Simplex urbanístico: O que já sabemos e não gostámos
Sob o título SIMPLEX URBANÍSTICO – O QUE QUEREMOS TAMBÉM ESPERAR, abordámos a temática das regulamentações municipais distintas em matérias em que não existem especificidades municipais que o justifiquem, designadamente, quanto à instrução dos procedimentos urbanísticos, às normas de apresentação dos projetos e à singularidade de o Sistema Informático do RJUE (SIRJUE), instituído em 2008, não ser ainda uma realidade a nível nacional, sem que se perceba o porquê
Aprovada, a 19.05.2023, a proposta de Lei n.º 77/XV, que autoriza o Governo a alterar, entre outros, os diplomas fundamentais em matéria de urbanismo e ordenamento do território, e divulgado o projeto de decreto-lei autorizado; nas referidas matérias e no âmbito do segundo eixo desta reforma (no total de oito) – medidas para simplificação de procedimentos urbanísticos para obtenção de licenças urbanísticas ou para realização de comunicações prévias –, enfatiza-se no preâmbulo do decreto-lei que a simplificação de procedimentos urbanísticos envolve a criação de condições que permitam uma mais fácil interação com os municípios, uma maior transparência e uma maior uniformização dos procedimentos. É assim alterado o artigo 3.º do RJUE, estipulando-se que os regulamentos municipais só podem abranger certo tipo de matérias, não podendo, por exemplo, abordar matérias relativas aos procedimentos administrativos ou a documentos instrutórios, assim procurando tornar os procedimentos mais semelhantes nos vários municípios do País.
Saúda-se esta medida esperando que a portaria do Governo que irá regular estas matérias tenha presente que, também a nível instrutório, há que diferenciar as exigências em função das características das operações urbanísticas, considerando a sua dimensão, localização ou simplicidade em função dos respetivos impactos na envolvente urbana e se alteram ou não os condicionamentos fixados em eventuais títulos de operações urbanísticas existentes, como se escreveu na expetativa do diploma. Só assim é possível aliviar e, em muito, a carga burocrática associada à instrução dos processos. Já há regulamentos municipais que são um bom exemplo nesta desgraduação de exigências instrutórias.
Mas saúda-se a medida nesta estrita medida. Com efeito, as demais alterações em matéria de regulamentação municipal levantam sérias reservas e de diferente natureza. Não é preciso que o legislador venha dizer o que os regulamentos municipais não podem fazer sob pena de nulidade, já que para tanto rege a Constituição e a lei. Esta alteração, para além dos problemas de constitucionalidade que convoca, tem subjacente um princípio que perpassa numa grande parte do SIMPLEX URBANÍSTICO para além das habilitações para a regulamentação municipal, qual seja, o da desconfiança do legislador nacional quanto à capacidade de os municípios serem aptos a simplificar as suas práticas de gestão urbanística. Mais, a nosso ver, assenta na premissa oposta. Os municípios não são sequer capazes de bem aplicar a lei em vigor. E assim, o Governo, de forma paternalista, tem necessidade de repetir e esclarecer o que já consta da lei há muitos anos, como seja, entre outras situações, a dispensa de apreciação dos projetos das especialidades.
Para além da atitude, permitam-nos, de menoridade municipal que está subjacente a muitas das alterações propostas (aguardamos com expetativa o parecer da Associação Nacional de Municípios), apresentar-se como novidade a existência de uma Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos quando o SIRJUE nasceu há 15 anos é incompreensível (e as novidades que não são novidades, não se quedam por aqui), evidenciando outras das tendências pesadas desta “reforma”, a de que a pressa não é boa conselheira”. Importa, sim, melhorar o SIRJUE como aponta o diploma ao indicar novas funcionalidades e tirando partido das potencialidades da inteligência artificial, e em definitivo, garantir que todos os Municípios o utilizam.
Nota: a Autora escreve de acordo com o Novo Acordo Ortográfico