“O CCB foi fundamental na construção da nossa identidade”
A “Cidade aberta” preconizada pelos arquitectos Vittorio Gregotti e Manuel Salgado há 30 anos, vai ser finalmente concluída. Falamos do Centro Cultural de Belém, hoje Monumento Classificado, e cujo projecto moldou e ainda hoje exerce influência sob a arquitectura do atelier Risco, fundado por Manuel Salgado. Falámos com Tomás Salgado, arquitecto e coordenar geral do atelier português, sobre o projecto e o impacto do legado de Gregotti na definição do que é o Risco
Manuela Sousa Guerreiro
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30 anos volvidos sobre a inauguração do equipamento cultural que é hoje Monumento Classificado, apenas três módulos foram efectivamente construídos: o Centro de Congressos e Reuniões, Centro de Espectáculos e Centro de Exposições. Faltam dois, os módulos 4 e 5, que vão dar origem a duas unidades hoteleiras (um hotel com 161 quartos e um aparthotel com 126 unidades), com comércio e serviços. Um programa em linha com o que foi preconizado pela dupla de arquitectos que concebeu o projecto original, Vittorio Gregotti e Manuel Salgado. Mas há ainda muito para desenvolver como conta ao CONSTRUIR o arquitecto Tomás Salgado.
30 anos depois a conclusão do Centro Cultural de Belém poderá estar para breve. Será desta?
Esperamos que sim! Estamos com muita esperança de que o processo se desenvolva, mas o mesmo já teve muitos avanços e recuos e enquanto não houver um vencedor do concurso de subcessão dos direitos de superfície lançado pela Fundação Centro Cultural de Belém (FCCB) não temos a certeza de nada. Eu não estava aqui [no atelier] em 1988 nem em 1992, mas desde 1995 até hoje já acompanhei muitos desenvolvimentos deste processo com diferentes administrações da FCCB e com muitos programas funcionais.
Este processo tem se estendido no tempo com muitas alterações…
Fizemos um caderno aqui há uns tempos com as várias propostas e resultou num trabalho bastante interessante. Houve uma fase em que o programa para os módulos 4 e 5 era totalmente dedicado a actividades culturais. Inclua uma biblioteca dedicada às artes do espectáculo, residências para artistas, etc. Mais tarde, com António Mega Ferreira [2006/2012] o programa mudou novamente e pensou-se num terceiro auditório para o CCB. Um auditório de dimensão intermédia entre o grande e o pequeno auditório. Depois, mais à frente, com o professor António Lamas [2012-2016] voltou-se ao programa hoteleiro. Ou seja, houve, ao longo destas décadas, uma série de diferentes opções por parte das diferentes administrações do CCB. Mas a determinada altura tudo aquilo esbarrou em questões administrativas sobre a titularidade dos terrenos que não estavam resolvidas. Só, de facto, com esta última administração [presidida por Elísio Summavielle] estas questões ficaram resolvidas de uma vez por todas e houve uma concretização do programa que vinha de trás, do professor Lamas, que era um programa fundamentalmente de hotelaria. E só agora estão reunidas as condições, até políticas, para este processo avançar em definitivo.
Mas quando foi concebido o programa original para os módulos 4 e 5 era voltado para a hotelaria?
Sim, sim. Aliás, em 1988 o programa de concurso já previa que estes últimos módulos fossem dedicados a hotelaria e ao comércio. É interessante que agora, passados 30 e tal anos e muitos programas diferentes, se tenha completado o círculo, tendo-se voltado ao início. A volumetria é um bocadinho diferentes daquela que estava prevista na nossa proposta inicial, em 1988, mas o programa é fundamentalmente o mesmo.
Quais são as diferenças entre o programa original e este novo traçado?
Em termos de traçado, quando se olha para a maqueta ou para os desenhos de 1988, os módulos 4 e 5 tinham uma frente virada para a Avenida da Índia, um muro baixinho que fazia de sucalcamento, como acontece nos módulos 1, 2, 3 e que suportam os jardins hoje existentes nestes módulos. Nos módulos 4 e 5, esse muro, na proposta original, era contínuo, muito comprido, com um terraço ajardinado. Por imposição da Câmara Municipal de Lisboa (CML) esse muro teve de ser interrompido por duas vezes, para não haver uma frente com comprimento superior a 100 metros, e isso introduz ali um fraccionamento que não existia na proposta original. Por outro lado, o corpo construído que está em cima dessa plataforma e que, na proposta de 1988, era um corpo baixinho e muito comprido, agora é um corpo partido em três e um pouco mais alto, que vai buscar umas cotas e uns alinhamentos do modulo 3 do CCB, resultando num corpo mais gordo e mais alto, que permite acomodar mais área de construção. Vamos ser claros: esta intervenção, neste momento, também tem o objectivo de ajudar a financiar a FCCB, pretendendo-se com este concurso que está em curso maximizar a renda anual que o subcessionários irá pagar à FCCB e para isso era preciso criar condições para se tornar um negócio interessante, do ponto de vista do investidor. Esta concepção financeira da operação não era tão clara em 1988.
Mas do ponto de vista do projecto essa alteração faz sentido?
Acho que do ponto de vista volumétrico não há nada de chocante, não sabemos se vai ser uma unidade ou se vai ser uma, partida em duas. Isso agora vai depender daquilo que os investidores pretenderem.
À espera da proposta vencedora
Quanto do projecto destes módulos está feito e quanto é que vai depender da proposta que vier a vencer o concurso?
Aquilo que existe neste momento para os módulos 4 e 5 é um Pedido de Informação Prévia (PIP) e um estudo preliminar que foi apresentado à CML, que foi aprovado e que fixa as volumetrias dos módulos 4 e 5, as alturas, os alinhamentos, as profundidades de empena, a posição dos estacionamentos. Isso está fixo. Agora, é preciso haver um vencedor deste concurso que irá herdar o contrato com a Gregotti Associati International e o Risco e, a partir desse momento, iremos começar a trabalhar para adaptar da melhor forma possível o que está determinado neste estudo preliminar àquilo que são as necessidades e os objectivos de negócio do vencedor do concurso. Sabendo que há limites, especificados no PIP, há muita coisa para desenvolver e isso irá permitir fazer “um fato à medida” de quem venha a operar e a explorar aquele empreendimento.
Olhando de forma crítica para o projecto do CCB neste momento. O projecto continua a fazer sentido?
Absolutamente! O CCB tem exactamente essa virtude que é ser quase inquestionável na sociedade portuguesa. Aliás, é curioso que se olhar para os jornais da época e se ler tudo aquilo que se escreveu na altura e as críticas que recebeu…que o projecto era “um atentado” … “que ia destruir a Praça do Império”, “que era uma coisa inconcebível” … e tudo o que se escreveu de negativo. Hoje, há poucos edifícios que se tenham integrado de uma forma tão clara como o CCB. Neste momento serão poucas as pessoas que passam por ali e sintam que aquilo é um corpo estranho. Acho que para a maior parte das visitantes o CCB esteve sempre ali. E isso é o maior elogio que se pode fazer ao projecto. Os módulos 4 e 5 têm a mesma natureza, foram desenhados da mesma forma, pelas mesmas pessoas, pelas mesmas cabeças. Aliás, a sua ausência é uma falha já que estes são fundamentais para garantir a transição entre a Praça do Império e o Bairro do Bom Sucesso que, até hoje, permanece por fazer pelo facto destes módulos nunca terem sido construídos.
O que se sucede agora em termos de calendarização?
O concurso tem uma série de procedimentos com prazos legais. Eu tenho ideia de que este processo não vai estar concluído em menos de um ano. Nós iremos trabalhar com quem ganhar.
Um projecto que moldou o atelier
Este projecto foi determinante para aquilo que é hoje o Atelier?
Sem dúvida. O Risco, em 1988, quando o meu pai [Manuel Salgado] foi convidado pelo professor Vittorio Gregotti para fazer o concurso, era uma estrutura muito pequena e fazia mais projectos de urbanismo do que projectos de arquitectura, embora tivesse já alguns projectos desenvolvidos. O CCB foi o grande salto do Risco. Estes foram anos de formação extremamente importantes para o meu pai e para o próprio Gabinete.
Como se dá esta ligação do professor Gregotti ao arquitecto Manuel Salgado?
Eles conheceram-se depois do 25 de Abril em algum momento. Depois, tiveram muitos anos sem se ver e em 1988 o professor Gregotti convidou o meu pai a participar neste concurso e seguiram-se anos de uma formação que foi extremamente importante para ele. Foram ensinamentos, uma maneira de ver o território e de fazer a arquitectura que depois passou para uma geração mais nova dentro do Risco, no qual eu me incluo, e na qual se incluem também o Nuno Lourenço, o Jorge Estriga e o Carlos Cruz. Fomos todos, de alguma forma, beber desta fonte de sabedoria que era o professor Gregotti. Muito do que fazemos hoje, em certa medida, é influenciado por esses anos.
E a preferência pela definição de traçados urbanos, pela geometria e a forma e por projectos públicos?
Olhamos para os desafios na lógica da cidade. Ou seja, por mais encaixado numa zona consolidada que esteja o projecto, procuramos sempre perceber o contexto envolvente, perceber como é que a cidade, como é que o território envolvente, funcionam. Seja ele mais construído ou menos construída, há sempre essa procura de perceber o lugar e de como o edifício em projecto pode ajudar à sua composição. Esta forma de ler os edifícios do ponto de vista da cidade é transversal a tudo o que fazemos e isso é, claramente, um dos ensinamentos do professor Gregotti. E depois há um outro exercício que é o de olhar para topografia, quer seja a existente quer seja a que vai resultar da nossa intervenção, que também é claramente um dos legados do professor. E o CCB nisso é muito evidente. A forma como se criaram aquelas plataformas, a forma como estas se relacionam para fora, a vista que proporcionam em direcção ao rio, mas também a forma como foram construídos os jardins elevados. Tudo isso está relacionado com esta maneira de ver.
Há um outro tema que é muito comum aos nossos projectos e que, de certa forma, pode encontrar raízes no CCB, que é o rigor do desenho, a procura de uma geometria forte, ter regras de desenho que ajudam a estruturar o projecto é uma coisa que é muito evidente no CCB e que também está muito presente nos projectos que desenvolvemos. O CCB foi fundamental na construção da nossa identidade.
Quando o concurso foi apresentado foi referido o impacto do projecto na reabilitação desta zona da cidade. É assim?
Actualmente existe uma quantidade de visitantes na zona de Belém que percorre o passeio da Avenida da Índia para ir desde o Mosteiro dos Jerónimos até à Torre de Belém. Um dos objectivos do projecto inicial é que esse percurso fosse feito pelo CCB, iniciando por baixo do módulo 1, passando à frente das bilheteiras do módulo 3, subindo as escadas em direcção à praça do museu, depois passando por baixo de um arco que há no fim da praça e, por ali fora, atravessando depois o Bairro do Bom Sucesso. O que acontece hoje é que a praça do museu, onde se acede ao MAC CCB, está tamponada, tem uma tenda e ninguém faz esse percurso. A construção destas peças finais do projecto vai viabilizar esse percurso e dar uma nova vida não tanto para o interior dos módulos 1, 2 ou 3, mas para o espaço a poente do CCB, que hoje em dia é um descampado vedado e que vai passar a ter ruas, lojas, cafés, esplanadas e ser um acesso a tudo o que se prolonga a seguir ao CCB. Toda essa zona tem vindo a ser requalificada e com esta abertura vai ganhar uma dinâmica extraordinária.
Este para si é um projecto especial?
São todos especiais, mas este, em particular, permite honrar a memória do professor Gregotti, que era uma pessoa por quem todos tínhamos uma enorme admiração e que infelizmente já cá não está. Tem essa componente mais sentimental, se quiser. Agora, também vai ser especial porque vai envolver pessoas, como o meu pai, que ainda cá está e de boa saúde, embora já não faça parte da estrutura e do dia-a-dia do atelier há 15 anos. É natural que se este trabalho de facto acontecer, como esperamos que aconteça, que ele venha a estar envolvido porque, ele sim, teve uma participação no projecto muito profunda e vai ser um momento muito importante para ele voltar a trabalhar neste projecto.
O Risco tem em mãos outros trabalhos. O que estão neste momento a desenvolver?
As coisas mudaram um pouco porque a natureza dos projectos tem sido um pouco diferente daquela que tínhamos no passado. Em termos de projectos de maior dimensão estamos a finalizar um projecto de habitação e escritórios para um promotor privado. Um projecto para a zona do Lumiar, Alameda das Linhas de Torres, que irá criar 450 fogos de habitação e dos edifícios de escritórios. Tem uma escala bastante importante, embora seja um projecto em que não fomos responsáveis pelo desenho urbano porque o nosso cliente, quando adquiriu a propriedade, já existia um projecto de loteamento aprovado. Portanto, estamos a projectar os edifícios previamente concebidos em termos volumétricos pelo autor do projecto de loteamento, Não é a mesma coisa que começar a folha em branco. Estamos a finalizar um projecto muito interessante que já dura há muitos anos que é o Convento do Beato.
Esse é um projecto com várias fases
Sim, fizemos o centro de eventos e estamos a concluir a obra da primeira fase residencial, depois vai seguir-se uma segunda fase residencial e a Igreja. É um projecto também bastante importante para o atelier. Estamos a desenvolver a Academia de Futebol do Futebol Clube do Porto, na Maia, para as camadas jovens do FCP.
Que, segundo o FCP está quase pronto…
É um projecto bastante interessante que está a caminho mais ainda tem ali algum trabalho para fazer. Depois há já alguns anos que temos vindo a desenvolver um trabalho muito interessante com o grupo Luz Saúde, que vai variando entre os hospitais do grupo e as clínicas, variando entre projectos de média e grande dimensão. E temos mais alguns desafios pela frente que o grupo ainda não tornou público, mas é um trabalho interessante porque acaba por ter uma logica sequencial, até nas soluções que se levam de uns para os outros e que se vão melhorando. Também em execução está a fase 3 da Cidade do Futebol para a Federação Portuguesa de Futebol e que engloba um pavilhão de futsal, as instalações definitivas do canal 11, e as instalações da Portugal Futebol School. Ganhamos o concurso para o HUB do Mar (Lisboa) e estamos à espera do visto do Tribunal de Contas para arrancar em força.