Expectativas entre a dúvida e a incerteza
No ano em que (finalmente) arrancam os projectos de alta-velocidade, do novo hospital de referência em Lisboa e que parece ter sido dado um passo gigante no Novo Aeroporto, a crise na mão-de-obra e uma política fiscal desajustada são sombras no expectável entusiasmo sobre o que poderá ser o próximo ano
A expectativa era grande. À entrada do ano de 2024, que agora está em vias de ficar concluído, as associações empresariais estimavam um “crescimento sustentável” este ano, nomeadamente a AICCOPN a antecipar uma variação real do valor bruto de produção entre 2% e 4%, para mais de 20.000 milhões de euros. Os números estão longe de estar fechados, mas é notório que há entusiasmo em torno dos principais indicadores de actividade, pese a persistência num conjunto de medidas entendidas como entraves às reais necessidades da própria economia.
Nas páginas do CONSTRUIR, convidámos um conjunto de personalidades, de cariz institucional, a olhar para o que foi o ano e, de algum modo, que olhassem para o que temos pela frente no 2025 que entrará dentro de poucos dias. Há, desde logo, a evidência de um fio condutor nas análises feitas. As empresas de construção previam um acesso mais restrito ao crédito em 2024, devido aos elevados juros e a uma menor necessidade de financiamento, o que poderia impactar a capacidade de investimento e expansão no sector. Os empresários portugueses, incluindo os do sector da construção, mostravam-se moderadamente optimistas quanto ao crescimento económico e às oportunidades de negócio, embora conscientes dos desafios financeiros e económicos que poderiam influenciar o desempenho ao longo do ano. De acordo com os dados mais recentes revelados pelo Eurostat, e que datam de Novembro, a produção na construção recuou 1,6% na zona euro e 2,0% União Europeia (UE) em Setembro, face ao mês homólogo, com Portugal, em contraciclo, a registar a terceira maior subida, de 3,3%. Para a organização, na comparação com Agosto, segundo os dados divulgados pelo serviço estatístico europeu, a produção na construção recuou 0,1% tanto na área do euro como no conjunto dos 27 Estados-membros. Na comparação com Setembro de 2023, os maiores recuos no indicador foram observados na Eslováquia (-19,1%), na Eslovénia (-17,6%) e na Polónia (-9,0%), e os avanços na Bulgária (5,2%), em Itália (3,9%) e Portugal (3,3%).
Sombras que pairam
Mas pese o entusiasmo perante a evidência destes dados, persistem alguns indicadores que vão continuar a ser, em 2025, uma sombra para o expectável desenvolvimento, nomeadamente ao nível da mão-de-obra. As alterações à lei de estrangeiros, ao imporem restrições à imigração e à concessão de vistos, tem dificultado de sobremaneira a entrada de novos trabalhadores no mercado e acrescenta complexidade a um problema que necessita de respostas urgentes. Mais: o aumento das dificuldades de contratação de trabalhadores qualificados poderá colocar em causa a capacidade do sector de dar resposta aos projectos de grande escala que estão em curso ou já planeados, como as obras constantes no Plano Nacional de Investimentos 2030.
Medidas fiscais defraudadas
A juntar a isso, e numa altura em que se esperaria que as respostas à crise da habitação pudessem entrar em velocidade cruzeiro, a votação final do Orçamento de Estado para o próximo ano representou uma forte machadada nas aspirações da fileira, que viram defraudada a expectativa de ver reduzida a taxa de IVA na Construção. A proposta de redução do IVA na construção para a habitação, de 23% para 6%, foi chumbada no Parlamento com os votos contra do PS, PCP, BE e Livre e abstenção do Chega e PAN. Em concreto o pedido visava autorizar o Governo a legislar sobre a lista dos produtos e serviços sujeitos a taxa reduzida do IVA relativamente às empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis de habitação. A autorização previa ainda que fossem excluídos da aplicação da taxa reduzida do IVA as obras de construção ou reabilitação, total ou parcialmente, de imóveis de habitação cujo valor exceda o “limite compatível com a prossecução das políticas sociais de habitação do Governo”. A decisão é vista como fortemente penalizadora na ambição de colocar no mercado mais casas, sobretudo para a classe média. Pelo meio, o novo Aeroporto de Lisboa e o projecto de Alta-Velocidade parecem (será?) ter efectivamente saído do papel.