Dossier “Máquinas e Equipamentos”: Num mercado em transformação, aluguer domina e ‘pequenas’ crescem
O mercado é uma sombra de outrora, em que dominavam as retroescavadoras. Hoje, o segmento das Máquinas e Equipamentos é já dominado pelos pequenos equipamentos, versáteis, e pelo aluguer, que reduz custos operacionais e parques sobredimensionados na folha de património das construtoras. Esta transformação, mais do que representar um novo rumo ao qual as fabricantes e distribuidoras têm de responder, tem a particularidade de poder introduzir distorções no mercado. Equipamentos mais sustentáveis são desejados, mas os preços ainda são um entrave
O mercado está em franca transformação. Essa é uma evidência, pelo menos a atestar pelas opiniões recolhidas pelo CONSTRUIR junto de alguns dos principais fabricantes, distribuidores ou representantes de algumas das principais marcas de maquinaria pesada usada na indústria da Construção. Claro está que, regra geral, estas evidências são atestadas por indicadores estatísticos que reforçam a percepção, mas esse levantamento deixou de ser feito pela Associação Automóvel de Portugal (ACAP), pelo menos de forma pública.
Não havendo, portanto, indicadores fiáveis, resta a opinião de quem está, diariamente, no terreno. E não é pouco. Igual a si próprio, José Gameiro não deixou nada por dizer. Ao CONSTRUIR, o administrador da Motivo, importadora da britânica JCB para o mercado nacional, reconhece que o mercado português é, hoje em dia, “uma sombra do que foi no início do século”. “Desde logo porque não é expectável que, nos próximos anos, surja uma verdadeira inovação revolucionária. Eu estive na última BAUMA, tenho acompanhado o que se tem dito sobre a próxima edição da feira e chegamos à conclusão de que a roda está inventada. Nada de novo é capaz de acontecer”, assegura aquele responsável que admite que o abandono da Toyota do desenvolvimento do motor a hidrogénio foi uma machadada forte nas expectativas de quem acreditava que este pudesse ser um verdadeiro salto. “Mesmo os equipamentos eléctricos tardam a ser aceites”, reforça. Mas José Gameiro é mais contundente a apontar as distorções existentes no mercado, provocadas em grande parte pela entrada no País de gigantes na área do aluguer de equipamentos. “Aquilo que se vendia em máquinas pesadas passou a vender-se mais em máquinas ligeiras. Ou seja, 50% do mercado português são mini-escavadoras, skid steers e mini retroescavadoras. Há uma completa inversão do mercado e isso em grande medida é por causa do aluguer”, explica José Gameiro, que recorda, por exemplo, a operação de aquisição da Vendap por parte do grupo Kiloutou. “A Vendap facturava qualquer coisa como 50 milhões de euros. A casa mãe da Vendap factura em torno de 1,5 mil milhões de euros.
“Existe uma série de produtos que já não se vendem, alugam-se. Veja-se por exemplo o caso das plataformas elevatórias. Hoje em dia já praticamente ninguém compra. Há dois ou três fornecedores que vendem a um ou outro cliente, mas é um produto de quase 90% de aluguer”. Mas o administrador da Motivo identifica dois outros fenómenos, com implicações no mercado. Em primeiro lugar, as empresas grandes de aluguer compram no estrangeiro. Por exemplo, uma Kiloutou tem braços em Espanha, França e Inglaterra, são multinacionais, e compram às 500 ou 800 máquinas. Com isso, é claro que os preços sofreram uma distorção total. Quem compra 500 máquinas compra muito mais barato que ao distribuidor português”, diz, acrescentando que se assiste a uma outra evidência: as frotas próprias para aluguer. “As próprias marcas começaram a ter as suas frotas de aluguer. A Caterpillar está a investir fortemente no aluguer, a Case está a investir fortemente no aluguer, a JCB está a investir no aluguer. Ou seja, nas nossas próprias frotas, o que originará o aparecimento de um mercado secundário. Um cliente que quer uma máquina. Quanto é que custa uma máquina? 100 mil euros. Então, e uma máquina com dois anos? 80 mil. Isto vai acarretar uma distorção evidente”, diz, afiançando que “o aluguer é a nova realidade do mercado”.
STET
Pela mesma lógica alinha Paulo Ribeiro. O director comercial de máquinas da Stet, que acredita que é notório um crescimento significativo no sector dos equipamentos para a construção essencialmente à conta do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em vigor e pelo programa Portugal 2030. O responsável comercial da importadora da Caterpillar salienta que “este crescimento é alimentado por vários projectos, tanto públicos como privados, que têm vindo a estimular a procura por este tipo de equipamentos”, acrescentando que “o actual período de transição energética, orientado para a redução da pegada carbónica por parte das empresas, está a gerar uma necessidade crescente de substituição de equipamentos menos eficientes por tecnologias mais modernas e sustentáveis”. Paulo Ribeiro também concorda que o mercado de aluguer está a crescer, especialmente em construção e obras públicas, onde é vantajoso para controlar custos e garantir flexibilidade. Embora ainda não seja amplamente utilizado, é uma solução prática que tem grande potencial para quem busca reduzir riscos. “É uma solução que faz todo o sentido para empresas que querem controlar custos e evitar desvios, permitindo-lhes ajustar-se mais facilmente às exigências de cada obra ou projeto. Com os projectos que estão a surgir, impulsionados pelo PRR e pelo Portugal 2030, o aluguer está a tornar-se cada vez mais apelativo”, acrescenta. “A STET, em parceria com as suas marcas representadas, está a apostar em várias novidades que acompanham as tendências mais recentes do mercado e respondem aos principais desafios globais do sector. Estas iniciativas destacam-se por serem inovadoras e verdadeiramente diferenciadoras: Sustentabilidade e Transição Energética: Equipamentos mais eficientes, soluções de gestão energética inteligente e tecnologias dedicadas à reciclagem, promovendo uma operação mais ecológica e sustentável”.
EPIROC
Para João Resende, responsável da EPIROC para o mercado português dos acessórios/implementos hidráulicos, salienta que o sector de máquinas e equipamentos para construção em Portugal está em crescimento, especialmente no segmento de obras públicas e infraestruturas. “Contudo, existem nuvens no horizonte, como as incertezas económicas globais, aumento dos custos de materiais e logísticas, e desafios associados à escassez de componentes. As perspectivas de médio e longo prazo são optimistas, mas com atenção às flutuações da economia e às exigências tanto de sustentabilidade como ambientais”, sublinha. Em relação ao mercado do aluguer, João Resende concorda que é uma prática que tem vindo a crescer em Portugal, “mas ainda não é uma prática tão expressiva quanto em outros mercados mais maduros, na Europa Ocidental. No entanto, tem aumentado a sua adopção, particularmente para grandes projectos, dado que permite maior flexibilidade e optimização de custos. O mercado de aluguer é relevante, mas a expressão ainda é relativamente residual comparada ao volume de vendas directas de equipamentos”. O responsável da Epiroc explica, por isso, que “a expectativa é que cresça cada vez mais” e que, nessa óptica, as empresas possam aproveitar esta dinâmica para se posicionarem face ao aumento dos custos operacionais, escassez de materiais e componentes, cumprimento de prazos num mercado competitivo, e a pressão para adoptar práticas mais sustentáveis e reduzir as emissões. Além disso, a inovação tecnológica e a digitalização são essenciais para se manterem competitivas, asseguram os responsáveis da empresa.
ALMOVI
Pela mesma tónica alinham os responsáveis da Almovi, uma das empresas de referência no domínio da elevação de cargas. Ao CONSTRUIR, Joana Lança Coelho considera que “embora o panorama seja positivo, as incertezas globais, como alterações político-económicas, podem afectar o futuro do sector. A questão da segurança tem aumentado a procura pelo aluguer de equipamentos especializados, como mini-gruas, que são mais eficientes e práticas”. “Nos últimos anos temos assistido a um aumento das restrições do levantamento de cargas permitidas por humanos. Isso por si só fez aumentar a sensibilização e a procura pelo aluguer de equipamentos adequados a este tipo de serviço, principalmente as mini-gruas ou gruas aranha, equipamentos pequenos, práticos com enorme destreza e precisão, que têm a capacidade de chegar onde a mão-humana não pode”. Nesse domínio, a marketing manager da Almovi salienta que “este tipo de equipamento tem um valor elevado” e que “nem todas as empresas do sector têm a capacidade de os adquirir, e com as diferentes necessidades de cada projeto torna-se difícil ter mais do que um tipo de equipamento para poder cobrir todas as exigências. Alugar estas máquinas permite maior flexibilidade e acesso a tecnologias actualizadas sem grandes investimentos de capital”. “Torna-se assim mais sustentável e eficiente alugar um equipamento específico de acordo com a necessidade e durante o tempo indispensável”, refere. Segundo Joana Coelho, tem havido também uma evolução das máquinas-ferramenta com a integração de computadores e motores eléctricos que permitem um aumento da precisão da operação. “O que no caso das fachadas de vidro é uma mais-valia pela preocupação com soluções que reduzem os custos devido a quebra ou perda de material e aumentam a produtividade”, garante. A responsável de Marketing da Almovi aborda, de uma forma mais incisiva a questão do aluguer, salientando que este tipo de solução “tem encontrado alguns desafios, nomeadamente o ‘set-up cost’. O valor do transporte destes equipamentos de pequena dimensão é por vezes mais caro do que o próprio aluguer, o que implica investir em ‘hubs’ estrategicamente colocados para dar melhor resposta ao cliente”.
Going Up
Mais cauteloso parece ser o gerente da Going Up. Ao CONSTRUIR, Luís Leal antecipa que “o sector das máquinas é, agora, um sector muito imprevisível. Já foi um sector com mais estabilidade. Houve um grande crescimento do mesmo, que acompanhou os melhores momentos da construção, mas agora sente-se que está a ficar sobrelotado de máquinas e equipamentos”. “Existe, este ano mais que nos últimos dois, uma incerteza sobre se o mesmo será de crescimento ou se já se fará sentir um ligeiro abrandamento neste sector, motivado por um abrandamento da economia em geral”, refere aquele responsável, para quem “já estamos num ponto em que o aluguer de equipamentos é muito vantajoso na quase maioria dos trabalhos e em algumas, até mesmo imprescindível. Diria que já é significativo, mas ainda longe da utilização que é feita nos países do Norte da Europa”. Questionado sobre os desafios que se colocam às empresas, o gerente da Going Up aponta dois: “o primeiro passa por conseguir não baixar os preços praticados para ganhar um negócio e que depois serão a regra para todos os negócios feitos para esses clientes; o segundo é saber avaliar quando é o melhor momento para parar de comprar mais máquinas”.