“Procuramos ser uma empresa parceira em Moçambique”
Presente desde os anos 70 no mercado moçambicano, a COBA procurou sempre integrar-se neste mercado como parceira das empresas locais, para não se tornar “um corpo estranho” entre o tecido empresarial do país
Pedro Cristino
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Presente desde os anos 70 no mercado moçambicano, a COBA procurou sempre integrar-se neste mercado como parceira das empresas locais, para não se tornar “um corpo estranho” entre o tecido empresarial do país. Em entrevista ao Construir, o vice-presidente da COBA, Victor Carneiro, aponta a importância do sector hídrico no país e caracteriza a concorrência que o grupo português enfrenta nesta região de África
Victor Carneiro estima a carteira de projectos actual da COBA em Moçambique em cerca de 10 milhões de euros. Ao Construir, o vice-presidente do grupo português de engenharia revela os desafios que este país apresenta às empresas e aponta a importância da estabilização política para que Moçambique retome o rumo do desenvolvimento.
A COBA está já há muitos anos em Moçambique…
Está, desde o princípio dos anos 70.
Como se tem desenvolvido este mercado?
Nós temos assistido à estabilização de Moçambique no pós-guerra e a um andamento positivo durante bastante tempo. Infelizmente, nos últimos tempos, tem estado ensombrado por algumas dificuldades do ponto de vista político – em algumas regiões do país, até de segurança. Temos expectativa e muito gostaremos que Moçambique ultrapasse mais uma situação difícil e retome o clima de estabilidade e crescimento que vigorava nos últimos anos. Neste momento, a situação em Moçambique não é fácil. Diria que o país está numa encruzilhada, o que levou a que muitos dos grandes projectos também estejam, de algum modo, em “standby”. Mas nós continuamos a ter trabalho em Moçambique e a procurar contribuir para o desenvolvimento do país.
A presença longa da COBA no país também acabará por facilitar a actividade?
Quem lá chegar agora, se calhar encontra um vazio porque não há trabalho. O Orçamento de Estado moçambicano também tem restrições e, portanto, há grande dificuldade em promover e assegurar os recursos financeiros para que os projectos avancem. Assim, neste momento, em Moçambique, há uma rarefacção grande de contratação, nomeadamente contratação a empresas estrangeiras que estejam a chegar ao país. Neste momento, a COBA tem um conjunto razoavelmente importante de projectos em Moçambique, em que a esmagadora maioria consiste em contratos financiados por agências multilaterais, como o Banco Mundial ou os fundos nórdicos disponíveis para Moçambique desenvolver infra-estruturas, portanto, é isto que nos tem alimentado agora, mais recentemente. Porque trabalhos directos para o Orçamento Geral de Moçambique temos poucos, na medida em que o orçamento tem as restrições que referi há pouco.
Existe uma COBA Moçambique…
Tivemos durante muitos anos uma sucursal e agora, para além da sucursal, temos a COBA Moçambique, uma sociedade de direito moçambicano. Mas, mais importante do que ter uma empresa moçambicana, é que nós, ao longo destes anos todos, sempre actuámos em conjunto com outras moçambicanas e não contra as empresas moçambicanas. Não me recordo agora de nenhum projecto em que não estejamos em consórcio com uma empresa moçambicana. Procuramos não ser um corpo estranho no seio das empresas de engenharia moçambicana. Procuramos que nos entendam como uma empresa parceira, uma empresa igual, e não como uma empresa que surge esporadicamente, para tirar partido de determinadas vantagens.
Isso facilita o trabalho no país?
Eu diria que facilita, esta é a nossa experiência. Procuramos sempre, em qualquer mercado, introduzirmo-nos e estarmos como parceiros.
Ou seja, fazerem parte do mercado?
Exactamente, fazermos do mercado, da comunidade. Outra questão muito importante é ter condições para nos mantermos nos momentos difíceis. Quando não havia trabalho e Moçambique estava em guerra, nós permanecemos sempre no país, nunca saímos e isso também é fundamental. Obviamente que isso cria um respeito que os nacionais acabam por ter para connosco.
Como se caracteriza o tecido empresarial moçambicano?
Há empresas com capacidades próprias, com quadros nacionais e, inclusivamente, estão organizadas. Têm uma Associação Nacional das Empresas Moçambicanas. O mercado não é maduro mas é um mercado minimamente estruturado.
Enfrentam uma concorrência forte?
A concorrência em Moçambique é forte. Neste momento, é capaz de não ser tão forte porque há menos trabalho mas, hoje, a concorrência faz-se em todo o mundo e envolvendo todo o tipo de “players”. Os grandes projectos de Moçambique na área da produção de energia e na área do “oil & gas”, que estão, neste momento, um pouco em “standby”, irão seguramente atrair – como já atraíram anteriormente – grandes “players” internacionais.
Há uma influência forte de empresas australias e sul-africanas?
É fundamentalmente por via de empresas internacionais, originárias da Austrália, que compraram muitas empresas grandes da África do Sul e a presença acaba por surgir via África do Sul. Não se esqueça que anda uma hora e pouco de carro, a partir de Maputo, e está na fronteira com a África do Sul.
São empresas de grande dimensão?
São empresas grandes, com origem na indústria mineira e os australianos – e também os canadianos – são muito fortes neste sector e desenvolveram fortes empresas de engenharia associadas a essa indústria. Depois, essas empresas rapidamente passaram para as infra-estruturas e hoje são grandes empresas internacionais.
A COBA, em Moçambique, tem trabalho muito em barragens?
Recentemente, a COBA, em Moçambique, tem estado ligada a planeamento de recursos hídricos – e aí nós temos um financiamento do Banco Mundial. Temos os estudos de gestão do trecho moçambicano do rio Zambeze, depois temos a gestão de recursos hídricos nas bacias partilhadas. Moçambique está a jusante de muitos rios que nascem no “Hinterland” e Moçambique tem que gerir esses recursos com os países vizinhos. Há uns tempos, o Banco Mundial lançou programas de formação para assegurar que os vários países faziam a gestão desses recursos partilhados. Por outro lado, estamos também a desenvolver o projecto da bacia hidrográfica do rio Licungo. Há uma outra área em que temos estados envolvidos: Moçambique é um país onde têm ocorrido fenómenos extremos associados às alterações climáticas – cheias e secas – e, nesse âmbito, fomos contratados para desenvolver estudos de viabilidade da barragem de Mapai, que servirá para controlar as cheias no rio Limpopo e, ao mesmo tempo, para armazenamento de água para aprovisionamento em períodos de seca. Por outro lado, há ainda o projecto de sistemas de drenagem das cidades de Nacala e Beira. Também estamos ligados ao desenvolvimento agrícola, através de projectos de irrigação e acabámos recentemente de fazer o projecto de reabilitação do perímetro irrigado de Magula, no rio Massingir. Neste momento, a nossa carteira actual em Moçambique deve andar à volta dos 10 milhões de euros – eu diria que é muito interessante.
O financiamento advém quase exclusivamente das multilaterais?
Neste momento, sim, praticamente na sua totalidade.
O país ainda tem grandes carências em termos de infra-estruturas?
Tem. Aliás, Moçambique tem ainda muitas infra-estruturas para desenvolver. Um dos grandes projectos em vista em Moçambique é a construção de uma linha de transmissão de energia que liga o sistema do Zambeze para o sul, para a África do Sul – o grande consumidor – e isso irá também permitir o desenvolvimento de novos centros de produção de energia, como as barragens de Mphanda Nkuwa, Boroma, Lupata e por aí fora. Hoje, a barragem de Cahora Bassa é o único produtor de energia no rio Zambeze. Também existe um plano de desenvolvimento de uma segunda central de Cahora Bassa, na margem esquerda, e isto tudo é um grande projecto integrado no sistema de produção e transporte de energia. São projectos de muito grande dimensão. Estamos a falar de milhares de megawatts de potência instalada e, depois, é a transmissão de energia.
Provavelmente, a COBA será a empresa portuguesa com mais projectos a decorrer em Moçambique…
Eu diria que sim. É o resultado da presença, da capacidade para estar no mercado, o histórico de ligação ao mercado. É tudo isso.
Quais os principais desafios que o mercado moçambicano coloca?
O principal desafio é a existência de estabilidade – coesão política, segurança, um ambiente internacional favorável aos investimentos no país – para que grandes projectos que estão na calha avancem.
É pesado manter uma estrutura em Moçambique?
É mais pesado quando não temos trabalho e, portanto, a fase de investimento é que é a fase dura.
Deparam-se com problemas relacionados com atrasos de pagamento ou o facto de trabalharem com as multilaterais não coloca esse problema?
No caso das multilaterais não existem atrasos de pagamento. Por outro lado, procuramos ser sempre cautelosos com os contratos que os fazemos em todos os locais onde trabalhamos.
Considera que é um mercado difícil para se trabalhar?
É uma pergunta difícil de responder. É um mercado organizado, com regras, os projectos financiados pelas multilaterais também têm regras específicas, portanto, diria que, não sendo um mercado fácil, é um mercado relativamente expectável, mas é preciso que tenhamos uma visão adequada do que são as nossas expectativas.
O que há que ter em consideração?
Há que considerar o que pretendemos fazer com a nossa própria capacidade – nem irmos para projectos demasiado grandes, nem nos alimentar-nos de projectos que, sendo pequenos, possam ser eventualmente mal pagos para a dimensão da empresa.
O sector hídrico é o que, neste momento, apresenta mais oportunidades para o sector da construção?
Por algum motivo, a água é um recurso estratégico. Portanto, tudo o que seja usar a água com parcimónia, adequadamente, armazenar água e não a desperdiçar é importante. Toda a engenharia ligada à água é importante em todo o mundo. Por outro lado, há projectos que são mais complexos e, portanto, exigem mais valor acrescentado e acho que as empresas em Portugal, pelo estado de desenvolvimento a que chegámos, têm de procurar concorrer a projectos diferenciadores e não tentar competir por projectos correntes, que toda a gente faz. Temos muito bons engenheiros, fizemos grandes projectos de modernização e desenvolvimento do país e temos esse activo do nosso lado, mas temo que haja muita diluição da capacidade organizada dessas mesmas competências a nível de empresas. Muitas empresas têm deixado de existir, outras existem, mas com grandes dificuldades e, portanto, a forma como os engenheiros e a engenharia estão organizados empresarialmente causam-me algumas preocupações.
A capacidade técnica dos engenheiros portugueses é reconhecida em Moçambique?
É. A engenharia portuguesa é reconhecida em todo o mundo. A competência dos engenheiros portugueses é reconhecida em todo o lado. Há espaço para todos e temos de reunir em nós próprios o melhor ponto de equilíbrio dimensão-especialização. O essencial é que o cliente fique satisfeito com o que vai receber e temos de tentar entender o que o cliente quer.
Qual a importância das multilaterais para o desenvolvimento de Moçambique?
No caso de Moçambique, são muito importantes, não só pelo financiamento que fazem de acções concretas – projectos e etc. – como também pelo enquadramento que dão à participação da comunidade internacional no próprio Orçamento Geral do Estado Moçambicano. Esse enquadramento é extremamente importante. Desde que saiu da guerra, ainda nos anos 90, Moçambique tem tido este apoio da comunidade internacional, e tem sido meritório na medida em que o país se foi desenvolvendo. Infelizmente, está agora numa situação um pouco expectante.
Que expectativas têm face a este mercado?
A expectativa é que o mercado venha a ser muito importante, agora, vamos ver como tudo se desenvolverá.