Sustentabilidade e inovação requerem (também) uma transformação cultural
O CONSTRUIR, em parceria com a Publituris Hotelaria e com o apoio da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) promoveram um conjunto de conferências, na Exponor, dedicadas à Sustentabilidade e Inovação na hotelaria. Considerando que nem sempre as transformações necessárias implicam um grande esforço financeiro, importa uma transformação cultural. “A forma como todos olhamos para a problemática da sustentabilidade é aquilo que vai no fundo garantir o seu sucesso”, assegurou um dos convidados
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*Cidália Lopes e Carla Nunes (Publituris Hotelaria)
A inovação e a sustentabilidade em torno do Turismo foram os temas centrais de duas conferências conjuntas promovidas pelo jornal CONSTRUIR e pela revista Publituris Hotelaria, apoiadas pela Associação de Hotelaria de Portugal e no âmbito da Decor Hotel, a feira profissional de projecto, construção, decoração, equipamentos, produtos e serviços para hotelaria que decorreu na Exponor.
Os processos postos em prática pelos hotéis, principalmente durante o período inicial da pandemia, bem como o percurso que ainda falta percorrer nesta área, foram alguns dos pontos debatidos nesta sessão que juntou Rui Martins, CEO SmartLinks e responsável pelo Gabinete Digital da AHP; Jaime Quesado, economista e professor na Faculdade de Economia do Porto; Pedro Serra, director-geral de operações do The Editory Hotels; João Rodrigues, Technological Advisor e ex-Country Manager da Schneider Portugal e Miguel Velez, CEO da Unlock Boutique Hotels.
Começando pelos exemplos práticos, Pedro Serra afirma que o período da pandemia foi aproveitado para colocar em prática projectos que já tinham em mente, como o check-in automático, pagamentos contactless e robotização de alguns projectos, “mesmo no backoffice”: “Não é totalmente novo, mas nós não tínhamos”, admite.
Já na Unlock Boutique Hotels, Miguel Velez aponta para a conquista do selo Biosphere em todos os hotéis do grupo, conseguido através de, entre outras medidas, check-in online e concierges digitais.
“Nem sempre a inovação obriga a grandes investimentos financeiros. No nosso caso fizemos o ciclo completo de operações e experiência do cliente, todos os pontos de contacto, para ver onde poderíamos ser mais eficazes e eficientes. [Com base nisso] fizemos um manual para cada um dos hotéis, onde fomos tocando ponto a ponto onde é que poderíamos fazer melhor” explica Miguel Velez, afirmando que esta pode não ser “a inovação no modelo tradicional, mas é um processo contínuo”.
Sobre este assunto, Rui Martins afirmou que, de facto, é necessário “cada vez mais que os competidores de hotéis centralizem dados e extraiam deles padrões”, nos quais devem basear-se para tomar decisões.
“Existem silos de informação, mas depois não existe uma visibilidade sobre os dados, de forma que estes possam ser [utilizados] para tomar decisões. Isto é inovação para nós, mas de inovação não tem nada. É inovação para nós porque não a fazemos”, declara.
A inovação ao serviço dos recursos humanos
Na sua intervenção, Rui Martins aponta ainda que a inovação “acontece muitas vezes por necessidade”. Aportando-se à questão da falta de recursos humanos “nos últimos anos no sector hoteleiro” – não só na “dificuldade de obter bons recursos”, como também em “mantê-los fidelizados” –, o responsável pelo Gabinete Digital da AHP relembra que “a digitalização e a transformação digital ajudam a compor essa necessidade”.
“Ao substituir pessoas por processos automatizados, permitimos que as pessoas façam o que fazem melhor, que é ligar-se a outras pessoas” afirma.
Sobre a possibilidade que a inovação tecnológica possa retirar trabalho no sector, o profissional deixa apenas uma questão: “Quando as pessoas deixaram de usar velas e passaram a usar lâmpadas houve uma transformação do sector, certo?”.
Se “não é possível uma máquina transmitir uma emoção ao ser humano”, por outro lado, é possível “resolver problemas de processos que são contínuos, permitindo que essas pessoas sejam desviadas para funções muito mais impactantes”.
“Não há que ter medo da inovação. É absolutamente incorrecto e desnecessário, porque ela vai acontecer à mesma”, afinca.
Os passos para o futuro
Numa nota final, os intervenientes apontam processos de inovação que ainda estão em falta na hotelaria. Se para Jaime Quesado é “muito importante” criar expectativas em relação ao cliente, apostando no customer experience, para Miguel Velez “é fundamental trazer a escala” para os hotéis.
“[É necessário] transportar a inovação para os hotéis independentes, pequenos, que [caracterizam] a maior parte dos hotéis em Portugal. Praticamente um terço são hotéis de cadeia, dois terços são hotéis independentes. É a mesma história que é no vinho e noutros sectores que estavam muito disseminados e foi necessário juntar para ganhar dimensão”, explica o CEO da Unlock Boutique Hotels.
Já Rui Martins é da opinião de que “sem uma boa experiência para o hóspede e centralização de dados, é muito difícil para um hotel sobreviver”, acrescentando ainda que as unidades têm de apostar na diferenciação, em serem únicas, oferecendo algo que só se possa encontrar ali – dando, para isso, o exemplo do H2otel Congress & Medical Spa, em Unhais da Serra.
“As pessoas estão dispostas a ir se a experiência for satisfatória”, defende.
Também João Rodrigues partilha da mesma opinião no que respeita à diferenciação dos hotéis, explicando que estes devem “identificar no seu business plan o que tem de ser feito e fazê-lo”. Por fim, Pedro Serra aponta que a inovação no sector passa pela preocupação com a “pegada que os hotéis deixam no sítio em que estão”.
Sustentabilidade
Já no painel promovido pelo CONSTRUIR, o foco foi a sustentabilidade. E uma nota sobressaiu: é necessária uma mudança cultural. Realidade “incontornável” e “uma variável decisiva” no processo negocial, o conceito de sustentabilidade entrou definitivamente no vocabulário dos promotores, dos donos de obra e dos operadores. Apesar do conjunto de regulamentos já existentes, “estamos ainda muito longe de atingir o nível de maturidade do sector imobiliário e da construção”. A conferência contou a participação de André Fernandes, arquitecto e vogal da secção regional do Norte da Ordem dos Arquitectos, Mercês Ferreira, engenheira e coordenadora do conselho regional do Colégio de Engenharia do Ambiente, da secção regional Norte da Ordem dos Engenheiros, Julião Pinto Leite, arquitecto e partner atelier OODA e Miguel Gonçalves, engenheiro e professor do departamento de engenharia da FEUP e a moderação esteve a cargo de Ricardo Batista, director editorial do jornal CONSTRUIR.
Efectivamente, não se trata de um conceito actual mas que foi “reavivado” em 2015, quando as Nações Unidas decretaram os 17 OCS, contudo, “ainda estamos muito aquém daquilo que podíamos ter feito, quer na área da construção, quer na arquitectura e de outros desempenhos de gestão ambiental”, segundo Mercês Ferreira. Para a engenheira, é preciso não esquecer que a “cidade é como um ser vivo, tem ecossistemas que têm um metabolismo próprio” e como tal há que planear a forma como fazemos cidade e envolver todos os stakeholders, incluído a sociedade civil”.
Economia circular e inovação
Mercês Ferreira aponta, ainda, a importância da economia circular e da inovação na construção e que estes dois conceitos devem “trabalhar” em conjunto.
Considerando que estamos ainda “muito aquém daquilo que podíamos ter feito, quer na área da construção, quer na arquitectura e de outros desempenhos de gestão ambiental”, a engenheira considera que “há que acelerar” este processo. Mas para isso há que envolver todos os stakeholders todos, incluído a sociedade civil.
Partindo do pressuposto de que a cidade é “como um ser vivo, tem ecossistemas que têm um metabolismo próprio e temos que olhar para ela quando planeamos de uma outra forma”. Para que isto seja possível é necessário “perceber a dinâmica de como é que vai ser construída uma cidade, como é que essa cidade vai ser planeada e como a mesma pode ser eficiente”.
Também André Fernandes reforçou a necessidade de se entender “a sustentabilidade como um ponto de equilíbrio”. Mais do que a legislação, “que por si só não resolve tudo”, é necessária uma mudança cultural. “A forma como todos olhamos para a problemática da sustentabilidade é aquilo que vai no fundo garantir o seu sucesso”, reforçou.
Fazendo um paralelismo com o CCP, que obriga à materialização de muitos projectos para a construção e, portanto, é necessário que os técnicos se entendam e que rapidamente se interliguem e sejam coerentes entre eles, também a sustentabilidade “deve ser um elemento agregador de tudo o resto, a começar pela indústria, e passando por todos os stakeholders na cadeia de produção”, considera Miguel Gonçalves.
Por outro lado, acredita, “as alterações futuras neste âmbito serão lideradas pelo vector económico, que no fundo é o que vai permitir que esta mudança aconteça mais cedo ou mais tarde”, ressalva.
Quando o custo pesa mais
Seja no turismo ou em qualquer outro projecto imobiliário, as premissas de sustentabilidade não se resumem apenas a um determinado projecto. “Há todo um trabalho que é preciso realizar a montante e que deve ser analisado de muitas maneiras diferentes”, seja num projecto em concreto, ou em todas as actividades satélite a esse edifício, considera Julião Pinto Leite que não tem dúvidas que “fazer sustentabilidade” actualmente ainda é “remar um pouco contra a corrente”. No final das contas, o orçamento mais baixo ainda é o que tem mais peso de decisão e também por este motivo o arquitecto aponta o dedo à “questão cultural muito forte” ainda muito enraizada e que tem de ser trabalhada desde muito cedo, a começar pelas nossas casas. “Há efectivamente tecnologia para conseguirmos edifícios totalmente verdes, mas o mercado ainda não responde na íntegra e o resultado é alguma resistência e inércia em conseguir um edifício altamente sustentável porque isso acarreta custos. O caminho está montado, a tendência é convergir estes dois mundos, no meu entender, mas há ainda um caminho longo a percorrer, exequível, mas longo”, conclui.
Incentivos e ‘osmose’
Já André Ferreira coloca o ‘dedo na ferida’ quando refere o exemplo tem que vir do Estado, o que “na maioria das vezes não acontece”. Muito embora a legislação assim o obrigue, “muitos são os concursos públicos que privilegiam o preço mais baixo”. “Temos efectivamente um problema de legislação e começa precisamente no Estado que muitas vezes enche a boca com a palavra sustentabilidade, com ambiente com alterações climáticas, continua no seu CCP a considerar como elemento principal da escolha o preço”, afirma. “Isto é grave, porque sabemos que muitas vezes o preço mais baixo significa qualidade inferior e associada naturalmente a produtos menos sustentáveis”.
Julião Pinto Leite aponta, ainda, quatro pilares que podem dar um impulso importante para que a sustentabilidade entre definitivamente no sector da construção e da promoção: educação, informação, legislação e competição. A começar em casa, a educação tem definitivamente um peso geracional e depois, através das universidades e com currículos cada vez mais direccionados para estas questões. A informação e a forma como esta é transmitida aos investidores é talvez um dos pontos principais, na medida em que “do ponto de vista do negócio os clientes querem acabar uma obra e começar a facturar. O que nem sempre é possível. Temos que passar uma série de informação para que consiga perceber que o tal break even não se vai conseguir logo neste ponto”.
Por último, a competição. Para o arquitecto esta será aquela que mais influência poderá exercer. “Felizmente isto funciona um pouco como moda e edifícios acabam, por osmose, por contagiar outros edifícios e por aí afora e arquitectos outros arquitectos e clientes outros clientes”, conclui.
Incentivos como a certificação e benefícios fiscais são, também, apontados como uma alavanca para o aumento de projectos mais sustentáveis. Se por um lado já existente diferentes tipos de cerificação que incentivam e “contagiam” o sector, Mercês Ferreira considera que há muito que o Governo já deveria ter optado por atribuir benefícios fiscais a este tipo de projectos. “Esta seria uma opção não só de reduzir custos para quem promove, como de ter, de facto, um projecto diferenciado”. Por outro lado, “também o próprio consumidor, através de uma informação fidedigna, vai ser, cada vez mais, exigente e procurar projectos mais sustentáveis”.