. Centro de Investigação e Estudos em Sociologia (CIES-IUL/UBI). Docente do Ensino Superior. Cofundadora da Revista Branca.
Sofia Castelo (1972). Arquitecta paisagista. Teve atelier próprio em Lisboa antes de emigrar para a China em 2011. Geriu projectos na Austrália, E.U.A. e Europa. Terminou recentemente um ano sabático dedicado ao doutoramento em Alternações Climáticas e pós-graduação em Gestão de Projectos.