A vida regressa ao Pavilhão de Portugal [c/galeria de imagens]
Ícone da Expo’98 desenhado por Siza Vieira, que permanecia vazio e degradado há 17 anos. Ao construir o Reitor da Universidade de Lisboa, Luís Manuel dos Anjos Ferreira, revela como este marco da arquitectura portuguesa se irá transformar num símbolo de inovação científica e do trabalho desenvolvida pela Instituição

Manuela Sousa Guerreiro
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Em 2015, no auge da crise da Troika, a Universidade de Lisboa recebeu um desafio singular: dar nova vida ao Pavilhão de Portugal, um ícone da Expo’98 desenhado por Siza Vieira, que permanecia vazio e degradado há 17 anos. O desafio tornou-se uma oportunidade para criar uma montra da ciência, cultura e identidade portuguesa no coração do Parque das Nações. Ao construir o Reitor da Universidade de Lisboa, Luís Manuel dos Anjos Ferreira, revela como este marco da arquitectura portuguesa se irá transformar num símbolo de inovação científica e do trabalho desenvolvida pela Instituição
Quando é que o Pavilhão de Portugal passou para a alçada da Universidade de Lisboa?
Foi em 2015, durante o governo de Passos Coelho, no período da Troika. Fomos encarregues de integrar o Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), que estava em declínio há duas décadas por falta de financiamento. O IICT tinha cada vez menos pessoal, mais envelhecido, e departamentos a fechar. Era preciso realocá-los num ambiente de pesquisa mais dinâmico, que favorecesse o trabalho em grupo. Com isto, a sede do IICT, no Palácio Burnay, na Junqueira, passou para a alçada no Ministério dos Negócios Estrangeiros e, em troca, recebemos o Pavilhão de Portugal, como uma espécie de compensação pelos encargos que iriamos ter. Havia também uma disputa antiga sobre a propriedade do Palácio Burnay entre a Universidade Técnica e o IICT, e isso também foi resolvido com este negócio.
O Pavilhão de Portugal estava em mau estado, sem uso há 17 anos, com excepção de alguns usos esporádicos, que contribuíram para a sua degradação, e vazio.
Qual foi a visão inicial da Universidade?
A ideia era transformar o Pavilhão de Portugal numa montra não só da Universidade de Lisboa, mas também da cidade e do país. A sua localização é estratégica: no Parque das Nações perto do aeroporto, da Estação do Oriente, com hotéis e uma alta qualidade de vida, um local que recebe visitantes nacionais e internacionais o ano todo. Queríamos que o Pavilhão de Portugal – mantendo esse o seu nome, sem ser “de Lisboa” ou “da Universidade” – mostrasse o que é Portugal a quem o visitar.
Este também é um edifício que é um marco da arquitectura portuguesa, não é? Como foi pegar neste marco e reabilitá-lo, preservando a sua essência?
Foi um desafio interessante. O pavilhão, projectado por Siza Vieira, é icónico, com sua pala e grandes espaços. Aqui coloca-se a questão: porque é que em 17 anos ainda não tinha sido reabilitado? Porque não havia ideias claras para o seu uso. Falou-se em albergar a presidência do Conselho de Ministros ou transformá-lo num museu de arquitectura, mas nada avançou. As pessoas viam o interior e não sabiam como adaptá-lo.
Na Expo 98, era o local onde se fazia o acolhimento das comitivas estrangeiras, por isso tinha um grande restaurante, tinha um espaço de exposições. Para a universidade, era relativamente mais fácil adaptá-lo: reduzimos o espaço de restauração, mantivemos áreas expositivas e convertemos outras em salas multiuso e conferências. Um destaque foi transformar uma sala estreita, com pé direito alto, num auditório de 600 lugares. Siza Vieira criou um design inovador, com plateias opostas, palco central e balcões, aproveitando o espaço de forma brilhante.
Foi o regresso do arquitecto ao projecto?
Sim, fazia todo o sentido que fosse o arquitecto Siza Vieira a olhar para o projecto. O exterior e o pátio interno não foram alterados, nem a estrutura. Algumas paredes foram mantidas, mas o interior foi todo reestruturado para funcionar como centro de congressos e exposições. Queríamos que funcionasse como uma montra da ciência da universidade, da cidade e do país, com capacidade para receber congressos de grandes sociedades científicas e exposições nacionais e internacionais.
Inaugurámos, no dia 30 de Abril, com uma exposição sobre Camões, um símbolo da língua e da identidade portuguesa, que reforça o mito da nacionalidade. E o Pavilhão abriu ao público no dia 1 de Maio.
Para além da exposição, que será temporária, quais as componentes mais permanentes do Pavilhão de Portugal?
O Pavilhão vai estar aberto 24 horas, sete dias da semana, enquanto sala de estudo, com capacidade para receber 120 estudantes. À semelhança de outros espaços que a Universidade reabilitou, como a sala de estudo no antigo Caleidoscópio, junto ao Campo Grande, e que tem uma capacidade de 200 lugares e que estão sempre ocupados, mesmo às 3 da manhã, por estudantes de todo o país não só da Universidade de Lisboa.
No Torreão Norte, junto à Avenida dos Oceanos, instalaremos também a Biblioteca Mega Ferreira, com o acervo sobre oceanos, doado à Câmara de Lisboa pelos seus herdeiros, em homenagem à sua ligação com a Expo’ 98. Também teremos um centro interpretativo permanente do Parque das Nações, mostrando a área antes, durante e após a Exposição Mundial, incluindo o matadouro municipal e o estaleiro da obra.
Um processo complexo
O valor da empreitada fixou-se nos 12,1 milhões de euros?
Não chegamos a 12,1 milhões. A empreitada foi orçada em 9,1 milhões, mas com equipamentos e ajustes, ficou por volta de 10 a 12 milhões de euros. Não investimos no exterior, que era só restauração. O orçamento é apertado, então controlamos cada despesa.
A obra foi financiada pela Universidade?
Sim, foi financiado com receitas próprias da Universidade, já que só 40% do nosso orçamento vem do Estado, tudo o resto são receitas próprias. Vendemos a antiga reitoria da Universidade Técnica, o que ajudou bastante, mas não cobriu tudo. O resto veio de projectos, trabalhos externos e outras fontes internas.
Não queremos lucro, mas sim ter sustentabilidade financeira. Vamos alugar espaços para congressos, conferências e eventos corporativos, que serão a principal fonte de receita do Pavilhão de Portugal. Temos dois inquilinos permanentes nas salas que dão para a frente ribeirinha: a Startup Portugal e a ESNA (Europe Startup Nations Alliance), instituições de inovação que pagam renda e, com certeza, usarão os espaços do Pavilhão para os seus eventos. A ESNA veio para Portugal por causa do Pavilhão de Portugal, que é um grande atractivo.
Também lá iremos receber uma reunião internacional de arquitectura, congresso e exposição, iremos receber também a exposição que marca o centenário de Mário Soares, entre outros projectos que temos em andamento.
Recorde-me, qual a área total do Pavilhão de Portugal?
São 6 mil metros quadrados, em dois andares, mais 3.500 metros quadrados na zona da pala. O restaurante, que ocupava quase todo o espaço, foi reduzido. Agora temos corredores, gabinetes, salas multiuso para 150 a 250 pessoas, e um auditório com 600 lugares.
Todo o espaço interior foi redesenhado tinham uma imagem clara do que pretendiam?
Dissemos a Siza Vieira que queríamos um centro de congressos, exposições e um centro interpretativo do Parque das Nações, mantendo o carácter expositivo, mas reduzido. Ele distribuiu os espaços com base nisso, após algumas conversas que tivemos.
Em termos de modernização do edifício, foi necessário fazer alguma empreitada especial?
Usamos os materiais originais, como pedra de lioz. Uma novidade foi forrar todos os espaços com material acústico, com sete camadas, para garantir insonorização. Por trás das paredes brancas, há um sistema complexo até o tijolo.
De 2015 a 2025 passaram-se 10 anos este foi um processo complexo?
Começamos em 2015, mas só em 2018 tivemos licenças, após passar pela Câmara Municipal de Lisboa e outras entidades, já que o Pavilhão é um monumento nacional. O Tribunal de Contas questionou a contratação do arquitecto Siza Vieira sem concurso, mas justificamos pelo valor arquitectónico do edifício, que era necessário garantir. Depois a empresa a quem tinha sido adjudicada a obra faliu, causando muitos atrasos. Entregamos depois a uma segunda empresa que foi excepcional, viu o projecto como um marco e concluiu com dedicação os trabalhos.
Assumiu o projecto em 2021?
Exacto, peguei o processo no meio da insolvência da primeira empresa. Até então, eram só atrasos e pedidos de pagamento extra sem justificativa. Tivemos reuniões tensas, aqui a esta mesma mesa, com o CEO da empresa e cinco ou seis advogados.
Os projectos em carteira e em execução
Este é um exemplo de modernização e de renovação aqui da Universidade de Lisboa, que tem vários edifícios agora em construção…
Muitos destes projectos vieram do meu antecessor, António Cruz Serra. O novo edifício da Faculdade de Letras substitui barracões “provisórios” de 40 anos, uma luta já antiga à qual ele deu novo impulso e cuja obra começou apenas comigo. Nestas coisas é preciso superar imensas barreiras.
As residências universitárias, com 300 camas na Ajuda e 904 no Campo Grande, foram ideia dele. O reitor Cr que que previa o encarecimento de Lisboa e a necessidade de moradia para estudantes, inclusive estrangeiros. O PRR financiou porque tínhamos projectos prontos. A Cidade Universitária, que fica vazia nos fins de semana, ganhará vida com lavandarias, lojas e restaurantes.
No caso das residências, o professor Cruz Serra já há muito tempo vinha dizendo que este iria ser um problema no futuro, andou a pregar aos peixes durante um tempo. Lançou ainda o projecto de residências na Ajuda (300 camas), foram duas fases ele ainda inaugurou a primeira fase foi quase a saída dele e depois eu lancei a segunda fase, já inauguramos, mas o projecto já existia o projecto é do António Cruz Serra eu só fiz a segunda parte da obra. O professor António Cruz Serra era extraordinário foi lançando projectos. Gostava de ter projectos na gaveta porque normalmente o que acontece quando existe financiamento é que depois temos um prazo limitado para apresentá-los. Foi o que aconteceu com as residências apareceu o PRR e tínhamos os projectos feitos e muito bem acabados e conseguimos esse financiamento e, portanto, vamos ter, conjunto, três edifícios com capacidade para 904 camas. Um complexo que irá trazer uma nova vida ao Campus da Universidade.
Esse é o projecto assinado pelo arquitecto Miguel Saraiva?
Exactamente, pela Saraiva e Associados. O edifício da Faculdade de Letras tem a assinatura de Manuela Oliveira. O projecto está avançado e deve ser inaugurado em Novembro ou Dezembro.
Todos estes projectos vão fazer da Universidade de Lisboa uma universidade mais internacional?
Sim e, sobretudo, mais acessível. Com residências e refeições subsidiadas, ajudamos estudantes de baixa renda, de lugares como Bragança ou Vila Real de Santo António, que acham Lisboa cara. Eles podem estudar na universidade que desejam, seja pelo curso ou por seu mérito.
À semelhança do seu antecessor, também tem projectos na gaveta?
António Cruz Serra deixou muitas sementes. Há muitas coisas ainda a nascer. Vamos ter mais uma residência de 120 camas ali no Campo Grande, temos de fazer a reabilitação da Faculdade de Belas Artes. Depois há ainda três áreas que quero impulsionar e que nada têm a ver com obras, mas que têm a ver com a aquela que é a actividade de uma universidade. Desde logo, apostar na formação e modernização pedagógica, para trazer os alunos de volta às aulas. Um desafio enorme. A segunda área é na investigação, capacitando docentes para buscar fundos internacionais, já que o orçamento português é baixo. E uma terceira área é na inovação, com um Centro de Transferência de Tecnologia, cujas obras iremos iniciar, e disciplinas de empreendedorismo gratuitas para todos os alunos.
Em que áreas é que estão a apostar?
Todas. Estamos a preparar docentes para captar recursos da União Europeia e multinacionais, para investigação de ponta. Na inovação, transferimos conhecimento para a sociedade. Temos 30 start-ups, muitas do Técnico, em software e tecnologias da informação, e queremos acelerá-las.