Sobre as necessidades de mão de obra
Costumo dizer, de forma responsável, mas também humilde, que não haverá Transição Energética, nem Transformação Digital sem os prestadores de serviços, vulgarmente designados de Instaladores, visto que são eles que executam as obras no terreno
João Rodrigues
director executivo da Associação Portuguesa dos Industriais de Engenharia Energética (APIEE)
Agora que passámos o habitual período do ano utilizado por uma grande maioria dos portugueses para o gozo das merecidas férias, é tempo de voltar à normalidade e de olharmos para os grandes desafios que estão à nossa frente.
Tenho a certeza de que todos os leitores deste jornal, já por inúmeras vezes se depararam com notícias sobre a falta de mão de obra sentida em múltiplos sectores da nossa economia. Muitos desses leitores, seguramente que convivem diariamente com essa realidade no seio das suas empresas, tendo de a resolver das mais diversas maneiras.
Porque os associados da APIEE já há muito tempo que enfrentam esta realidade, temos vindo a sensibilizar as várias partes interessadas do nosso ecossistema, para a necessidade de, em conjunto, encontrarmos medidas que ajudem a resolver gradualmente esta situação.
Tenho consciência que se trata de um problema complexo de resolver, pelo que evito a procura de soluções simplistas, mas confesso que me exaspera um certo sentimento de que se fala muito, mas… faz-se muito menos que o necessário.
E estando a escrever este artigo no início da semana que começou a 16 de Setembro e ainda tendo na memória algumas notícias veiculadas durante o fim de semana, nos canais da RTP, sobre a falta de mão de obra no sector da construção civil, do turismo e da restauração, pergunto-me “mas qual a novidade?”.
Numa dessas notícias era entrevistado um responsável por uma obra de construção civil que confirmava da enorme dificuldade de contratação de pessoas, sejam técnicos com formação superior, ou técnicos especializados, ou até mão de obra indiferenciada… complementando de seguida que o mesmo se passava nas restantes especialidades, como sejam a electricidade ou as mecânicas.
E, chegados aqui, volto a perguntar-me “mas qual a novidade?”. Recordo-me inclusive o título de um recente editorial assinado pelo Ricardo Batista, que tinha um título que me pareceu muito feliz… escrevia ele que “há obra, mas não há mão”.
E se “há obra, mas não há mão”, volto a recordar-me de outras recentes notícias que julgo, na sua essência, todos estaremos de acordo com elas. Refiro-me aos anúncios realizados, nesse mesmo fim de semana, que o governo pretende construir quase 59.000 casas até ao final de 2030, ou seja mais do que duplicar a anterior ambição de cerca de 26.000 novas casas.
Repito, todos estamos de acordo em aumentar o número de novas casas, bem como de melhorar os centros de saúde e os hospitais, bem como de melhorar as escolas onde os nossos jovens se preparam para o futuro. Que não haja dúvida, todos concordamos com essas ambições. E certamente todos temos vontade de contribuir activamente para alcançar estes objectivos.
Da mesma forma que concordamos com a ambição de descarbonizar a economia, através da produção de mais electricidade verde e pelo desenvolvimento da fileira dos gases de base renovável, que irá permitir a manutenção da competitividade da nossa economia.
E seguramente que todos também estamos de acordo com a necessidade de investir no sector das telecomunicações, garantindo que toda a sociedade tira o maior partido das tecnologias digitais mais promissoras.
E certamente que todos ficaremos satisfeitos se Portugal for capaz de captar mais investimento directo estrangeiro, seja através do desenvolvimento das novas fileiras industriais, seja por efeito da ambição da reindustrialização da Europa. Se o nosso país foi recentemente considerado o país mais atractivo do mundo para novos investimentos industriais, julgo que temos de saber tirar partido dessa oportunidade.
Mas permitam-me trazer aqui uma dose de realismo, baseada na realidade experienciada diariamente pelos nossos associados, que nas áreas da electricidade, gás e telecomunicações enfrentam enormes dificuldades de contratação, bem como de retenção dos técnicos que TODOS necessitamos.
E escrevo TODOS porque considero que a contratação desses técnicos não resolve apenas uma necessidade dos nossos associados, mas sim resolve uma necessidade de TODA a nossa sociedade!
Costumo dizer, de forma responsável, mas também humilde, que não haverá Transição Energética, nem Transformação Digital sem os prestadores de serviços, vulgarmente designados de Instaladores, visto que são eles que executam as obras no terreno.
Então, se estamos de acordo de que toda a nossa sociedade beneficia dos contributos destes profissionais, julgo necessário que actuemos com o necessário senso de responsabilidade e urgência e que se procurem conjuntamente as necessárias soluções. Considero ser este o momento de as entidades publicas, o sector privado e as associações empresariais se sentarem à mesa e mostrarem que estão á altura do desafio.
Eu acredito que seremos capazes e que a dignificação destas profissões, devidamente reconhecidas por toda a sociedade e, naturalmente adequadamente remuneradas, seja a forma de estruturalmente resolvermos a dificuldade de atrair e reter profissionais nos sectores da electricidade, do gás e das telecomunicações.
NOTA: O Autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico