“Todos os dias nascem obras que vão caracterizar as cidades”
“Creio que há medida que o tempo for passando, e o futuro for chegando haverá cada vez mais coisas para mostrar, todos os dias nascem obras que vão caracterizar as cidades, de lhes vão urdir o novo tecido urbano”
Ana Rita Sevilha
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Foi o amor que levou Manuel António Morais a criar a Architectours Porto e é com afecto que fala de Turismo de Arquitectura. Em entrevista ao CONSTRUIR, este homem das Letras conta como transformou uma contínua redescoberta numa empresa de walking tours que se foca na autenticidade, a Norte.
Como nasceu o projecto?
Embora seja uma frase batida, este projecto nasceu de afecto, a minha namorada é estrangeira e arquitecta de formação, então após uma primeira vinda ao Porto, e de lhe ter mostrado a cidade histórica e o património mundial, rapidamente senti que havia toda uma outra cidade, uma cidade mais ou menos contemporânea, ou mais ou menos sofisticada, mais ou menos vernacular e que, escondendo-se de qualquer monumentalidade, contém um património simbólico e emocional que me dizia, e me diz muito. Nas palavras da Agustina Bessa Luís – “Vivo, aqui, o Porto não é um lugar é um sentimento”. E foi a partilha desse sentimento que me conduziu a esta contínua redescoberta, primeiro com ela, depois abrindo a amigos, e depois a amigos de amigos. Até que me perguntei por que não fazer isto mais formalmente, A minha formação é em Letras e Línguas mas já passei tangencialmente pelo Turismo e isso ajudou a estruturar não só os conteúdos como a forma de comunicar, depois foi só pesquisar materiais, e todos os dias o faço, há sempre algo a acrescentar, há sempre um contributo de alguém a apor, há sempre uma história ou uma fotografia perdida que encanta.
Que serviços oferecem?
Disponibilizamos walking tours, mas a esmagadora maioria são fora área UNESCO, focamo-nos mais na autenticidade do que na monumentalidade, queremos transmitir que independentemente da estética, ou até contra ela, há uma cidade extraordinária feita de quotidianos, há uma cidade que foi e da qual ainda se encontra vestígios a cada canto, que abraça uma história rural, uma história burguesa, uma história proletária. E há também uma cidade que poderia ter sido, grandes planos que ficaram a meio, ambições goradas, ideias que por uma razão ou outra não se concretizaram. Na verdade, vai além da arquitectura, percorre o traço urbano e conta como ele foi riscado. Contextualizar tudo nasce de um contexto, e esses porquês interessam-nos. Também fazemos algum acolhimento quando nos pedem, um roteiro pelas ilhas do Porto, dos miradouros ou de azulejaria, ou Beaux Arts, ou do arquitectos mais arreigados da cidade ou dos sabores típicos, mas cada tour acaba por ser um pouco diferente, já que não é raro fazermos desvios para mostrarmos mais isto ou aquilo conforme o interesse do público.
Quem vos procura?
Curiosamente, criámos a pensar nos turistas que vêm ao Porto, que ficam alojados em hotel que tem algum dinheiro para dispor e não têm muito tempo para se “perderem” na cidade e que gostariam de saber como é a Foz ou a Boavista ou as Antas ou calcorrearem as ruas entre a Alta e a Baixa da cidade. Todavia, quem mais nos procura são portuenses que vão descobrindo que estão um bocadinho estranhados com a sua cidade, que nunca despiram uma ou outra camada para ver o que está por baixo, que deram sempre por adquiridas tipologias, toponímias, geografias e nunca se tinham perguntado porque, mas querem saber e estão ávidos. Foi uma surpresa para nós.
Não haverá dúvidas que o País tem um potencial imenso nesta área, mas existe promoção nesse sentido? Na sua opinião, as entidades competentes trabalham para isso?
Em relação à divulgação diria que sim, da minha percepção, a Secção Regional da Ordem dos Arquitectos tem vindo a promover vários catálogos temáticos da arquitectura do Porto. Na comemoração dos 40 anos do SAAL houve uma grande divulgação da construção da habitação social no Porto nos anos de Abril e tudo o que ficou a jusante e montante e isso gerou um certo interesse que se mantém. Existe um conjunto de publicações e trabalhos fotográficos, A Câmara do Porto, através da iniciativa de “Um Objeto e Seus Discursos”, leva-nos a entrar e percorrer edifícios normalmente de acesso restrito. O evento do Open House é algo que arrasta à cidade e arredores curiosos. Figuras mais eminentes da cidade como o Germano Silva e Joel Cleto são incansáveis nesta acção de ligar o espaço construído ao lugar implantado, e tudo assenta neste diálogo, de perguntar porque isto, e porque aqui. E por fim, saltando do Porto para o Grande Porto, a Rota do Românico vai tendo cada mais força e expandindo-se para sul do Douro. Diria que há imensa promoção e divulgação e acolhimento. Há diferentes tipos de oferta para públicos diferenciados.
Se vos pedisse um Roteiro o que me sugeria?
Sugeria um roteiro pela zona sul da freguesia de Campanhã, o Porto Oriental é uma preciosidade por descobrir, e uma freguesia que ainda contém aldeias – o Pego Negro, ou S. Pedro, por exemplo. Coexiste num vale formado por dois ribeiros, quintas senhoriais, a ferrovia, projectos sociais, áreas pós-industriais e tudo isso vai ser alvo, por bem, da Operação de Reabilitação Urbana do Porto que vai incidir sobretudo em Campanhã. Seria interessantíssimo fixar na memória todos estes locais antes de serem transformados. Há toda uma arquitectura mais genuína, mais improvisada.
Como olham para o futuro do Turismo de Arquitectura em Portugal?
O Salão de Chá da Boa Nova, do Siza, foi o primeiro edifício do século XX a ser patrimonalizado, e a sensação que tenho é que há uma cultura de curiosidade e respeito pelos arquitectos em Portugal. Uma nova obra, uma nova intervenção suscita sempre imensa curiosidade, discussão, e com a reabilitação urbana, a cidade tem sofrido um autentico facelift, tem-se descoberto a cidade que sempre existiu. A minha experiência é que já não é a cidade medieval ou barroca ou romântica que inspira – embora as pessoas não deixem de querer conhecer – mas também ficam fascinadas pela cidade dos anos 30 e dos anos 50, a cada década nasce uma nostalgia sobre uma década que passou, obras menores aformoseiam-se com o tempo, e esse entusiasmo leva a uma consciencialização e isso à valorização-recuperação-reabilitação. Creio que há medida que o tempo for passando, e o futuro for chegando haverá cada vez mais coisas para mostrar, todos os dias nascem obras que vão caracterizar as cidades, de lhes vão urdir o novo tecido urbano. No caso do Porto, é a pluralidade da cidade medieval que convive com a cidade dos anos 70, colada à cidade modernista, envolvida pela cidade rural o que lhe confere uma personalidade vincada, esquizofrénica, cada vezes menos fria e pardacenta e cada vez mais cativante.