“Todos, seremos poucos para alavancar o desenvolvimento deste país”
Em entrevista ao Construir, o bastonário da Ordem dos Engenheiros de Angola explica que a diversificação da economia terá de ser uma realidade no país, a fim de se inverter a dependência que esta economia vive actualmente face ao petróleo
Pedro Cristino
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José Dias observa um cenário de desafios “enormes e ingentes” para os engenheiros civis em Angola. O bastonário da Ordem dos Engenheiros de Angola frisa, contudo, que ainda existem segmentos prósperos dentro da engenharia e que o sector da construção ainda proporciona oportunidades
Actualmente, em termos de dimensão e investimento, como se pode caracterizar o mercado angolano, no sector da engenharia civil?
A crise atingiu a todos os sectores da economia, sem excepção, e a engenharia não ficou imune a isso, infelizmente. Ficamos extremamente tristes quando, diariamente, temos conhecimento do adiamento e cancelamento de projectos em diversas áreas, principalmente nas de construção civil, energia, saneamento, petróleo e gás, etc. Manter a mente no objectivo de conseguir uma recolocação profissional é a saída mais confortável, principalmente para quem é experiente. Mas, às vezes, mudar de ramo pode ser uma opção. É importante ressaltar que, apesar do momento actual, a carreira de engenharia continua a ser uma das áreas que apresenta maior empregabilidade. Isto porque há maiores possibilidades para profissionais qualificados, não somente nos quesitos técnicos, mas também nas aptidões desenvolvidas durante a formação, como a parte analítica e de resolução de problemas. Mesmo dentro do cenário actual de instabilidade económica que o país vive, alguns segmentos acabaram por se beneficiar: é o caso da engenharia química, mecânica, minas, de produção, agricultura, energia, agronegócio, sendo este um mercado que ganha força.
Quais os principais desafios que enfrentam os engenheiros actualmente em Angola?
Os desafios que enfrentam os engenheiros, em Angola, são enormes e ingentes. Estamos num país eminentemente em construção nas áreas tradicionais e modernas de engenharia. Todos, seremos poucos para alavancar o desenvolvimento deste país. Para quem actua na área de engenharia civil, há muito tempo que se discute a possibilidade de uma crise. Preços exorbitantes de imóveis, oscilação na economia e aumento no número de indivíduos no segmento, são apenas alguns dos aspectos que levaram profissionais a ficarem apreensivos sobre o futuro da profissão. Diante disto, não é nenhuma surpresa para o contexto actual. O número de ofertas de emprego já é bem reduzido em relação há alguns anos e os salários começaram a ficar menos atractivos, não é raro encontrar imóveis vazios.
Quantos profissionais estão inscritos na Ordem e qual a perspectiva para os anos que se seguem?
O cenário definido no nosso plano estratégico, apesar da recessão económica é de aumento do número de membros, mediante uma campanha de sensibilização junto das empresas nacionais e estrangeiras de todos os técnicos, para salvaguarda do exercício da profissão mediante a inscrição na Ordem dos Engenheiros.
A queda do preço do petróleo fragilizou a economia do país e o investimento, levando ao adiamento e ao cancelamento de alguns projectos. Este impacto foi sentido, em termos profissionais, pelos membros da Ordem dos Engenheiros?
A crise económica derivada da baixa do petróleo, desenvolveu um efeito “bola de neve” que acabou por fustigar fortemente todos os sectores de desenvolvimento económico. O Estado abrandou com as grandes obras públicas e diminuiu os seus gastos, o que teve consequências drásticas para as empresas que dependiam unicamente de obras do Estado como infra-estruturas, vias de comunicação, escolas, etc. A nível nacional destacam-se as fortes quebras no mercado de obras públicas, as quais comprometem a continuidade, não só da actividade, como das próprias empresas que se dedicam a este segmento da construção. No que respeita ao mercado imobiliário e a venda de habitações às famílias, as principais razões apontam para a quebra do sector: a crise, a quebra de confiança dos consumidores e o aperto ao crédito. Isso fez com que fosse criado um excesso de oferta residencial.
Não obstante uma situação económica menos favorável, o mercado da construção – e engenharia civil – continua a ter actividade. Que sectores apresentam ainda oportunidades para os engenheiros no país?
O sector de construção civil continua a ter uma actividade bastante ténue, devido à forte dependência externa dos materiais de construção e da erosão do kwanza em relação ao dólar americano, bem como as altas taxas de juros praticadas pelos bancos comerciais, faz com que se limite a importação desses materiais. Contudo, é um sector que garante, mesmo assim, alguma empregabilidade.
Uma eventual diversificação da economia angolana, de forma a tornar o país menos dependente das exportações do petróleo, poderá representar um crescimento das oportunidades para as actividades de engenharia e construção? Na sua opinião, que sectores produtivos deverão ser desenvolvidos no sentido de assegurar uma economia mais próspera no futuro próximo?
Diversificação deve ser uma realidade para inverter a dependência do petróleo e não apenas mera retórica ou palavra falaciosa que impregna o léxico de toda a gente.
Os sectores agrário e mineiro, devem ser elencados para materialização da diversificação. Estes dois sectores permitem uma produção para alcançarmos a sustentabilidade e a criação de excedentes para a industrialização e a exportação, principalmente nos países da região.
O Estado angolano continua a investir em obras públicas? Em que sector?
A elevada exposição que muitos bancos tinham, era composta por empresas que entraram em falência, o que fez diminuir a sua liquidez e a capacidade de resposta perante a crise bem como o crédito disponível. Assistimos ao progressivo aumento de falências de empresas ligadas ao sector de construção quer pelo abrandamento e pela inevitável diminuição de obras de elevada dimensão, quer pela dificuldade de acesso ao crédito. Apesar deste abrandamento, o Estado continua a investir nas áreas de infra-estruturas, fundamentais para o progresso e o desenvolvimento da sociedade angolana. As estradas são fundamentais para o escoamento dos produtos do campo para os centros urbanos.
As ordens profissionais que representam os engenheiros de vários países lusófonos têm já um
historial assinalável de aproximação e de cooperação. Acredita que a criação de um “cluster”
lusófono da engenharia civil poderia surtir efeitos económicos positivos para o sector?
Num mundo sem barreiras, a produção de conhecimento, “mobilidade” passou a ser um conceito chave para quase todo o profissional e para empresas que competem num mercado cada vez mais globalizado. Mobilidade deve ser entendida, não apenas no aspecto físico, até porque num mundo integrado pela informática e pela comunicação, a mobilidade está a tornar-se cada vez mais virtual, mas principalmente no sentido de flexibilidade, de interactividade. O desenvolvimento das engenharias seguiu o curso do processo de industrialização. Num primeiro estágio, a competência exigida do engenheiro era eminentemente técnica. À medida que a indústria se diversificava, começou a ser requerida a qualificação científica. Na terceira etapa adicionou-se as competências de gestão. É nesta base que existe a cooperação das Ordens profissionais dos Países Lusófonos e existe o “cluster” de engenheiros civis de língua portuguesa e castelhana, onde discutimos os problemas de engenharia que são comuns a todos os países membros.
Como se caracteriza a relação entre as Ordens dos Engenheiros de Angola e de Portugal? Estão criadas sinergias entre ambas as associações?
Existem acordos privilegiados entre as ordem de Angola e de Portugal, no tocante a mobilidade e troca de experiência. Existe a reciprocidade de vantagens referente à inscrição nas respectivas Ordens profissionais ou seja os engenheiros angolanos inscritos na Ordem de Angola podem inscrever-se na Ordem de Portugal e vice-versa.