“A BIAU tem capacidade para perceber que cada vez mais há plataformas e geografias que se podem potenciar juntas”
A arquitectura desacreditou-se a ela própria, porque abusou de uma overdose de estéticas avulso, de egos que deixaram de pensar nas pessoas
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Ana Rita Sevilha
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De 4 a 8 de Julho, a cidade de São Paulo, no Brasil, vai receber a X Bienal Iberoamericana de Arquitectura e Urbanismo, onde Ricardo Bak Gordon assume o papel de Curador de Portugal. Em entrevista ao Construir, o arquitecto fala sobre a Bienal e a forma como esta plataforma pode juntar geografias e potenciar uma “Arquitectura do Sul”
Como surgiu o convite para ser Curador de Portugal na BIAU 2016?
Os Comissários Gerais da BIAU 2016, são o escritório de Madrid composto por Angela García de Paredes e Ignacio García Pedrosa, que eu conheço e com quem já me cruzei várias vezes em várias actividades. Uma delas muito interessante, que foi sermos professores do curso de Verão da Universidade de Veneza. Com a Angela García de Paredes fui também júri do Prémio FAD no ano em que ganhou o Elevador da Baixa, do João Pedro Falcão de Campos. Para além disso, este ano a BIAU tem outra particularidade, que é o facto de se ir realizar em São Paulo, no Brasil e ter uma espécie de vice-coordenação do Álvaro Puntoni, um arquitecto de São Paulo que é também um homem muito importante naquilo que é a Escola de Cidade – uma escola de arquitectura privada em São Paulo, mas que tem um grande prestígio e onde dão aulas uma série de arquitectos que foram de algum modo discípulos do arquitecto Paulo Mendes da Rocha. Isto para dizer que, sou bastante próximo desses arquitectos e tenho uma relação com o Brasil, logo, penso que o convite possa ter surgido um pouco por aí, para além de acreditar que acharam que podia ter uma visão sobre o que é o panorama português neste momento.
E que visão tem sobre o panorama arquitectónico português e ibero-americano?
A BIAU procura criar uma plataforma daquilo que são os países latinos e da arquitectura do Sul, onde por um lado falamos de Portugal e Espanha deste lado do Atlântico e por outro lado da América Latina. Pese embora sejam arquitecturas do Sul, têm pontos de convergência mas também têm muitos pontos de dissonância. Olhando para o caso europeu, passou-se por um período generoso ao nível do investimento público naquilo que foram os anos 2000, onde em Portugal houve grandes investimentos do Estado em obra pública que deram alguns resultados muitos interessantes, como a Parque Escolar, para um 2011 e uma espécie de corte absoluto nesse investimento e uma paragem abrupta naquilo que era a possibilidade de fazer projectos e de construir. Em Espanha não foi diferente, foi até talvez pior.
O Brasil também teve um momento alto, que está agora mais distante e que foi o grande boom do moderno brasileiro. Um momento extraordinário do ponto de vista do pensamento social, urbanístico e arquitectónico e que vai demorar muito tempo até que se volte a repetir.
A América Latina está cheia de boa arquitectura e de boas escolas de arquitectura também. Temos o exemplo do Chile, da Colômbia, do Paraguai.
A BIAU é uma plataforma que pode colocar em conjunto estes vários países, que são países do Sul, que partilham duas línguas que são irmãs e que de algum modo estão muito comprometidos de um lado e do outro do Atlântico. Acho que a BIAU tem capacidade para perceber que não estamos sozinhos e que cada vez mais há plataformas e geografias que se podem potenciar juntas.
Mas em termos de negocio, de que forma se pode projectar?
Em termos de negocio pode-se projectar começando por tentar perceber se há de facto um património que possa ser apresentado e estudado como colectivo. Se pode ganhar uma espécie de macro-identidade esta grande região e esta grande maneira de fazer bem com poucos recursos e com poucos meios, o ser essencial que obriga a um engenho que pode ser uma mais-valia do ponto de vista da síntese arquitectónica.
Se me pergunta se isto constitui já uma plataforma de negócio à volta destes países em trânsito, aí sou um bocadinho mais crítico e a prova disso é que nos anos da crise profunda que atravessámos recentemente, as pessoas que tentaram ir fazer trabalho, por exemplo, no Brasil, não conseguiram e vieram-se embora. Quanto a isso ainda temos muito que avançar. A arquitectura é uma disciplina que não é fácil de se globalizar, tem muito de local e de regional.
É muito proteccionista?
No caso do Brasil, não sei se é uma decisão clara dos Governos ou se tem a ver com um mercado que está muito sustentado nas suas capacidades. É um país cheio de bons arquitectos, com os arquitectos muito envolvidos no sistema de produção e de construção e portanto não é fácil ganhar mercado nesses terrenos. Quando estamos entre pares sabemos quão difícil é entrar nesses mercados. Se é uma questão de proteccionismo? Podemos chamar-lhe isso, mas o simples facto de entrar em territórios onde a legislação é diferente, o modo de fazer é diferente e os interlocutores são outros e não os conhecemos, torna tudo mais difícil. Não sei se será um proteccionismo declarado, acho mais que as conjunturas não são fáceis.
Neste momento, a poucos meses da BIAU 2016, um Pritzker entregue a um arquitecto sul-americano pode alavancar essa plataforma?
Estou convencido que chamará a atenção. É um Pritzker que fala não só da América Latina como fala de temas como o de fazer bem com menos recursos. Portanto, nessa perspectiva acho que tem interesse que seja debatido em conjunto e que sejam chamados à coação esses vários temas, porque é disso que falamos cá, lá e não só. Hoje esse tema já alastrou, já todos percebemos que ser essencialista, ser sintético e ser comedido não é de modo algum um handicap na arquitectura, antes pelo contrário. Temos exemplos extraordinários. Não fossem outros, os que mais uma vez vão ser levados à Bienal de Veneza. A arquitectura desacreditou-se a ela própria, porque abusou de uma overdose de estéticas avulso, de egos que deixaram de pensar nas pessoas. A arquitectura sofreu desse mal e isso teve o seu efeito. Hoje procura-se mais sensibilidade, ser mais comedido e mais contido não deixando de ser intenso.
Olhando para a lista das obras portuguesas propostas, que análise faz?
Isso é um documento recente e confesso que ainda não vi as obras todas, mas posso dizer que vejo ateliers que têm feito um trabalho muito sensível. Provavelmente estamos aqui a falar em 90% de trabalho privado, que é a prova de que não houve obra pública nos últimos anos. Ainda assim, é uma lista relativamente sumária para um país que produziu tanto num período recente, o que vem mostrar que houve um período de pouca obra.
A minha primeira ideia e fui acompanhando isso, foi a de achar que haviam poucos participantes, mas de facto esta BIAU apanha o pior período, o mais esvaziado da nossa produção recente. Certamente que vamos resgatar trabalhos interessantes da lista de propostas recebidas, mas ao mesmo tempo não deixamos de ter consciência que foi um período terrível para um país que tem tantos arquitectos.
Posso dizer ainda que, cada país vai apontar dez obras que vão depois ser reunidas e apreciadas pelo júri da BIAU. Eu o que farei como Curador da BIAU é juntar uma pequena equipa e deste comissariado será feita a pré-selecção das 10 obras.
Em termos de programação da BIAU, o que podemos esperar?
A BIAU vai ter a sua plataforma de apresentação em São Paulo, Brasil, na semana de 4 a 8 de Julho e nessa semana, para além da exposição dos resultados, haverá uma série de conferências, exposições e visitas a edifícios emblemáticos da própria cidade. O programa ainda não está fechado, mas há poucas cidades tão inspiradoras como São Paulo para fazer uma apresentação, para quem gosta de cidade, de ver a urbanidade e de ver lugares extraordinários. É uma cidade onde não faltam temas para quem gosta de ver, estudar e apreciar arquitectura, como inclusivamente de tocar em temas que falámos aqui como a questão de uma certa essencialidade ao serviço da cidade.