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    Opinião

    Tutela da legalidade urbanística versus liberdade contratual

    “Este novo enquadramento impõe, mais do que nunca, a identificação rigorosa do objecto do negócio jurídico, fundamental para assegurar a clareza e a segurança jurídica nas transações imobiliárias. As partes envolvidas têm, portanto, a liberdade – e a responsabilidade – de estabelecer uma regulação contratual minuciosa (…)”

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    Tutela da legalidade urbanística versus liberdade contratual

    “Este novo enquadramento impõe, mais do que nunca, a identificação rigorosa do objecto do negócio jurídico, fundamental para assegurar a clareza e a segurança jurídica nas transações imobiliárias. As partes envolvidas têm, portanto, a liberdade – e a responsabilidade – de estabelecer uma regulação contratual minuciosa (…)”

    Sara Quaresma
    Sobre o autor
    Sara Quaresma

    Com a introdução do Simplex Urbanístico no ordenamento jurídico através da publicação do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, assistimos à revogação de um conjunto de normas e diplomas legais anteriormente vigentes que o legislador considerou que se mostravam obsoletos ou redundantes, no contexto de simplificação e desburocratização administrativas que esta reforma visa prosseguir.

    De entre os diplomas revogados, destaca-se o Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de julho, que estabelecia a disciplina aplicável à exigência de apresentação de licença de construção ou de utilização na celebração de atos de transmissão da propriedade de prédios urbanos. Até agora, era nesta sede que se regulamentava a obrigatoriedade da apresentação dos respetivos títulos nos atos de transmissão de propriedade de imóveis urbanos.

    De acordo com o regime consagrado neste diploma, alterado em 2008, no âmbito de uma reforma (também) de simplificação administrativa, não podiam ser realizados atos que envolvessem a transmissão da propriedade de imóveis, sem que se fizesse prova da existência de autorização de utilização ou da sua inexigibilidade.

    O legislador justifica a revogação deste diploma no âmbito da simplificação procedimental que marca o Simplex Urbanístico, considerando que, com esta medida, são eliminadas determinadas formalidades relacionadas com a compra e venda de imóveis que não representam valor acrescentado – como seria então o caso da obrigatoriedade de exibição ou prova da existência de autorização de utilização ou de demonstração da sua inexigibilidade.

    A eliminação desta obrigatoriedade traduz, contudo, uma importante mudança no ordenamento jurídico cujo alcance vai para além da mera dispensa de formalidades relacionadas com a compra e venda de imóveis. O Decreto-Lei n.º 281/99, através de um princípio de inalienabilidade, excluía do comércio jurídico prédios urbanos que não dispusessem de autorização de utilização ou de demonstração da sua inexigibilidade.

    Este princípio não se limitava a ser uma mera formalidade, antes consubstanciava um mecanismo de proteção da legalidade urbanística, com primazia sobre a liberdade contratual das partes, assegurando que as edificações urbanas cumprissem com os requisitos legais e normativos estabelecidos, refletindo assim uma preocupação com a ordem urbanística.

    À luz do atual quadro legal, e de acordo com as alterações introduzidas pelo Simplex Urbanístico, abandonam-se as formalidades e exigências quanto à exibição ou prova da existência de autorização de utilização e passa a impôr-se, aos intervenientes nos atos de transmissão de prédios urbanos (conservadores, notários, ajudantes escriturários, solicitadores ou advogados), um dever de informação de que o imóvel pode não dispor dos títulos urbanísticos necessários para a sua utilização ou construção.

    Tal como a norma prevista no agora revogado Decreto-Lei n.º 281/99 não se limitava a consagrar uma mera formalidade, o alcance do novo enquadramento jurídico constante do Simplex Urbanístico, reconduzido a um dever de informação, vai para além da dispensa de uma formalidade nas transacções imobiliárias.

    Com este regime, o legislador permite que determinados bens imobiliários que estavam antes fora do comércio jurídico por não disporem dos respectivos títulos urbanísticos, possam agora ser objecto de transacções imobiliárias. Salvaguardadas outras contingências que possam obstar à transmissão de prédios urbanos, vê-se assim alargado o leque de imóveis que podem agora ser transacionados.

    Há que sublinhar que, sem prejuízo da possibilidade de transmissão de imóveis sem os necessários títulos urbanísticos, a legalidade urbanística das edificações continua a ser um imperativo. No entanto, a salvaguarda da legalidade urbanística, deixa de ser tutelada por um normativo legal, passando as partes a ter uma maior disponibilidade para conformar os seus interesses nos negócios imobiliários.

    Este novo enquadramento impõe assim, mais do que nunca, a identificação rigorosa do objecto do negócio jurídico. Este rigor é fundamental para assegurar a clareza e a segurança jurídica nas transações imobiliárias. As partes envolvidas têm, portanto, a liberdade – e a responsabilidade – de estabelecer uma regulação contratual minuciosa, definindo os mecanismos contratuais adequados que sejam capazes de proteger adequadamente suas posições jurídicas, abrangendo aspectos críticos como: preço, declarações e garantias, indemnizações específicas, entre outros.

    Este será, entre outros, mais um desafio do Simplex Urbanístico que se terá que enfrentar.

    NOTA: A autora escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico

    Sobre o autorSara Quaresma

    Sara Quaresma

    advogada, sócia da área de Imobiliário e Urbanismo da Cuatrecasas
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