Risco Sísmico em Portugal: um problema crítico, mas subestimado
“A cultura de prevenção e mitigação do risco sísmico deve, assim, ser amplamente promovida (…). Uma medida chave passa por fomentar a colaboração entre empresas e universidades, de modo a congregar experiência e conhecimento e favorecer a implementação de soluções inovadoras como o “isolamento de base”, para atenuar o efeito dos sismos sobre as estruturas (…)”
O sismo sentido na passada madrugada de 26 de agosto, com epicentro a oeste de Sines, reavivou em Portugal a discussão pública sobre o risco sísmico.
O risco sísmico resulta de uma ponderação entre a probabilidade de ocorrência de sismos e o potencial impacto que os mesmos possam ter. Em Portugal, embora a probabilidade de ocorrência de sismos fortes seja relativamente reduzida (e.g. face a países como a Itália, Turquia e Grécia), o seu potencial impacto é preocupante, sobretudo devido ao estado do edificado, em particular em zonas como Lisboa. Neste contexto, a seguir a Istambul, Lisboa é a cidade europeia com maior risco sísmico.
De facto, o problema não são os sismos em si mesmo, mas a capacidade dos edifícios e infraestruturas para resistir aos sismos. Preocupantemente, estima-se que mais de metade dos edifícios no nosso país, incluindo hospitais e quartéis de bombeiros, não estarão devidamente preparados, seja pelos insuficientes requisitos da legislação em vigor à data da sua construção, seja pelas intervenções amadoras, muitas vezes ilegais e desconhecidas, que foram sofrendo ao longo do tempo.
Ao nível nacional existe regulação anti-sísmica desde 1958, por sua vez revista em 1983, encontrando-se atualmente em vigor, de forma exclusiva apenas desde 2022 (segundo o despacho normativo nº 21/2019), o regulamento europeu denominado por Eurocódigo 8. Adicionalmente, somente a partir de 2019 (segundo a portaria nº 302/2019) passou a ser obrigatória a verificação da segurança sísmica para obras de reabilitação (ampliação, alteração ou reconstrução), sob determinados critérios.
O regime regulamentar poderia, contudo, ser mais eficaz, não fossem os atuais desafios da construção, focados em custos e prazos, que tendem a desvalorizar os serviços de projeto (particularmente de engenharia) e a transferir demasiada responsabilidade para os empreiteiros. Estes, por sua vez, frequentemente condicionados pela estratégia do preço mais baixo, podem procurar compensar prejuízos ou incrementar ganhos com trabalhos a mais e redução de custos em materiais e mão-de-obra, comprometendo a qualidade pretendida.
Neste sentido, não só a contratação e valorização das competências e capacidades necessárias como também a supervisão em projeto e obra se tornam essenciais, não devendo bastar uma simples declaração do projetista ou do empreiteiro dizendo, respetivamente, que o projeto cumpre com a legislação em vigor ou que a obra está em conformidade com o projeto.
O dono de obra deve, assim, investir em serviços de projeto (e revisão de projeto), consultoria e fiscalização, assegurando ainda a contratação da obra pelo preço justo, sabendo que isso significará mais segurança e melhor value for money no médio-longo prazo. A saber que os custos associados a este tipo de serviços, incluindo a conceção e execução do necessário reforço sísmico, são geralmente irrisórios face ao valor global da obra e praticamente nulos quando se analisa o ciclo de vida do ativo construído.
A inação em Portugal para enfrentar o problema sísmico de forma preventiva deve-se não só à falta de sensibilidade e capacidade da administração pública para implementar, monitorizar e controlar as medidas mais adequadas, mas também à falta de consciência e conhecimento do público em geral, que acaba por priorizar outros aspetos relacionados com o conforto da habitação.
A cultura de prevenção e mitigação do risco sísmico deve, assim, ser amplamente promovida, a um nível equiparável ou superior ao de ações que têm vindo a ser levadas a cabo, por exemplo, nas áreas da sustentabilidade e digitalização.
Uma medida chave passa por fomentar a colaboração entre empresas e universidades, de modo a congregar experiência e conhecimento e favorecer a implementação de soluções inovadoras como o “isolamento de base”, para atenuar o efeito dos sismos sobre as estruturas, particularmente as de maior importância (e.g. hospitais).
O mapeamento da vulnerabilidade sísmica das cidades – através de programas como o “ReSist”, que resulta de uma colaboração entre a CML e o IST para promover a resiliência sísmica dos edifícios e infraestruturas em Lisboa – é também recomendado, pressupondo para tal o adequado registo prévio do património, que pode ser facilitado com a utilização de tecnologias digitais na área do “Building Information Modelling” (BIM).
Adicionalmente, sabendo que o seguro contra sismos não é obrigatório por lei e que apenas 15% das habitações em Portugal têm este tipo de cobertura, pode ser criado um fundo sísmico nacional, à semelhança de países como Turquia, Espanha e Nova Zelândia.
Por fim, importa salientar que os casos de negligência para com regras legais, regulamentares ou técnicas, que causem perigo para a vida ou integridade física de outrem, ou seja, mesmo sem a necessidade de ocorrência de acidente, além de eventuais perdas de reputação e de outras penalizações, segundo o Código Penal, sem prejuízo da elegível responsabilidade civil, podem implicar penas de prisão até 8 anos.
Nota: O Autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico