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    Opinião

    Simplex do Urbanismo: A inquietude com o fim da autorização de utilização

    “A autorização de utilização deixa pura e simplesmente de existir, pelo que esses instrumentos contratuais terão, necessariamente, de ser adaptados e terá de haver uma consciencialização por parte de todos os intervenientes de que, não só não é exigível, como não é possível obter uma autorização de utilização nem o correspondente alvará, mas apenas um comprovativo de entrega de documentos ou de comunicação prévia, consoante o caso”

    Opinião

    Simplex do Urbanismo: A inquietude com o fim da autorização de utilização

    “A autorização de utilização deixa pura e simplesmente de existir, pelo que esses instrumentos contratuais terão, necessariamente, de ser adaptados e terá de haver uma consciencialização por parte de todos os intervenientes de que, não só não é exigível, como não é possível obter uma autorização de utilização nem o correspondente alvará, mas apenas um comprovativo de entrega de documentos ou de comunicação prévia, consoante o caso”

    Marisa Mirador
    Sobre o autor
    Marisa Mirador

    No próximo dia 4 de março assistimos ao fim da autorização de utilização dos edifícios/frações e do alvará que a titula. Sente-se o nervosismo causado por esta medida em todos os players do sector (promotores, investidores, arquitetos e engenheiros, bancos, notários, advogados, solicitadores, municípios), o que é compreensível. A mudança de paradigma é, de facto, enorme: a autorização de utilização (vulgarmente, também, designada por licença de utilização, licença de habitação ou licença de habitabilidade) tem sido ao longo de décadas um instrumento central de segurança em matéria de legalidade urbanística, financiamento de projetos imobiliários e transações de imóveis.

    Ora, com o Simplex do Urbanismo (Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro), publicado no início do ano, e com as alterações que introduziu ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), das duas uma:

    • ou a utilização/alteração de utilização foi antecedida de obras sujeitas a controlo prévio municipal (ou seja, para o legislador, licença ou comunicação prévia, embora, em rigor, se possa entender que a “mera” comunicação prévia não constitui um procedimento de controlo prévio municipal), caso em que apenas é necessário entregar à câmara municipal, para conhecimento e arquivo, termo de responsabilidade subscrito pelo diretor de obra ou pelo diretor de fiscalização de obra a declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com o projeto e as telas finais (estas apenas quando tenham existido alterações do projeto);
    • (ii) ou a utilização/alteração de utilização não foi precedida de operação urbanística sujeita a controlo prévio municipal, caso em que está sujeita a um procedimento de comunicação prévia com prazo (que não a “mera” comunicação prévia prevista no resto do RJUE para outras operações urbanísticas), podendo iniciar-se a utilização decorridos 20 dias (úteis) após a submissão da comunicação, a menos que, nesse prazo, o presidente da câmara municipal determine a realização de vistoria (com fundamento na não submissão de termo de responsabilidade completo ou na existência de indícios sérios de que o edifício não é idóneo para o fim pretendido), a qual pode terminar com (i) declaração de conformidade ou (ii) imposição de obras de alteração. No caso de utilização de edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, pode, ainda, existir oposição à utilização quando as partes comuns dos edifícios em que se integram não estejam em condições de serem utilizadas (no prazo de 20 dias úteis assume-se).

    Assim, no primeiro caso, a utilização ou alteração de utilização não está sujeita a qualquer controlo prévio municipal (nem sequer “mera” comunicação prévia como na Proposta de Lei n.º 77/XV ) e não há lugar à emissão de qualquer “título”, ao passo que, no segundo caso, temos um procedimento de controlo prévio municipal (mas não a emissão de um ato permissivo pelos municípios, salvo no caso de declaração de conformidade na sequência de vistoria), sendo a comunicação prévia titulada pelo comprovativo da sua apresentação, que deverá ser emitido eletronicamente e de forma automática (já não acompanhado do documento comprovativo do pagamento das taxas).

    Com o Simplex do Urbanismo (Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro), publicado no início do ano, e com as alterações que introduziu ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), das duas uma: ou a utilização/alteração de utilização foi antecedida de obras sujeitas a controlo prévio municipal ou a utilização/alteração de utilização não foi precedida de operação urbanística sujeita a controlo prévio municipal, caso em que está sujeita a um procedimento de comunicação prévia com prazo”

    Este novo regime quanto à utilização dos edifícios suscita dificuldades e dúvidas: algumas por falta de coerência/cuidado de harmonização do diploma. É o caso, por exemplo, do elenco do artigo 4.° no que respeita à comunicação prévia de utilização, o facto de se continuar a fazer menção à autorização de utilização ao longo do RJUE, nomeadamente para efeito de medidas de tutela urbanística ou contraordenações, ou a remissão para a alínea a) do n.°1 do artigo 6.°, referente a obras de conservação, a propósito de utilização de novas edificações ou novas frações, o que não parece fazer sentido”.

    Outras são causadas por omissão: o que acontece se a vistoria inicial, no âmbito da comunicação prévia com prazo, não se realizar no prazo de 15 dias úteis previsto? Considera-se verificada não oposição à utilização do edifício ou da sua fração, como no caso previsto de não realização da vistoria na sequência de imposição de obras de alteração? Outras ainda por falta de adequada articulação de regimes e pela utilização de uma técnica de remissão normativa nem sempre feliz: como se articula, por exemplo, este novo regime de controlo prévio da utilização de edifícios/frações com o regime simplificado de reconversão de imóveis para habitação constante do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, que, por seu turno, remete para Lei de Bases da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo?

    Destacaríamos, porém, pela importância prática que vai revestir nos primeiros meses, o tema da aplicação no tempo. Este novo regime de utilização vai entrar em vigor, como referimos, a 4 de março e aplica-se aos procedimentos iniciados antes da sua entrada em vigor e que naquela data se encontrem pendentes. Imagine-se que está pendente um pedido de autorização de utilização ainda não decidido nessa data. Convola-se, por exemplo, em comunicação com prazo, contando o prazo de 20 dias úteis da data de entrada em vigor desta alteração? E se a utilização não estiver sujeita a qualquer procedimento de controlo prévio e a mera entrega do termo de responsabilidade (e telas finais sendo o caso), considera-se, a partir de 4 de março, que o processo em curso se extinguiu e que nada mais é necessário promover, uma vez que tais documentos já instruíram o pedido de autorização de utilização, ainda que num contexto diferente para o promotor e para os técnicos em que haveria lugar a um ato autorizativo por parte dos municípios?

    Para além do impacto procedimental ao nível das pendências administrativas, não será, também, despiciendo, por exemplo, o impacto em transações e financiamentos em curso: basta recordar que tipicamente é condição precedente de uma transação imobiliária e financiamento associado a emissão de autorização de utilização (até porque, até agora, era obrigatória a sua apresentação nos atos de transmissão da propriedade de prédios urbanos). Ora, a autorização de utilização deixa pura e simplesmente de existir, pelo que esses instrumentos contratuais terão, necessariamente, de ser adaptados e terá de haver uma consciencialização por parte de todos os intervenientes de que, não só não é exigível, como não é possível obter uma autorização de utilização nem o correspondente alvará, mas apenas um comprovativo de entrega de documentos ou de comunicação prévia, consoante o caso.

    A inquietude com o fim da autorização de utilização está, pois, no ar. Nos próximos tempos saberemos se é injustificada.

    NOTA: A Autora escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico

    Sobre o autorMarisa Mirador

    Marisa Mirador

    Advogada, Sócia da área de Direito Público da Cuatrecasas
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