AIA e energias renováveis: a alteração ao quadro regulatório assegura a harmonização?
“Surgem questões sobre a compatibilidade destas alterações com os princípios e regras do direito ambiental, nomeadamente com o princípio da precaução, questionando-se se é possível harmonizar o interesse público ambiental (…) com o interesse público de (acelerar a) transição energética (…). Tal harmonização é difícil reconhece-se e, na nossa opinião, o quadro regulatório atual faz um esforço nesse sentido, mas não será que tem de se aceitar que ambos terão de fazer cedências e, inevitavelmente, um mais do que o outro?”

Em 3 de dezembro de 2024 foi publicado o Decreto-Lei n.º 99/2024, de 03 de dezembro, que introduz alterações no ordenamento jurídico português, especificamente ao regime jurídico de avaliação de impacte ambiental (AIA) e ao diploma que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, transpondo parcialmente a chamada Diretiva “RED III”, que reforça o compromisso dos Estados-Membros em aumentar a quota de consumo final bruto de energia proveniente de fontes renováveis de 32 % para 42,5 % até 2030.
Entre as alterações promovidas, no que respeita à AIA, destaca-se a (i) obrigatoriedade de apresentação de uma proposta de definição de âmbito do estudo de impacte ambiental para centros electroprodutores de energia renovável e infraestruturas conexas; (ii) isenção de AIA dos centros eletroprodutores de fonte primária solar e respetivas instalações de armazenamento de energia, quando instalados em edifícios ou estruturas artificiais (excetuando-se os centros electroprodutores que se instalem em superfícies de massas de água artificiais, ou em áreas ou edifícios classificados ou em vias de classificação e respetivas zonas de proteção, ou em zonas relevantes para a defesa nacional ou segurança) e do reequipamento de centrais solares e eólicas, suprimindo-se o requisito anterior de diminuição do número de torres a reequipar.
Na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 99/2024, de 03 de dezembro, foi publicado o Decreto-Lei n.º 116/2024, de 30 de dezembro, que materializa o compromisso de Portugal para com as instituições europeias, prorrogando até 31 de dezembro de 2026 a vigência do Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril, que por sua vez aprova medidas excecionais para simplificar os procedimentos de produção de energia a partir de fontes renováveis (perspetivando-se a sua integração definitiva no quadro regulatório nacional). Entre estas medidas, destaca-se (i) para os projetos que não ultrapassem os limites estabelecidos no AIA e fora das áreas sensíveis, a pronúncia da autoridade de avaliação de impacte ambiental apenas ocorrerá a pedido da entidade licenciadora quando hajam indícios de que o projeto é suscetível de provocar impactes significativos no ambiente; (ii) no caso de alterações ou ampliações dos projetos de produção de hidrogénio por eletrolise a partir da água, a AIA apenas terá lugar quando o projeto exceda determinados limiares ou se considere que o mesmo é suscetível de provocar impactes significativos no ambiente.
Estes diplomas foram aprovados, como se percebe, tendo em vista a aceleração e simplificação de procedimentos de licenciamento de projetos de energias renováveis, consolidando a transição energética. No entanto, surgem questões sobre a compatibilidade destas alterações com os princípios e regras do direito ambiental, nomeadamente com o princípio da precaução, questionando-se se é possível harmonizar o interesse público ambiental prosseguido com a avaliação de impacte ambiental com o interesse público de (acelerar a) transição energética impulsionado as energias renováveis. Tal harmonização é difícil reconhece-se e, na nossa opinião, o quadro regulatório atual faz um esforço nesse sentido, mas não será que tem de se aceitar que ambos terão de fazer cedências e, inevitavelmente, um mais do que o outro?
NOTA: A autora escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico