“A PPA não quer limitar-se aos países de língua portuguesa”
“há um mundo cheio de oportunidades e as empresas portuguesas, neste momento, estão presentes em todos os continentes e nós encorajamos isso” – Francisco Nunes Correia
Pedro Cristino
Portalegre: Governo promete medidas que respondam a “ilha rodoviária” no distrito
“Portugal tem de trabalhar para não ser só um ponto de passagem”
Azores Retail Park representa um investimento de 40M€
Cascais recupera mosteiro e cria residência para estudantes
“C2Ø Construction to Zero” lança plano de acção para descarbonização do sector
Remodelação da iluminação pública da 2ª Circular em Lisboa
Presidente da OLI distinguido pela sua “carreira de empresário e gestor”
64% dos edifícios de escritórios da Grande Lisboa “em risco de se tornarem obsoletos em 2030”
Navicork da Corticeira Amorim com pegada de carbono negativa
Barbot marca presença na Concreta com novas ferramentas de IA
A Parceria Portuguesa para a Água (PPA) pretende constituir-se como um veículo de internacionalização do “cluster” nacional ligado à água. Em entrevista ao Construir, Francisco Nunes Correia revela que a diversidade geográfica da presença das empresas portuguesas no contexto internacional o deixa frequentemente surpreendido e explica o objectivo do mais recente projecto desta parceria: o P3LP. Para o presidente da PPA, as empresas portuguesas não deverão limitar-se a operar nos países lusófonos e deverão procurar sempre consorciar-se para combater a falta de dimensão que enfrentam à escala internacional
O que é o P3LP?
O P3LP é o grande projecto que está a começar. Com financiamento comunitário, este projecto é muito baseado naquilo que se chamam missões inversas. Seleccionamos técnicos para trazer a Portugal no sentido de verem o que se faz e fez em Portugal.
Qual é a receptividade?
Tem que ser dos dois lados. Do lado das empresas portuguesas, que têm de ter disponibilidade para acolher estes técnicos que vêm destes países de língua portuguesa, que aqui se deslocam para acções que têm o seu quê de capacitação profissional, embora a níveis diferentes. Pode ser a nível político ou de direcção de topo da administração ou das empresas – aí normalmente são acções mais curtas e de índole estratégico – ou acções mais viradas para a formação. Por exemplo, os responsáveis do laboratório de análise de águas de Angola poderão passar aqui uma semana para observarem quais as rotinas e os procedimentos. Portanto, é muito dirigida a acções de capacitação/formação profissional a estes dois níveis e as empresas portuguesas têm que se dispor a receber estes quadros e têm tido uma receptividade enorme. Há empresas que têm esta vocação, como a Águas de Portugal, que é um grupo enorme, com uma relação já muito intensa com estes países. A Águas do Porto foi onde o projecto nasceu e esta empresa tem tido um empenho imenso em envolver-se. O projecto surgiu numa reunião na Águas do Porto, dirigida a países da CPLP. Perante os representantes destes países, lançou-se a ideia de pegar neste ambiente criado pela presença destes técnicos e fazer um projecto com o objectivo de fortalecer estes laços. Há uma dimensão de formação profissional mas, inevitavelmente há também uma dimensão que consiste em criar laços com as pessoas, de as conhecer. O ideal seria que, quando voltassem aos seus países de origem, estes técnicos, quando tivessem dúvidas, estivessem á vontade para pegar no telefone e nos contactarem. Estabelecer estes laços é uma dimensão um pouco imaterial, quase subjectiva, mas de extrema importância. É preciso receptividade das empresas portuguesas. Frederico Fernandes, actual presidente da Águas do Porto, referiu que a empresa está muito condicionada do ponto de vista salarial, porque se trata de uma empresa pública. Por outro lado, os funcionários da empresa têm neste relacionamento internacional um estímulo, porque percebem que têm algo para mostrar, recebem colegas de outros países e têm oportunidade de falar da empresa e mostrar alguns procedimentos. Portanto, encaram isto como algo positivo, que dá uma visão do mundo. Do lado das empresas destes países de língua portuguesa tivemos também, até agora, manifestações de interesse, nomeadamente quando a ideia surgiu. Agora vamos colocar isto no terreno e vamos começar a curto prazo.
Que outras dimensões tem este projecto?
Tirando partido de cada uma destas delegações, fazemos um seminário dirigido também às empresas portuguesas sobre um tema que interesse particularmente também a essa delegação. Depois, faremos os estudos da situação de alguns dos países que ainda não tinham sido contemplados no projecto que foi feito no Quadro Comunitário anterior. Vamos também fazer um levantamento das possibilidades dos fundos europeus orientados para a cooperação, chamados EuropeAid, para tentar que Portugal tire mais partido destes fundos, dirigidos para estes países de língua portuguesa.
Exclusivamente para países de língua portuguesa?
A Parceria Portuguesa para a Água não quer, de maneira alguma limitar-se aos países de língua portuguesa. Estes países são, por assim dizer, a área de conforto para a internacionalização das empresas portuguesas, por razões evidentes. Mas há um mundo cheio de oportunidades e as empresas portuguesas, neste momento, estão presentes em todos os continentes e nós encorajamos isso. O que nós queremos é ter uma atitude equilibrada, nem de oito, nem de 80. Por não queremos que as empresas se limitem à área de conforto dos países de língua portuguesa, também não deixamos de compreender que esses países merecem uma atenção especial. Se os espanhóis e os franceses o fazem, e cultivam muito particularmente a relação que têm com os países da sua própria língua, seria um absurdo que Portugal não desse também uma atenção bastante especial aos países de língua portuguesa. Como sabemos, quando se encontram colegas, o diálogo é fácil. Dos técnicos e dirigentes destes países, muitos têm família aqui em Portugal. Há um conjunto de relações que resultam obviamente da história comum que facilita estes contactos e nós queremos aprofundar. Resumindo, as empresas portuguesas não devem limitar-se aos países lusófonos, mas jamais deverão descurar o mundo da língua portuguesa porque, aí, as oportunidades e a facilidade de contacto são imensas. É nesta posição equilibrada que procuramos estar. O projecto anterior foi dirigido a oito países, dos quais três eram de língua portuguesa. Agora, este projecto é dirigido a países de língua portuguesa. A PPA tem outras actividades e divulga oportunidades no mundo inteiro.
Por outro lado, a PPA apresenta uma forte componente de capacitação, de troca de conhecimentos, que é um elemento mais facilmente transferido para países lusófonos…
É mais facilmente feita para países lusófonos e isso cria não apenas a oportunidade de ensinar, de melhorar o desempenho dessas empresas ou entidades nesses países, mas é também uma oportunidade de estabelecer laços, relações profissionais e até pessoais, que darão os seus frutos a médio e longo prazo. Tem essas duas dimensões: a utilidade, num sentido muito estrito, mas também uma vertente mais ampla, que é o reforço dos laços.
Como vê a presença internacional das empresas que a PPA representa?
A presença internacional das empresas portuguesas surpreende-nos frequentemente. O conjunto de países onde operam vai dos Estados Unidos à China. É claro que, nos Estados Unidos, em 2015, a percentagem foi de 1,2%, o que deve significar duas ou três empresas, no universo dos 134 associados da parceria. Estão no mundo inteiro, quase sem excepções. Em África, para além dos países lusófonos, as empresas trabalharam no Uganda, no Gabão, África do Sul, Malaui, etc. Mas não só – estiveram nos Emirados Árabes Unidos, Magrebe, Jordânia, Egipto. Tudo isto são países onde, em 2015, as empresas conseguiram iniciar a actividade. Para iniciar actividade em alguns destes mercados, as empresas têm de ter uma ponta de humildade na sua abordagem, ou seja, têm que aceitar ir em consórcios de outras empresas grandes, que muitas vezes já estão implantadas nestes mercados, e podem ser empresas portuguesas ou de outros países. E algumas empresas portuguesas com um “know-how” muito especializado em certa área acabam por ser uma mais-valia para empresas francesas, holandesas ou alemãs. Têm de lutar por isso e são reconhecidas quando realmente desempenham um bom trabalho. Isso é a maneira de entrar num certo mercado. Se ganham dimensão, se tudo corre bem, se as actividades se expandem, podem começar a fixar-se elas próprias. As empresas portuguesas da área da construção estão extraordinariamente implantadas nas geografias mais diversas. Esses grupos, muitas vezes, estão envolvidos em projectos que têm a haver com água. Portanto, estão em boas condições para fazer consórcios com as empresas lusas especializadas no sector da água para marcar presença nesses mercados. As empresas vão primeiro como colaboradores e, como disse, quando as coisas correm bem, muitas vezes acabam por elas próprias estabelecerem delegações e afirmarem-se nesses países.
É uma área de conhecimento muito específico…
É um mundo. Vai desde os recursos hídricos, na sua imensa vastidão, produção de energia, rega, até à água do ciclo urbano.
Como caracteriza em termos de capacidade o “cluster” nacional?
O “know-how” é muito vasto e diversificado em todas essas áreas. Um sector que, nas últimas duas décadas, ganhou uma enorme dinâmica, um grande protagonismo e, seguramente, uma competência técnica muito grande e actualizada é, precisamente, o ciclo urbano da água – abastecimento de água e tratamento de esgotos. Porquê? Portugal registou um progresso enorme nos últimos 20 anos neste sector. Eu gosto sempre de citar o director-executivo da International Water Association que, numa conferência em Montreal, perante cerca de 6 mil participantes, falava do “milagre português”. Passámos de níveis muito baixos de atendimento às populações e de qualidade de serviço, no final dos anos 80, até valores que têm, hoje, níveis absolutamente europeus, e com uma qualidade garantida pela ERSAR, onde o abastecimento de água com qualidade certificada e verificada é da ordem dos 99%. No que diz respeito a tratamento de esgotos, passou de 10% para cerca de 80%. Soubemos tirar partido dos fundos comunitários nesse capítulo. Isso correspondeu à mobilização da melhor tecnologia nacional – pública, privada, universitária, etc. Hoje, que começamos a atingir já quase o nível do pleno abastecimento, as empresas portuguesas – ainda por cima com a crise que se verificou nos últimos anos – ou se internacionalizam ou desaparecem, como algumas têm desaparecido. A internacionalização passou a ser uma prioridade para as empresas do sector, que têm realizações feitas que podem mostrar. Esse é um sector forte, mas, em Portugal, a hidráulica tem grandes tradições históricas. Durante muitos anos, fiz uma parte muito importante da minha carreira no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e aí todos apreciávamos os modelos reduzidos da Praia de Copacabana, da Barragem de Cahora Bassa, obras desse estilo, feitas em vários locais do mundo. Portugal tem um caso extraordinário que técnicos de todos os países gostam de visitar que é o Alqueva: é o maior lago artifical da Europa, um aproveitamento de fins múltiplos que produz energia, tem agricultura, cria uma área de lazer, contribui para o abastecimento municipal. Portanto, é tipicamente um aproveitamente de fins múltiplos de grande escala e um projecto muito interessante onde a tecnologia portuguesa esteve presente. A PPA ocupa-se também de uma outra área, que é a das questões costeiras. O país tem uma tradição muito considerável na engenharia costeira.
Que áreas cobre a parceria?
A PPA tem essencialmente cinco áreas de que se ocupa: planeamento de recursos hídricos, ciclo urbano da água, aproveitamentos de fins múltiplos, questões costeiras e governança.
Como conseguem contribuir neste campo específico da governança?
Falando no meu caso pessoal, há meses tive uma colaboração que se prolongou durante um ano e meio, com a OCDE no sentido de estabelecer os princípios da boa governança dos recursos hídricos. Foi um trabalho muito exaustivo, de levantamento, de reflexão sobre as linhas principais, tendo em conta trabalhos antecedentes da OCDE e de outros organismos internacionais nesta matéria, para chegarmos à formulação de 12 princípios, agrupados em três conjuntos, um dos quais visa a eficácia, o outro a eficiência e o último visa a transparência e o comprometimento dos utilizadores. Foi um processo em que tive um envolvimento muito grande e, finalmente, terminou há seis meses com a aprovação desses princípios por parte do Conselho Ministerial da OCDE. Isso é governança: como se deve gerir a água.
Isso demonstra a boa cotação do país neste sector?
Estamos muito bem cotados a nível de capacidade técnica, não tenho dúvidas disso.
O que fez com que nos tornássemos tão fortes nesta área?
Portugal teve um grande surto de desenvolvimento no que concerne a aproveitamentos de fins múltiplos, que gira muito em torno de grandes barragens que servem vários propósitos. A seguir à Segunda Guerra Mundial, Portugal usufruiu de fundos do Plano Marshall. Se for ao LNEC, que, aliás, é criado por essa altura, justamente para dar apoio às infra-estruturas que começaram a ser construídas, ainda vê, na parte museológica peças, instrumentos com eticas que dizem “financiado pelo Plano Marshall”. Este financiamento deu um impulso enorme à engenharia civil portuguesa. Evidentemente, a par de grandes figuras, de grandes engenheiros civis que ganharam uma grande projecção internacional e a trouxeram para Portugal. A figura mais destacada é o engenheiro Manuel Rocha, que foi director do LNEC durante umas décadas, e cujos escritos são visionários. Não foi o único, posso citar outros, como Ferry Borges, uma pessoa de grande projecção internacional, ligado à área sísmica, onde Portugal ainda hoje tem também projecção. Houve um conjunto de circunstâncias, como seguramente o pós-guerra, cujo Plano Marshall, numa lógica de desenvolvimento muito virada para as infra-estruturas, contribuiu para a projecção da engenharia civil portuguesa. Depois, tem havido uma evolução dos vários subsectores. A grande aposta que se fez com os fundos comunitários, por exemplo. Desde que Portugal aderiu à União Europeia, até hoje, tudo o que e é abastecimento urbano teve um desenvolvimento imenso, o que levou a que as empresas portuguesas deste sector também tenham sofrido um surto de desenvolvimento nestes últimos anos. Resumindo, houve um conjunto de circunstâncias históricas e um conjunto de personalidades que colocaram a engenharia civil e, em particular, o tema da água e dos recursos hídricos no primeiro plano a nível mundial. No seu conjunto, tem sido uma área de grande afirmação em termos internacionais.
Considera que o país é competitivo nesta área?
Temos “know-how” muito competitivo. O calcanhar de Aquiles de muitas empresas portuguesas é o facto de que são muito pequenas à escala mundial.
Daí a importância de iniciativas de associativismo como a PPA…
Exactamente. A recomendação que fazemos às empresas segue no sentido de se consorciarem com outras – nacionais ou estrangeiras – que já estejam implantadas em várias geografias e entrarem, desta forma, nesses mesmos mercados. Muitas dessas empresas são pequenas e médias e isso é, para nós, uma área de preocupação, nomeadamente, por exemplo, na cooperação europeia. A Comissão Europeia financia projectos em muitos países, nomeadamente na Europa de Leste ou Norte de África, e faz concursos para procurar empresas europeias que os possam executar e, muitas vezes, exige experiência em abastecimento a cidades com 4 milhões de habitantes ou mais. A Grande Lisboa tem 2 milhões, portanto, a maior das empresas, é pequena perto de uma empresa que abasteça Paris ou Londres e isso cria, objectivamente, limitações às empresas portuguesas. Este é apenas um exemplo de muitos. Portanto, uma das acções que pretendemos desenvolver, durante 2016, é, junto do Governo português e das autoridades em Bruxelas, chamar a atenção para regras ou procedimentos que limitam a capacidade de acesso das empresas portuguesas. E, por vezes, limitam injustamente porque este tipo de experiência é frequentemente pedido em grandes projectos para fazer um projecto que, afinal, é só para 1 milhão de habitantes. Isto filtra imediatamente empresas mais pequenas e as portuguesas, mesmo as maiores, a uma escala internacional, são relativamente pequenas, de um modo geral. Exceptuam-se algumas empresas na área da engenharia, na área da construção, que diria que têm uma escala de médias – e apenas médias – empresas. Mesmo a EDP, uma das maiores empresas portuguesas, é, à escala mundial, uma média empresa. Portanto, este problema de escala é complicado quando é usado para pôr de parte estas empresas. É algo que é preciso contrariar.
Todavia, parece haver pouca tendência na fileira lusa da construção para se concentrar num único “cluster” e avançar em conjunto para os concursos internacionais…
Pois é. Talvez aí entrem factores culturais. Apesar de tudo, acho que há alguns esforços que caminham noutro sentido e a PPA é um exemplo. A Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores (APPC), que procura também congregar esforços, ou as próprias associações empresariais, como a AIP e a AEP. Mas há realmente uma tradição de cada um ir por si. Há uma certa imaturidade que se tem de ultrapassar, porque todos têm a ganhar se juntarem realmente esforços.
Por outro lado, o tecido empresarial português parece não ter grandes dificuldades em estabelecer parcerias locais nos países onde pretende operar.
Mas isso é um dos segredos do sucesso. É muito difícil chegar a um país que não se conhece bem e saber quem é quem, quais são as regras do jogo, qual a cultura local. Por isso, encontrar bons parceiros locais é, em muitos casos, absolutamente imprescindível. E mais! Em alguns casos até são exigências dos próprios termos de referência dos concursos. As empresas que concorrem têm de arranjar um parceiro local e há países onde isso é exigido legalmente.
Nem sempre é fácil encontrar um bom parceiro local.
Pois não, mas não podemos ser demasiado paternalistas em relação a isso, porque se encontra boa tecnologia e, por vezes, há uma tendência para a subestimar. Tenho assistido a isso e dou-lhe dois exemplos. Marrocos é um país muito interessante e que, por sua vez, olha para Portugal, também com muito interesse. Tem genuíno gosto em que Portugal lá esteja presente e é um país com núcleos de excelência, tem empresas, universidades e governantes, em algumas áreas, de grande qualidade e, por vezes, os portugueses não dão a devida atenção à qualidade daqueles mercados. Outro exemplo é a Turquia. Tem tecnologia, universidades e empresas de primeira qualidade. O que penso ser adequado em países desse tipo é que as empresas portuguesas se associem a empresas desses países para irem a mercados na região. Por exemplo, a partir de Marrocos, operar em mercados próximos, no Magrebe, ou no Maxerreque. Há pouco discutíamos a associação de grupos portugueses com empresas polacas para irem para os mercados da Bielorrússia, da Ucrânia, a outros mercados dessas zonas. Portanto, de um modo geral, esses mercados possuem algumas empresas de qualidade, é preciso identificá-las para nos associarmos a essas empresas e operarmos nessas regiões. As empresas nunca devem pensar que os mercados onde se candidatam para desenvolver trabalhos são mercados fáceis ou com baixo nível tecnológico porque, mesmo nos países com mais problemas de desenvolvimento, mesmo nos países mais pobres, muitas vezes os financiamentos advêm de instituições internacionais, como o Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento ou o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento. São estas instituições que controlam as regras do jogo e têm grandes exigências técnicas. Portanto, não há hoje mercados fáceis: só com qualidade é que as empresas se conseguem impôr. Isto leva-nos de novo à CPLP. Não é por dar uma pancadinha nas costas e beber uma cerveja em conjunto que os portugueses se afirmam em África. Isso pode ser muito agradável para saber as oportunidades, quais as intenções, tudo isso ajuda a uma integração cultural, mas, na hora da verdade, a qualidade é imprescindível porque, na hora da verdade há um Banco Mundial ou um Banco Africano de Desenvolvimento a estabelecer regras.
Como é que olha para a investigação que tem sido levada a cabo no sector da água?
As instituições do sistema científico têm dado um contributo muito importante. Este sector, na área do ciclo urbano da água, não teria ganho a projecção que ganhou se não tivesse também uma componente científica e tecnológica muito importante. E isso está, sem dúvida, espalhado pelas principais universidades do país, mas o LNEC é também uma casa muito importante neste sector. Aliás, é um membro fundador da Parceria e tem talvez a maior equipa que existe em Portugal dedicada ao conjunto de temas da água. Há vários pólos de conhecimento, com várias especialidades, que cobrem muito bem todos os temas relacionados com a água.
Quais são actualmente os maiores desafios deste sector?
Acho que, em primeiro lugar, a internacionalização é o grande desafio. Não pode haver internacionalização sem uma rectaguarda onde as empresas tenham um pé – um local onde tenham trabalho feito, possam ter o seu “backoffice” e desenvolver tecnologia. A crise diminuiu de uma forma demasiado violenta essa rectaguarda das empresas em Portugal. Temos insistido muito nesse ponto, nos nossos contactos com o poder político. As empresas portuguesas também precisam de ter o mercado nacional para se afirmarem lá fora, só que, enquanto antes era 90% em Portugal e 10% lá fora, agora caminhamos, como outros países, para ter 10% em Portugal e 90% lá fora. Se não temos os tais 10% ou 20% em Portugal, as empresas portuguesas sofrem. Outro problema é a escala, que já referi e tem vários problemas. Em primeiro lugar, a internacionalização requer envergadura, necessita de investimento e sai cara, no início, antes do retorno. O problema de escala é ainda agravado pela falta do espírito de conjunto, de aliança. As empresas estão muito habituadas a competir entre si. Era bom que, muitas vezes, se aliassem mais, sobretudo nos mercados estrangeiros. Um terceiro problema é a relação entre as empresas e as universidades e centros de investigação. Sobretudo a nível das empresas maiores, existe alguma relação, mas necessita de ser ainda aprofundada. Tudo o que vá no sentido de aprofundar as relações entre o mundo da ciência e da tecnologia e o mundo das empresas é muito importante, porque a inovação é decisiva para a competitividade.
O tecido empresarial está ainda afastado das universidades?
Acho que ainda não está tão próximo quanto devia. O actual Quadro Comunitário para a investigação, chamado Horizonte 2020, tem como um dos seus objectivos aproximar as instituições que produzem conhecimento, dos utilizadores finais: as empresas ou entidades públicas que depois usam todas as tecnologias que se vão desenvolvendo. É um caso de copo meio cheio ou meio vazio, mas ainda há muito espaço no copo para encher. Há muitos protocolos, sobretudo entre as empresas maiores e instituições de ciência, mas isso tem de ser aprofundado. As empresas nem sempre percebem que, tendo uma relação estreita, de partilha de projectos, com as universidades ficam mais bem apetrechadas para ir para mercados competitivos.
Qual o potencial de exportação de conhecimento que as empresas portuguesas têm neste campo específico?
O sector teve um grande desenvolvimento em resultado, sobretudo, da disponibilidade de fundos comunitários. Tenho ideia que, no ciclo urbano da água, se investiu algo como 8 mil milhões de euros nos últimos anos, em Portugal, com os vários ciclos comunitários. Foi uma das áreas onde o investimento foi maior, seguramente. Isso significa que muitas empresas, muitos técnicos, foram mobilizados e penso que o país ficou, em grande medida, na crista da onda no que se refere ao desenvolvimento tecnológico. O que é importante, agora que esse mercado interno diminuiu drasticamente, é que as empresas portuguesas não fiquem a dormir sobre esses louros e não percam o hábito de se modernizar e actualizar. Aí, a relação com as universidades e os centros de investigação é muito importante, para se manterem na fronteira do conhecimento. O potencial é grande, de facto.
Que regiões do globo acredita que terão mais oportunidades actualmente para a área hídrica?
Temos um gráfico que mostra as áreas que nos parecem mais promissoras. É um pouco por ciclos concêntricos. Há um primeiro núcleo, que são as áreas de conforto mais próximas de Portugal e mais acessíveis às suas empresas. São, em primeiro lugar, os países da CPLP. Logo a seguir, países vizinhos desses, onde Portugal já está também bastante activo, como os da América do Sul. São mercados onde as empresas portuguesas se podem associar às suas congéneres brasileiras, levando toda uma experiência própria de uma cultura europeia, e os parceiros levam o conhecimento do terreno. Em África, países na vizinhança de Angola e de Moçambique são extraordinariamente atractivos. Há, depois, outro grupo de países que se nos afigura promissor, que é o dos países do Magrebe, em particular Marrocos, Argélia e Tunísia. Portugal já tem tradição nestes países, talvez não tanto no ciclo urbano da água, mas, por exemplo, na área dos grandes aproveitamentos hidráulicos tem uma longa experiência. A COBA desde há décadas que trabalha nestes países. É uma área natural, de grande proximidade geográfica e onde Portugal é muito bem recebido porque, muitas vezes, apesar de terem uma relação muito grande com França, querem diversificar os seus relacionamentos. Portugal tem algum prestígio nesses mercados.
Não parece haver um grande interesse no Extremo Oriente…
Até agora não tem havido uma presença muito forte. Mas há potencial e o Banco Asiático de Desenvolvimento tem criado oportunidades. Em 2015, houve empresas portuguesas a ganhar concursos nestas geografias mas há círculos de proximidade, que são África, América do Sul e, depois, uma área até agora pouco explorada que é a Europa de Leste.