Os Desafios da Arquitetura
A legislação recente, como o Simplex, apesar de bem-intencionada nos princípios, foi feita de forma algo confusa, sem o devido diálogo e interlocução. Resultado? (…) Depois de todo o fogo de artifício, (…) os arquitetos constatam que tiveram um período intensivo de adaptação, mas os problemas de fundo são idênticos
O ano de 2024 apresenta uma série de desafios relevantes para o setor da Arquitetura. O País necessita que os arquitetos contribuam de forma eficaz para a concretização dos principais objetivos nacionais e para a resolução dos mais relevantes problemas da nossa vida, nomeadamente, a habitação e a vivência em espaço urbano com qualidade de vida. A intervenção pública que é necessária por parte da Arquitetura portuguesa ainda não alcançou todo o seu potencial. Por essa razão, elencamos alguns dos pontos fundamentais e que a atividade profissional enfrenta.
Desde logo, a sustentabilidade e inovação. Tanto em Portugal, como na Europa, sabemos que a construção enfrenta desafios similares. Os parâmetros legais aplicáveis à construção frequentemente desencorajam a reutilização e a recuperação de materiais, prejudicando os esforços para promover uma abordagem mais sustentável. É necessário um verdadeiro compromisso em mudar essas práticas, porque a demolição de edifícios existentes está tão ultrapassada como o desperdício de alimentos, a fast fashion e os plásticos descartáveis. Importa que a legislação da UE torne a renovação de edifícios mais acessível, simplificada e socialmente orientada, permitindo que diminua drasticamente a demolição de edifícios existentes e se promova uma abordagem legislativa mais robusta para a reutilização de materiais e estruturas. Isso pode ser alcançado através de incentivos fiscais para renovações e materiais reutilizados, critérios justos de avaliação de edifícios existentes e a inclusão de novos valores ambientais na construção.
Depois, devemos enfrentar a terrível burocracia. A situação atual da tramitação processual é um dos principais problemas e, provavelmente, a razão maior dos desperdícios de tempo e recursos num setor tão importante como a Arquitetura. A legislação recente, como o Simplex, apesar de bem-intencionada nos princípios, foi feita de forma algo confusa, sem o devido diálogo e interlocução. Resultado? Duas ou três medidas com alguma utilidade. Mas, depois de todo o fogo de artifício, e após inúmeras formações, sessões de estudo, etc, os arquitetos constatam que tiveram um período intensivo de adaptação, mas os problemas de fundo são idênticos. O novo pacote de medidas legislativas demonstrou a sua limitação em resolver questões complexas, como os procedimentos urbanísticos, quando se usam apenas pressuposto jurídicos e não se incorpora mais conhecimento técnico nos processos legislativos e não se evitam abordagens simplistas. As adaptações legislativas na Arquitetura devem ser consistentes e abordar os problemas fundamentais para evitar apenas mudanças superficiais, como foi o caso.
Necessitamos também de defender a qualidade Arquitetónica e a compensação Justa dos arquitetos. Em Portugal, a decisão sobre os serviços de Arquitetura é predominantemente baseada no preço, ignorando critérios qualitativos. Isso leva à depreciação da qualidade arquitetónica e prejudica os ateliers e os gabinetes de arquitetura e engenharia. Mas acima de tudo, compromete a qualidade do trabalho que se deseja ver desenvolvido. É preocupante que, quando a Europa trabalha em diretivas de regulação da encomenda sobre trabalhos de matriz intelectual e abolindo critérios simplistas quantitativos, seja em Portugal que estas práticas florescem com mais facilidade. É, portanto, essencial promover critérios de seleção mais equilibrados, que valorizem a qualidade e a competência técnica, tanto no setor público, quanto no privado.
Finalmente, importa referir os prementes desafios na habitação e no planeamento urbano. É visível que a adaptação dos planos diretores municipais à legislação atual tem sido lenta e complicada. Portugal está, desde 2014, em sucessivos adiamentos para cumprir um diploma legal que sistematizava a gestão do território e a colocava em linha com os principais documentos programáticos, nacionais e internacionais. A flexibilização dos instrumentos de gestão territorial é mais do que necessária, é um desígnio nacional. Sem isso, as políticas públicas e em especial as de habitação continuarão a favorecer questões jurídico-burocráticas em detrimento de abordagens técnicas e materiais. É essencial modernizar os processos de planeamento e de definição de regras urbanísticas sobre a habitação, priorizando uma abordagem mais direta e técnica.
Nota: O Autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico