“O segredo está em surpreender”
Miguel Câncio Martins prepara-se para se estrear como hoteleiro com dois projectos que agarram conceitos diferentes mas que, como já vem sendo hábito nos seus trabalhos, prometem surpreender
Ana Rita Sevilha
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Depois de largos anos fora de Portugal, Miguel Câncio Martins está de regresso ao País. O arquitecto prepara-se para se estrear como hoteleiro com dois projectos que agarram conceitos diferentes mas que, como já vem sendo hábito nos seus trabalhos, prometem surpreender – a Quinta da Comporta, na Comporta e o Palácio Ludovice, em Lisboa.
O facto do seu pai também ser arquitecto influenciou o seu percurso profissional?
Miguel Câncio Martins: Inconscientemente acho que sim. O facto de ver, em casa, o meu pai a fazer desenhos, a falar e a sensibilizar para a arquitectura e mesmo as visitas que fazíamos, em Portugal e lá fora, para ver edifícios e monumentos, fez com que, ainda que inconscientemente, me tenha levado a seguir o mesmo caminho.
Nasceu em Lisboa, estudou em Bruxelas, viveu mais anos fora de Portugal do que dentro. Tem obra feita nos quatro cantos do Mundo, mas é na Comporta e seguidamente em Lisboa, que se vai estrear como hoteleiro. O que o levou a escolher Portugal para esta estreia?
Na verdade, uma parte dessa equação foi uma questão de oportunidade. A determinada altura comecei a vir a Portugal quase todos os meses, para depois passar a vir a cada duas semanas, depois todas as semanas. Até que cheguei a um ponto em que disse para mim mesmo: “Numa altura em que todos os estrangeiros se estão a mudar para Portugal, eu continuo a viver no estrangeiro?”. Achei que aqui havia muito mais oportunidades de trabalho. Por isso, decidi fechar o escritório em Paris e mudar-me para cá em definitivo.
O que podemos esperar destas duas novas unidades hoteleiras em termos de arquitectura e design?
Fundamentalmente, espelham a minha maneira de ver as coisas, uma adaptação aos lugares de cada um dos projectos. No caso da Comporta, eram armazéns de arroz com uma eira junto aos arrozais, situados na aldeia mas perto do mar. Aqui, vou fazer uma unidade hoteleira mesmo ao género da Comporta, à imagem do que se vê nas revistas em termos de casas particulares naquela zona. No fundo, é essa a imagem que queremos transmitir, onde se perceba o espírito Comporta.
Já em Lisboa, trata-se de um prédio do século XVIII desenhado por Ludovice, que foi o arquitecto do Rei. Aqui, vamos fazer uma unidade hoteleira clássica. Neste momento, estão a abrir em Lisboa muitos restaurantes e hotéis bons e muito giros, mas eu quero fazer uma coisa diferente, clássica, para fazer concorrência aos hotéis clássicos em Lisboa, que já são poucos. A temática do hotel estará ligada ao vinho do Porto.
Há cerca de sete anos a esta parte, numa entrevista, referiu sobre Lisboa que “gostava de ajudar a melhorá-la”, argumentando que se tratava de uma cidade com imenso potencial mas que “faltava desenvolvê-lo”. Como olha para a cidade hoje?
Está completamente diferente. Olhando para as coisas boas, acho que a Câmara de Lisboa tem feito um trabalho excelente. As obras chateiam um pouco, mas os resultados têm sido muito bons. Deixo só uma nota de atenção para alguns edifícios que estão a ser demolidos, por facilidade, dando lugar à construção de edifícios muito modernos que depois não estão enquadrados. Faz todo o sentido deixar esta nota de alarme. Embora nesta altura ainda não sejam muitos, importa ter cuidado.
Por essa altura sublinhou também o potencial do espaço onde antes esteve a Feira Popular, na zona de Entrecampos. O que desenhava para ali?
Fazia pouca construção e muito jardim. Infelizmente, esse espaço já está tão inflaccionado que, para que o investimento a fazer possa ser rentabilizado, o promotor vai querer construir, o que muitas vezes se traduz num erro.
Ao nível da Reabilitação Urbana, recordou alguns edifícios de valor que estão a ser demolidos para, no lugar deles, surgirem edifícios modernos e pouco enquadrados. Para além disso, ao nível das políticas de intervenção no Centro Histórico de Lisboa, como olha para esta dinâmica que já se sente também em outras cidades europeias e, em algumas, delas com resultados menos positivos?
Acho que acaba por ser a “lei da vida”. É lógico que todos gostamos do pequeno comércio, mas também somos pressionados a modernizar a cidade. Antes, as grandes marcas não estavam cá e, hoje em dia, também é interessante que não só essas marcas estão cá, como as pessoas vêm cá para as comprar. Isso é importante para a dinâmica de uma cidade. Também acho muito interessante os comércios típicos que estavam a desaparecer e que renascem agora modernizados, como o caso d’A Vida Portuguesa, que é um sucesso. Quando refiro a “lei da vida” é porque se perde de um lado mas ganha-se do outro. Esta dinâmica transformou Lisboa num ponto vital na Europa e no Mundo, como era no tempo das Descobertas. Temos de salvaguardar a nossa identidade, porque também é isso que torna Lisboa única. As pessoas procuram Portugal pela nossa diferenciação, pela autenticidade, pela gastronomia…Estamos num período da vida do País como não existia há muito tempo. São oportunidades que temos de aproveitar. Espero que o nosso Governo, que até aqui tem dirigido bem o barco, não faça disparates.
Já desenhou restaurantes, bares, hotéis, lojas, barcos, casas…há algum programa que ainda não tenha feito e que gostasse muito de fazer?
É lógico que depois de fazer tantos restaurantes e bares, apeteça fazer coisas novas. É um bocado à imagem da minha história com a hotelaria: sempre disse que queria desenhar hotéis e acabei por conseguir e trabalhar com quase todas as cadeias hoteleiras grandes e independentes. Neste caso, sempre acompanhei os meus clientes para além do projecto de arquitectura. Sempre me interessei pela parte operacional, de gestão, de eventos, sempre participei muito. Foi isso que me fez crescer no meio hoteleiro. Agora, gostava de fazer uns quantos hotéis meus, embora tenha todo o prazer em trabalhar para outros grupos.
A luz é, muitas vezes, referida em artigos e descrições sobre projectos da sua autoria. É uma marca no seu trabalho? Existe uma linguagem Miguel Câncio Martins?
Acho que não desenvolvi nenhum estilo muito preciso. Gosto de me adaptar a cada projecto, a cada cliente, a cada história. É uma espécie de estudo de psicologia que cruza o meu cliente, o programa de projecto e o lugar. Com estas três coisas, faço a minha cozinha mas depois existem os ingredientes com que gosto de trabalhar e é aí que entra a luz, os materiais naturais e a simplicidade. No caso da luz, trabalhei muitos projectos de restaurantes, projectos onde é preciso diferenciar os clientes do dia dos da noite. É importante distinguir os diferentes ambientes e aqui a luz é muito importante.
Por causa dos seus projectos, da luz e da forma como transforma espaços já lhe chamaram mágico. O Le Figaro, por causa do projecto para o Bar Dobbies , referiu: “Como pode uma varinha mágica transformar uma simples cantina num bar tão extravagante?”. O segredo do sucesso está em surpreender?
Sim, completamente! Costumo contar esta história: quando fiz o Barfly, em Paris, toda a gente adorou e ficou surpreendida porque era algo completamente diferente do que se fazia na altura. Depois, as pessoas começaram a comentar: “Era tão bom se tivéssemos isto na nossa cidade…”. Então, replicámos quase a mesma coisa em Los Angeles. Foi um sucesso. Mas quando lá fui, achei que era como beber uma garrafa de champanhe que já está aberta, faltava-lhe o gás, perdeu o interesse. Foi uma experiência para mim e fez-me perceber que não o voltarei a fazer.
Pegando ainda no factor surpresa, num dos seus projectos de restauração, colocou a cozinha na montra…
Foi um restaurante que fiz para um grande profissional da restauração, o proprietário dos Hippopotamus, um senhor com muita experiência em restauração e que concebeu diversos conceitos. Isto passou-se na altura das “vacas loucas” e ele teve a ideia de fazer um conceito só com carnes brancas. O espaço era, como se diz em Paris, um “sítio maldito”, que nunca funcionou. Tudo o que se abria lá acabava por falir. Ele pegou naquilo e veio ter comigo com ideias muito específicas do que queria. Eu agarrei e fiz completamente o oposto do que ele estava a pensar, ou seja, fiz o restaurante ao contrário: a cozinha e o bar na fachada e a zona de estar lá dentro. Quando nos sentámos para lhe mostrar, ele ficou a olhar para mim, e disse: “Não foi nada disto que eu pedi”. Mas, depois, começámos a falar e no fim disse-me: “Tens razão, eu sei contar até ao último cubo de açúcar e ganhar dinheiro, mas disto percebes tu”. Foi um sucesso e existe até hoje.
Também fiz outro projecto, num lugar semelhante, onde tudo o que abria parecia não dar certo. Uns amigos meus pegaram naquilo e chamaram-me. Neste caso, parte do edifício era em tambor e tinha uma cúpula em betão. Quando vi aquilo decidi: “Vamos já partir esta cúpula”. Os proprietários, ao princípio, ainda resistiram mas depois concordaram. “Vamos pôr um telhado de vidro”, disse-lhes. Aquilo tornou-se o evento da noite durante o jantar. Quando começava a música e abria a cúpula era um espectáculo.
Dá-me especial prazer ver um edifício que parece que não vai dar em nada e colocá-lo a funcionar. É desafiante.
Neste momento, quantos projectos tem em desenvolvimento e quantos deles são em Portugal?
Os trabalhos que tenho em mãos, são quase todos em Portugal. Vim para cá para me concentrar por cá. Estou a fazer um projecto muito giro, de um hotel, numa ilha que era uma fortaleza, à entrada de Montenegro. É uma pequena jóia. É um projecto bastante exigente, porque não se pode construir praticamente nada. Só havia quartos nas celas, sem luz e estamos no meio do mar, logo temos de fazer quartos com vista. Como é que abordámos o assunto? Fizémos uns quartos rasgados, muito bem escondidos e confundidos na paisagem e tudo o resto enterrado. A ilha fica quase sem intervenção visível. É um projecto que está a correr muito bem. Depois, temos habitação, uma residência de estudantes e, claro, os dois hotéis: o Palácio Ludovice, em Lisboa, e a Quinta da Comporta, na Comporta.