O Simplex Ambiental e a nova certificação de deferimentos tácitos
“Na nossa opinião, este mecanismo é positivo, nem que seja pelo sinal que dá e por colocar pressão para a emissão de decisões administrativas em prazo. Contudo, o problema da falta de decisão nos prazos legais tem causas estruturais que não se resolvem por decreto-lei, sem uma profunda reforma da Administração Pública”
O Simplex Ambiental (como é mais conhecido o Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro), com o objetivo de reformar e simplificar os licenciamentos ambientais, veio alterar 19 diplomas, com especial enfoque no regime de avaliação de impacte ambiental e na promoção de projetos de renováveis.
Porém, uma das medidas mais significativas introduzidas pelo Simplex Ambiental não é privativa dos licenciamentos ambientais, antes é transversal a todo e qualquer procedimento administrativo em que esteja previsto o deferimento tácito – i.e., a valoração como deferimento da ausência de ato expresso no prazo legalmente fixado –, aplicando-se nomeadamente em procedimentos urbanísticos (pedidos de informação prévia, requerimentos de autorização de utilização e impugnações administrativas): falamos do novo mecanismo de certificação de deferimentos tácitos, que produzirá efeitos no dia 1 de janeiro de 2024 e que tramitará eletronicamente a partir do portal único de serviços.
Os interessados vão poder solicitar à AMA – Agência para a Modernização Administrativa, I.P. a passagem de certidão que ateste a ocorrência de qualquer deferimento tácito ou outro tipo de valoração positiva do silêncio das entidades administrativas. Recebido o pedido, a AMA solicita, então, à entidade competente para a prática do ato que informe se foi notificado o ato expresso e, em caso afirmativo, faça prova disso.
A AMA emite, gratuitamente, a certidão de deferimento tácito no prazo máximo de 8 dias úteis a contar da receção do pedido se (i) estiverem reunidos os requisitos para a formação de deferimento tácito e (ii) a entidade competente para a prática do ato administrativo confirmar que não notificou ato expresso, não se pronunciar no prazo de 3 dias úteis após a receção do pedido de informação dirigido pela AMA ou não apresentar fundamentos suficientes para obstar ao reconhecimento da formação do deferimento tácito. Para este feito, só são considerados fundamentos suficientes o não decurso do prazo necessário para a formação de deferimento tácito (cabendo questionar se a AMA irá apreciar aqui eventuais causas de suspensão do prazo…) ou a existência de ato expresso de indeferimento notificado no prazo estabelecido na lei.
É para nós uma incógnita como vai funcionar na prática este mecanismo que visa tornar o deferimento tácito operativo. Podemos antever algumas dificuldades: da parte da Administração poderá haver maior tendência para indeferimentos para evitar o recurso a esta certificação (e no limite para evitar responsabilidade por deferimentos tácitos ilegais) ou, pelo menos, crescente número de revogações ou anulações de deferimentos tácitos. Da parte dos particulares (promotores e financiadores) poderá continuar a existir receio de avançar com projetos, que muitas vezes envolvem avultados investimentos, com base num deferimento tácito, ainda que atestado por uma terceira entidade. Também não será de descartar alguma litigiosidade associada a temas de duvidosa constitucionalidade, como a circunstância de se prever que a falta de pagamento de taxas não impede o reconhecimento da formação de deferimento tácito, a certificação pela Administração Central de atos administrativos da Administração Local ou a eventual apreciação, por uma entidade administrativa terceira, da suspensão do prazo legal de produção de deferimento tácito devido a o procedimento estar parado por motivo imputável ao interessado.
Ainda assim, na nossa opinião, este mecanismo é positivo, nem que seja pelo sinal que dá e por colocar pressão para a emissão de decisões administrativas em prazo. Continuar como estamos – deferimentos tácitos totalmente inconsequentes e não reconhecidos – é que não podemos. Contudo, o problema da falta de decisão da Administração Pública nos prazos legais tem causas estruturais que não se resolvem por decreto-lei, sem uma profunda reforma da Administração Pública e enquanto não tivermos tribunais administrativos que funcionem de forma célere e eficaz.
NOTA: A autora escreve segundo o Novo Acordo Ortogrático