“Sector da fiscalização padece de total ausência de regulamentação”
A estratégia internacional da Cinclus leva a empresa a estar activa em três continentes distintos, de forma permanente. Ao Construir, Miguel Braga da Cruz explica que, desta forma, a empresa […]
Pedro Cristino
Espanhola ARC Homes tem plano de investimento de 180 M€
“Um futuro sustentável para a Construção” domina programação da 31ªConcreta
Casa cheia para a 31ª edição da Concreta
Signify ‘ilumina’ estádio do Sporting Clube de Portugal
Savills comercializa 2.685 hectares de floresta sustentável em Portugal e Espanha
Tecnológica Milestone com 36% de mulheres nas áreas STEM supera média nacional
Sede da Ascendi no Porto recebe certificação BREEAM
KW assinala primeira década em Portugal com videocast
LG lança em Portugal nova gama de encastre de cozinha
CONCRETA de portas abertas, entrevista a Reis Campos, passivhaus na edição 519 do CONSTRUIR
A estratégia internacional da Cinclus leva a empresa a estar activa em três continentes distintos, de forma permanente. Ao Construir, Miguel Braga da Cruz explica que, desta forma, a empresa portuguesa de engenharia evita expor-se a três ciclos económicos negativos simultaneamente e aproveitar oportunidades nas dinâmicas de contraciclo. Numa perspectiva semelhante, o CEO da Cinclus apela a uma maior cooperação entre economias lusófonas, como garante de mais e melhores oportunidades para todos os envolvidos.
Que balanço faz da actividade da Cinclus relativamente ao ano transacto?
Efectivamente, o balanço que fazemos é positivo, na medida em que 2015 foi um ano que correu melhor do que 2014. O nosso volume de negócios cresceu 18%, os nossos resultados melhoraram muito significativamente. Tivemos, em 2014, resultados que, apesar de pouco negativos, não deixaram de ser negativos e, este ano, fechámos 2015 com resultados francamente positivos. Conseguimos consolidar a nossa actividade tanto a nível nacional como internacional. Crescemos no mercado interno e conseguimos manter, no mercado externo, apesar de toda a crise que se está a instalar a nível global. O mercado onde estamos a apostar mais significativamente é o brasileiro, que cresceu. Nessa perspectiva, foi um ano positivo. No que concerne à actividade comercial no mercado, 2015 não foi um ano assim tão positivo, apesar de ter sido um ano em que se verificaram sinais de retoma, quer na área do turismo, quer na área do imobiliário, que conheceu um dinamismo muito significativo. 2015 foi melhor que o ano anterior em termos do mercado imobiliário e da reabilitação urbana e 2014 já tinha sido o melhor ano desde o início da crise, em 2007. Apesar destes dois aspectos positivos, o ano passado foi o ano em que a actividade comercial foi mais baixa desde que há memória no sector da construção, sendo necessário recuar ao início da década de 2000 para encontrar paralelo em termos de actividade. Isto prende-se fundamentalmente com a redução do investimento público. No ano transacto, as adjudicações de obras públicas reduziram em cerca de 35%, relativamente a 2014 e, tendo presente que isto acontece sucessivamente desde 2011, significa que o nível de contratação pública desceu 57% desde então. Se medíssemos desde o ano em que não tivemos cá a “troika”, esse valor seria significativamente superior. Diria que andaria acima dos 60%. Isto são dados do Barómetro da AICCOPN, referentes a Fevereiro de 2016, portanto estamos a falar de uma contracção de mercado muito significativa. Assim, relativamente ao ano transacto, apesar dos contributos positivos das áreas do turismo, do imobiliário e da reabilitação urbana, os contributos negativos que advieram de outros sectores, nomeadamente a ausência de investimento público, ultrapassam-nos largamente.
Essa queda de investimento público tem sido muito referida pelas principais associações do sector. Merece-lhe preocupação?
Muita preocupação. Por exemplo, 2009 foi um ano em que houve um investimento muito significativo, devido a instruções de Bruxelas, para fazer face a um receio que havia de quebra e de queda dos mercados. O que acontece é que, se não era normal termos os índices de investimento que tivemos no passado, também não é normal termos os índices de investimento que temos actualmente. Tenho assistido a descrições de colegas e de amigos, ligados ao sector da manutenção em vários outros sectores, mas muito em particular no sector dos transportes, e o que está a acontecer é que estão a ser feitas coisas que são arrepiantes.
A que se refere?
Quando se começa a cortar nos investimentos de operação e manutenção, mais cedo ou mais tarde, algo cederá e, portanto, não me espantaria que um dia destes acontecesse um acidente semelhante ao da queda da ponte de Entre os Rios. Basta uma pessoa meter-se no comboio e fazer uma viagem do Porto a Lisboa, que sente a diferença da rodagem das carruagens em cima da linha.
Por outro lado, o Governo anunciou há relativamente pouco tempo investimentos de milhares de milhões no desenvolvimento de infra-estruturas ferroviárias. Como vê essa medida?
De uma forma extremamente positiva e também queria fazer esse contraste. Não obstante estar a sentir-se na economia alguns sinais de melhoria, estes sinais não são suficientes para que a economia retome. É preciso que haja uma inversão na ausência de investimento público e, naturalmente, esse investimento tem de ser decidido e aplicado em circunstâncias que sejam produtivas. Portanto, o investimento que está a ser anunciado pelo Governo – e por Bruxelas, com o Plano Juncker – assenta muito no transporte ferroviário e na articulação das plataformas com vários modos de transporte que, neste momento, ainda estão em falta. Assim, vejo esse anúncio de investimento como extremamente positivo porque, mais cedo ou mais tarde – e, na minha opinião, já começa a ser tarde – o Plano Juncker e a política monetária do Banco Central Europeu (BCE) têm de chegar ao terreno e nós, europeus, estamos a demorar demasiado tempo a resolver os nossos problemas. Estamos muito preocupados com outros problemas e facilmente deixamos de dar atenção a outros aspectos que acabam por ser adiados e, depois, não chegam a ser concretizados. A crise financeira iniciou-se nos Estados Unidos em 2008 mas o país já ultrapassou a crise e já está a crescer novamente, enquanto nós ainda estamos a braços com a crise que aí originou. Entretanto, já houve outras crises – a dos refugiados, a do terrorismo – a somar às que nós ainda vivemos. Portanto, é preciso ser mais pragmático e mais incisivo no tratamento das soluções e, efectivamente, é preciso implementar esses planos, em termos de investimento público que seja reprodutivo. A iniciativa é boa, mas é necessário que chegue ao terreno. Esses planos foram anunciados há mais de seis meses mas ainda pouco ou nada se sente. O programa Portugal 2020 é outro programa que considero muito positivo, mas foi anunciado pelo Governo em Novembro de 2014 e só agora se sentem os efeitos, mais de um ano depois. Assim, tanto no que se refere ao Portugal 2020, como ao Plano Juncker, e ainda o programa que o BCE vai lançar, e que está a começar a ser anunciado por Mario Draghi, no sentido de injectar dinheiro na economia, para evitar que a economia europeia entre em deflação. Não podemos esquecer-nos do exemplo do Japão, que entrou em deflação e levou mais de 20 anos para sair dessa situação.
O Governo tem mostrado que está a tentar impulsionar o sector da reabilitação urbana. É um sector que, dinamizado, poderá ter interesse para a Cinclus?
Tem muito interesse, porque a Cinclus actua no sector imobiliário e, em especial, no sector da reabilitação, onde temos, de momento, muito trabalho. Temos vários contratos de reabilitação em Lisboa e também alguns contratos, em menor número e de menor dimensão, no Porto. O sector da reabilitação necessita de ser impulsionado em Portugal pois precisamos desesperadamente dele. Neste momento, verificamos que é um sector muito vibrante em Lisboa. Em Lisboa, o mercado imobiliário, em particular o da reabilitação, está a apresentar um grande dinamismo mas não tem paralelo no resto do país. Verifica-se algum dinamismo no Porto, com projectos em número e dimensão muito menores do que os projectos que existem em Lisboa mas pouco se vê no resto do país. Quem olha para o Centro Histórico de Coimbra, que é espantoso, vê que está completamente deserto. Portanto, é preciso manter, acarinhar e, inclusivamente, impulsionar as políticas que sustentem a reabilitação urbana, nomeadamente políticas de beneficiação fiscal a quem investe nesses sectores, e políticas de atracção do capital estrangeiro. Se, por um lado, 2015 foi o melhor ano desde o início da crise para o sector imobiliário, 80% do investimento e das transacções que se fizeram nesse sector no país, teve origem estrangeira. É exactamente disso que a nossa economia precisa. Temos de recapitalizar o país e as empresas e isso não pode ser feito sem a captação de investimento estrangeiro. Nessa medida, todas as políticas que possam ser tomadas, são bem vindas – a política dos “Vistos Gold”, a política do residente não habitual, as políticas de benefícios fiscais atribuídos a quem faz investimentos dentro das zonas de intervenção prioritária. É fundamental também que sejam complementadas, nomeadamente com políticas de relançamento do arrendamento urbano, e com políticas de incentivo ao estabelecimento de rendas controladas, de habitação com custos controlados, para que consigamos ter cidades equilibradas, com os vários níveis de estratificação social equilibrados, porque não podemos permitir que, de repente, um centro histórico que estava vazio e abandonado se transforme num centro histórico elitista onde só as camadas mais altas conseguem habitar, viver e usufruir. Temos de ter políticas públicas que permitam, de alguma forma, equilibrar os desequilíbrios que a lei do mercado introduz, sendo que eu, com isto, não estou a defender que se limite o funcionamento do mercado. O que estou a defender é que o Estado e as autarquias devem exercer a sua acção de reequilíbrio quando verificam fenómenos de desequilíbrio. Assisti à entrevista do dr. Fernando Medina, na SIC, e concordo inteiramente com ele, quando defende a introdução de políticas de solos e de políticas de arrendamento de custos controlados.
Como se pode caracterizar, actualmente, o sector da fiscalização em Portugal?
O sector padece de um mal que é a total ausência da regulamentação. Qualquer empresas pode exercer actividade neste sector, porque ele está completamente desregulamentado e isso introduz uma ausência de barreiras ao exercício da actividade que coloca uma pressão grande em todos os intervenientes neste mercado. Portanto, o que acontece é que, com a ausência de regulamentação e com um mercado em contracção – com reduzido número de oportunidades -, começamos a assistir a um fenómeno de “dumping” de preços e de canibalização do mercado que, necessariamente, conduzem a desfechos muito negativos, na medida em que as empresas começam a concorrer fundamentalmente pelo preço e isso leva à redução de salários dos profissionais do sector e de índices de desempenho e do nível de satisfação do serviço muito baixos, que acabam por ser reverter contra quem actua no sector. Os clientes, tendo uma má prestação por parte de quem contratam, concluem que não vale a pena contratar uma empresa de fiscalização porque conseguem fazer o mesmo trabalho sem contratar nenhuma empresa. Isto assiste-se fundamentalmente no sector público. No sector privado, quando um cliente contrata um gestor de empreendimentos, uma fiscalização de obra, define bem aquilo que quer e exige de quem contrata. Assistimos a uma maior preocupação no sector privado relativamente às práticas de “dumping” de preços e de preços anormalmente baixos. O mesmo não acontece no sector público, onde assistimos a um agravamento dessas políticas de “dumping” de preços e verificamos que, nos concuros públicos, o único critério de adjudicação é o preço, com uma agravante – cada vez mais são as empresas que praticam os preços anormalmente baixos e são cada vez mais os casos de clientes que aceitam as justificações para a utilização destes preços. Isto está a causar problemas graves no funcionamento do mercado. Felizmente, temos alguns clientes públicos que reconhecem isso e começam a não dar contributos nesse sentido, estabelecendo critérios de avaliação de propostas que não assentem exclusivamente no preço e valores-base para os concursos que sejam justos. O que se verifica, em muitos casos, é que o preço-base estabelecido é, já por si, demasiado baixo e, depois, há tradicionalmente algumas empresas que, independentemente do trabalho, do concurso e do cliente, apresentam um cêntimo acima do preço anormalmente baixo, apenas para não terem de justificar. Quando os clientes apresentam preços baixos estão a dar incentivos para que se pratique uma política de “dumping” de preços. Isso tem de se reflectir nas empresas porque, das duas uma, ou as empresas reduzem os salários que pagam aos profissionais, ou não cumprem com o cliente ou com os profissionais. Ou então assumem prejuízos, uma situação que é insustentável quando mantida com alguma duração. Efectivamente, sou algo crítico deste novo Código de Contratação Pública (CCP)- não que ele seja limitativo, pois é bastante flexível na sua aplicabilidade e, portanto, dá bastante margem de manobra ao cliente para que este organize os concursos como entender – uma vez que não permite uma série de circunstâncias que deviam ser consideradas. Não permite que seja avaliada a experiência curricular dos profissionais ou das empresas, não permite que os clientes levem em consideração o mau desempenho que tenham tido no passado com determinada empresa ou profissional e, portanto, o CCP acaba por ser bastante nocivo. No sector dos serviços de engenharia, já foram experimentados vários modelos e chegou-se à conclusão, já há bastante tempo, de que o modelo que melhor funciona para o mercado é o modelo em que o preço-base determina o valor mínimo e não o máximo, que é o que temos actualmente.
De que regulamentação precisa este mercado tão particular?
A regulamentação associada ao acesso e ao exercício da actividade. Para qualquer pessoa conduzir, tem de tirar a carta de condução e, mesmo assim, não fica habilitada a conduzir qualquer veículo. Na gestão de empreendimentos e fiscalização de obra, qualquer um pode fazer qualquer coisa. Necessitamos de mecanismos que impeçam ou penalizem o exercício do “dumping” de preços.
No contexto internacional também se verificam estes desafios?
Com excepção da América do Norte e do Médio Oriente, verificamos um arrefecimento da actividade em praticamente todas as geografias. Começamos a assistir, no mercado externo, a um aumento das dificuldades na obtenção de trabalho, ao aumento da concorrência e, nesse sentido, sentimos que o desafio aumenta no mercado internacional. Não são as mesmas dificuldades que sentimos em Portugal, pois cada geografia tem os seus próprios obstáculos, mas sentimos um arrefecimento muito grande nas geografias que, tradicionalmente, têm maiores afinidades com Portugal, nomeadamente os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), e isso está a afectar as empresas portuguesas. Não estamos a ser significativamente afectados por esse abrandamento, fundamentalmente porque temos pouca exposição a Angola e a África, no geral, e a expressão que temos no Brasil ainda é relativamente reduzida. Assim, estando a operar num nicho de mercado, e sendo esse mercado muito grande, acabamos por conseguir obter algumas oportunidades que nos permitem ir fazendo o nosso caminho, independentemente da recessão. Em Angola, não estamos a ser muito afectados pela crise que, infelizmente, se instalou, porque concluímos no país um grande projecto e só depois se abateu a crise – num momento de interregno. Isso fez com que nós, praticamente, não sofrêssemos nada com esta situação. Continuamos a estar presentes neste mercado, em que acreditamos muito – Angola é a segunda maior economia de África Subsaariana e, portanto, tem muitas riquezas e uma grande necessidade de estruturas e, a meu ver, tem um enormíssimo potencial. Há vários problemas internos a resolver, mas também vejo como muito positiva a ajuda que o país pediu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que, fundamentalmente, para além do apoio financeiro que pode dar, vai introduzir algumas regras de funcionamento de mercado e alguma transparência adicional que, seguramente, irão ajudar.
Por outro lado, uma imposição por parte do FMI relativamente à diversificação da economia angolana poderá também significar novas oportunidades…
Defendo que os povos lusófonos deveriam trabalhar melhor em conjunto e deveríamos dar as mãos também a quem fala espanhol porque, quem fala português e espanhol, cobre uma área muito significativa do globo. Se trabalhássemos melhor em conjunto, beneficiaríamos todos muito, uma vez que tiraríamos partido dos diferentes ciclos que afectam todas estas economias diversas. As crises representam oportunidades e esta representa uma grande oportunidade a esse nível. Estamos a abrir-nos ao investimento angolano, Angola deve abrir-se também ao mercado – e essa será, provavelmente, uma das imposições do FMI. As regras de mercado têm de funcionar e, se Angola estiver mais receptiva ao investimento estrangeiro, se tiver menos receio do controlo que o capital estrangeiro pode trazer, pode beneficiar enormissimamente. O investimento estrangeiro ajuda a diversificar a economia e Angola não tem de ter a dependência que tem do petróleo, pois tem um potencial agrícola, mineiro, agro-industrial e turístico enormes, que não estão a ser minimamente explorados porque não estão criadas condições suficientes de abertura, de segurança, de movimento de capitais que potenciem essa circunstância. Há aí um potencial muito grande por atender. Mesmo com o Brasil, a crise devia ser explorada também nesse sentido. Devíamos estreitar os laços com o Brasil, os brasileiros não devem ver-nos como uma ameaça, uma vez que não temos dimensão para ameaçar ninguém, mas podemos beneficiá-los enormemente por toda a experiência que temos em Portugal. Também aí, podemos ajudar a criar algum contraciclo entre geografias. Podíamos ter uma relação como a que o Reino Unido tem com os Estados Unidos.
Uma espécie de “commonwealth” lusófona?
Sim. Uma espécie de “commonwealth” em que todos beneficiem. Naturalmente que, para isto, é necessário existir tradição, transparência e uma série de regras que levam tempo a maturar e, esse, é um dos grandes legados que os britânicos deixaram às suas ex-colónias: um padrão de organização e de funcionamento que acabou por ser adoptado e seguido. Infelizmente, nós não conseguimos concretizar algo semelhante, mas ainda vamos a tempo. Há muito trabalho que tem sido feito nesse domínio, até pela Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A presença da Cinclus em Angola permitiu à empresa operar noutras geografias da região?
Não chegámos a fazer isso. Estamos a trabalhar em Angola, para Angola. Neste momento, temos presença em Angola, no Brasil e no Perú. Estamos a olhar para outros mercados, nomeadamente Moçambique, Colômbia e Cabo Verde e não enjeitamos executar projectos noutras geografias, desde que a dimensão o justifique, que é o que está actualmente a acontecer connosco na Roménia. Apesar de a Cinclus já ter 33 anos, é uma PME relativamente à dimensão do mercado global. Iniciámos o nosso processo de internacionalização relativamente tarde, em 2009, o que significa que ainda não nos vemos na situação de utilizar uma geografia para alcançar outras geografias. Pode ser que não estejamos longe dessa situação, na medida em que estamos a redefinir a nossa estratégia para Angola e, portanto, este mercado pode passar a ser uma plataforma para chegar a outros mercados, mas ainda não estamos nesse ponto.
Relativamente ao Brasil, a instabilidade política e as previsões de cenários de crise, preocupam-no?
Naturalmente, preocupam-me, mas não achamos que haja motivo para alarme, tendo presente o poscionamento que temos nesse mercado. No Brasil, iniciámos a actividade com a aposta no sector privado e, portanto, estamos a actuar principalmente ao nível do sector dos centros comerciais e do sector imobiliário, focando-nos fundamentalmente em São Paulo. Como estamos num mercado com uma grande dimensão e concorrência, temos uma quota de mercado muito pequena. Por isso, não consideramos que existam motivos de alarme. Também estamos a fazer o nosso trabalho com uma grande contenção de custos ao nível do investimento que estamos a fazer e, portanto, com uma grande competitividade em termos do nível da relação qualidade-preço dos serviços que apresentamos. Consideramos que não há motivo de alarme mas, naturalmente, estamos apreensivos, porque sente-se claramente a contracção no investimento e a quase total debandada de investimento estrangeiro. Mas o Brasil é uma grande economia, com a capacidade de relançamento que as grandes economias têm. Contrariamente àquilo que está a acontecer neste momento em Portugal, onde, depois de aplicadas as medidas de austeridade, a economia leva muito tempo a recuperar, a economia brasileira, face à sua grande dimensão, tem uma capacidade de reacção igualmente grande. O Brasil já atravessou muitas crises, já teve picos negativos e positivos muito pronunciados, e a sua economia reage muito rapidamente, quer para o bem, quer para o mal. Estou convencido e esperançado que o Brasil vai ultrapassar esta crise com relativa rapidez. Aliás, são muitas as notícias a circular na imprensa, dando nota que este é o momento de investir no Brasil, nomeadamente no imobiliário. A maior aposta que estamos a fazer é no Brasil, sem dúvida.
Continuaremos a fazer a nossa aposta no Brasil e na América Latina, e permanecemos convictos de que África é uma boa alternativa. Temos que esperar por alguma estabilização, pois Angola está a conhecer algum momento de grande instabilidade, Moçambique também atravessa um momento de instabilidade, mas continuamos a acreditar que o continente africano detém grandes oportunidades. Todavia, o continente sul-americano, apesar de um maior nível de concorrência, continua a ter maior maturidade, representando oportunidades mais seguras. Isto não signfica que sejam mercados fáceis. A experiência que estamos a ter no Brasil e no Perú mostra-nos que são dois mercados bastante difíceis e muito diferentes. O balanço que faço do nosso investimento no Brasil é positivo.
E o mercado peruano?
Não lhe sei dizer se não é mais difícil que o brasileiro. É um mercado muito conservador, muito burocrata, com muito menor dimensão e menos oportunidades. Com outras dificuldades face ao Brasil, mas igualmente difícil.
Na sua opinião, como é avaliada a engenharia portuguesa no mercado internacional?
Somos muito conhecidos nos PALOP e em África, mas somos pouco conhecidos lá fora. Quem quiser fazer obras num país dos PALOP, recorre aos portugueses. O que acho é que, na grande maioria dos casos, quem não conhece a engenharia portuguesa, fica agradavelmente surpreendido quando trabalha com portugueses porque a qualidade da nossa engenharia é muito alta. Quando me cruzo com estrangeiros que trabalharam com empresas portuguesas, eles reconhecem a nossa competência e a nossa capacidade de adaptação. O balanço que fazem, normalmente, é bastante positivo. Infelizmente somos pouco conhecidos. Com a entrada da “troika”, a decisão que se tomou foi de deixar cair o sector da construção e a engenharia nacionais e pouco se fez para defender esse sector.
Ao mesmo tempo, parte da opinião pública considera que é um dos sectores responsáveis pela intervenção da “troika” no país…
Na minha opinião, essa é uma ideia infundada e indevida, porque quem criou o sobreendividamento no país não foi o sector da construção, mas sim a banca. Quem beneficiou, quem esteve à frente dos grandes projectos, da preparação e da armação dos grandes projectos de investimento público não foi o sector da construção. O sector da construção participou e incentivou, mas quem liderou os projectos foi o sector bancário que se financiou junto de outros bancos europeus e, portanto, o benefício nem sequer ficou em Portugal. Uma parte grande das construtoras esteve a trocar trabalho por dinheiro, não teve grandes lucros com isso. Quem efectivamente beneficiou foi o sector financeiro que conseguiu passar entre os pingos da chuva, não recaindo sobre ele o ónus de todos os desmandos que se fizeram. Esse ónus recaiu sobre o sector da construção, sem que tal se justifique.
Que sectores podem apresentar impulsos importantes para o sector?
Há outros sectores que estão a dar contributos também muito positivos: o do Turismo, com o aparecimento de inúmeros hotéis novos ou o da agricultura, onde as infra-estruturas de regadio são fundamentais, e deveriam ser intensificadas – veja-se os bons resultados obtidos com o Projecto do Alqueva. Hoje produzem-se bróculos no Alentejo! O sector da indústria, que necessida de ser muito incrementado e que, com o Portugal 2020 está a conhecer uma nova dinâmica, veja-se o “cluster” aeronáutico de Évora, o “cluster” automóvel e o “cluster” das bicicletas de Águeda, pouco conhecido mas com um percurso ímpar.
A que atribui os Prémios PME Excelência que já distinguiram a Cinclus por duas vezes?
Aquilo que nos distingue é, efectivamente, a nossa capacidade de organização e de garantir um nível de serviço com uma relação qualidade-preço que consideramos excelente. Esse é o maior desafio que temos pela frente. Independentemente da geografia onde desempenhamos o trabalho, independentemente da equipa que está a fazer o trabalho, independentemente do tipo de trabalho que esteja em causa – porque actuamos ao nível de qualquer tipo de edifício, de qualquer tipo de infra-estruturas de transporte e de meio ambiente – procuramos conseguir ter o mesmo nível de serviço e de desempenho. Isso só se consegue com procedimentos e rotinas de trabalho, com abordagens sistematizadas e com uma preparação e uma organização que levamos para os nossos projectos. É com grande satisfação que verificamos que, em Portugal, temos fidelizado praticamente todos os clientes com quem trabalhamos, fundamentalmente ao nível do sector privado, onde isso é difícil de fazer. O mesmo tem-se passado também no mercado externo. No final dos projectos, os clientes reconhecem que acrescentámos valor e que repetiriam a nossa contratação. Isso enche-nos de satisfação, especialmente se tivermos em conta que somos uma PME que está a fazer um enorme esforço no sentido de se adequar às novas condições de mercado em Portugal, ao mesmo tempo que investimos e fazemos o nosso percurso internacional.
Qual será a estratégia da empresa para 2016?
Este ano, prevemos que o nosso volume de negócios cresça, no mínimo, 10%, com um incremento de 20% na actividade internacional. Isto significa que cresceremos, lá fora, mais do que em Portugal, onde cresceremos menos de 10%. Mas é muito difícil fazer previsões nos dias que correm, porque as regras mudam com extrema rapidez, basta que ocorra um episódio anómalo. Isso dificulta as previsões, mas a estratégia que seguimos vai manter-se porque, em 2011, quando se abateu sobre o nosso país, e sobre o nosso sector da construção, esta crise, tomámos uma decisão que seguiremos rigorosamente e que se refere a estarmos permanentemente em três continentes diferentes, como forma de mitigar os ciclos e contraciclos que as várias economias têm, evitando estar em três ciclos negativos simultaneamente. Queremos continuar a ser um “player” de extrema relevânica em Portugal, e estamos a fazer o nosso percurso. Este ano já crescemos superámos o volume de negócios relativamente ao ano passado. Queremos estar na América Latina e estamos no Brasil e no Perú, onde o nosso volume de negócios está a crescer. Queremos estar em África e, neste momento, estamos a redefinir a estratégia e a fazer um compasso de espera para a poeira assentar, na medida em que as geografias onde estávamos, passam por alguns momentos conturbados. Estamos em Angola e temos tudo preparado para entrar em Moçambique, mas entendemos que ainda não é o momento. Estamos a preparar esse mercado à distância, mas estamos presentes através de um parceiro, e estamos preparados para abordar projectos de grande dimensão em qualquer geografia, desde que faça sentido. Mantemos a estratégia traçada, de apostar em África e na América Latina, continuamos a seguir a estratégia nos países onde já estamos presentes e, acima de tudo, mantemos a estratégia de rápida ajuda e adaptação às necessidades de mercado, no sentido de rapidamente virar a agulha se assim for necessário.
Que perspectiva para o futuro?
As perspectivas para o futuro são cada vez mais incertas. Essa é a tendência que se vem intensificando ao longo do tempo. O grau de previsibilidade tem-se reduzido, o que agudiza a necessidade de maior e mais rápida adaptabilidade. Mas, por outro lado, esse problema afecta todos e as medidas que estão a ser implementadas através do Portugal 2020, do Plano Juncker e de outros programas em preparação, com vista ao relançamento da economia global, permitirão abrir novas perspectivas.