Opinião

As novas regras de reclassificação do solo para habitação

“O risco de urbanização descontrolada, as dificuldades na participação pública, a pressão sobre os recursos rurais e as desigualdades regionais podem comprometer os objetivos de desenvolvimento sustentável e ordenamento do território. As autoridades devem implementar medidas de mitigação e monitorização para minimizar os impactos negativos”

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As novas regras de reclassificação do solo para habitação

“O risco de urbanização descontrolada, as dificuldades na participação pública, a pressão sobre os recursos rurais e as desigualdades regionais podem comprometer os objetivos de desenvolvimento sustentável e ordenamento do território. As autoridades devem implementar medidas de mitigação e monitorização para minimizar os impactos negativos”

Sobre o autor
Rita Bastos Ramalho

A recente alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro (RJIGT), trouxe significativas mudanças na forma como os solos são classificados em Portugal. Esta alteração está inserida no plano “Construir Portugal” e tem como principal objetivo dar resposta à crescente necessidade de criar soluções habitacionais.

Entre as medidas, destaca-se o regime especial e mais célere, que permite a reclassificação dos solos para urbano com fins habitacionais e usos complementares. Este regime especial exige alguns requisitos cumulativos, como a coerência da urbanização com a área urbana existente e que pelo menos 700/1000 da área total de construção se destine a habitação pública ou de valor moderado.

Além disso, deve ser desenvolvida uma unidade de execução, garantidas as infraestruturas, equipamentos de utilização coletiva e espaços verdes, e assegurada a compatibilidade com a estratégia local de habitação.

O conceito de “valor moderado” é controverso, pois pode abrir portas à especulação imobiliária, permitindo a venda de casas acima do valor do mercado. Um grupo parlamentar apresentou uma proposta de alteração do diploma para substituir “valor moderado” por “habitação a custos controlados”, que será ponderada pelo Governo.

Há ainda quem defenda que se deverá reduzir o prazo para concretizar as obras de urbanização em solos reclassificados, de cinco para três anos, eventualmente prorrogado em metade deste tempo após avaliação dos resultados. Esta alteração faz todo o sentido se articulada com o objetivo principal deste decreto-lei.

A reclassificação para solo urbano é decidida pela assembleia municipal, após proposta da câmara municipal. Se num prazo de cinco anos, prorrogável apenas em situações excecionais, não forem executadas as operações urbanísticas previstas, ocorre a caducidade da reclassificação.

A flexibilidade na reclassificação dos solos, embora benéfica, pode levar a urbanização descontrolada. A possibilidade de reclassificar zonas rústicas para urbanas pode resultar em expansões que não respeitam os princípios de sustentabilidade e ordenamento do território. Este risco é elevado em áreas com intensa pressão imobiliária, onde os interesses económicos podem sobrepor-se às considerações ambientais e sociais. Apesar do reforço da participação pública, podem surgir conflitos de interesse entre diferentes stakeholders, dificultando decisões consensuais.

A reclassificação de solos rústicos para urbanos pode também pressionar os recursos rurais, reduzindo a disponibilidade de terras para atividades agrícolas e florestais, afetando a produção de alimentos e a conservação da biodiversidade. Este impacto é preocupante em regiões onde a agricultura e a silvicultura são importantes e onde a preservação dos ecossistemas naturais é crucial.

A implementação do novo regime jurídico pode acentuar desigualdades regionais, beneficiando mais as regiões com maior capacidade técnica e financeira. A alteração ao RJIGT traz benefícios, mas também potenciais impactos negativos. O risco de urbanização descontrolada, as dificuldades na participação pública, a pressão sobre os recursos rurais e as desigualdades regionais podem comprometer os objetivos de desenvolvimento sustentável e ordenamento do território. As autoridades devem implementar medidas de mitigação e monitorização para minimizar os impactos negativos. Resta questionar se estas medidas serão suficientes para resolver a crise habitacional. Honestamente, temos dúvidas.

NOTA: A Autora escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico

Sobre o autorRita Bastos Ramalho

Rita Bastos Ramalho

advogada da área de Direito Público da Cuatrecasas
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