Opinião: “Custo de contexto”
“Nos aspectos ligados à certificação, é muito comum ouvirem-se críticas por parte das empresas relativamente a um excesso de burocracia naquilo que é exigido como cumprimento dos requisitos das normas”
Francisco Barroca
Director Geral da
CERTIF – Associação para a Certificação
A referência crítica ao que há uns anos, num período de crise, Miguel Cadilhe fez aos chamados “custos de contexto”, tornou-se, como hoje se diz, “visceral” e passou a fazer parte de muitas intervenções, nomeadamente quando o tecido empresarial se queixa das condições que lhe são impostas. Este alerta para os “custos de contexto” permitiu, sem dúvida, uma predisposição para o levantamento de muitas situações que se traduzem quer em custos diretos quer em burocracia para as empresas e para as quais passou a haver uma maior atenção no sentido da luta pela sua eliminação ou, pelo menos, da sua redução.
Nos procedimentos relacionados com a função qualidade, e mais concretamente nos aspetos ligados à certificação, é muito comum ouvirem-se críticas por parte das empresas relativamente a um excesso de burocracia naquilo que é exigido como cumprimento dos requisitos das normas.
Esta crítica não deixa de ser, em muitas situações, justificada, seja porque, na avaliação, os auditores vão por essa via, seja porque a empresa, na construção do seu sistema, foi pouco auto-critica e avançou por caminhos aparentemente mais fáceis, mas que levam a uma maior carga burocrática.
A profusão de documentos e impressos criados para dar resposta a vários requisitos (quantas vezes o mesmo item faz parte de vários impressos!) careceria de uma avaliação permanente no sentido de avaliar da sua pertinência.
Num sistema de gestão, e para cumprimento das normas de referência, há, obviamente, a necessidade de vários registos e procedimentos formais, mas, uma grande parte da carga burocrática, poderia ser evitada com uma melhor interpretação de como responder aos requisitos.
Não raras vezes o organismo de certificação é confrontado com questionários de clientes seus onde as questões que lhe são colocadas acabam por ser aquelas que o organismo de avaliação faz e não o oposto.
O que se tem passado com o RGPD – Regulamento Geral de Proteção de Dados, que entrou em vigor há um ano, é um dos melhores exemplos da criação de burocracia perfeitamente desnecessária. Tendo sido publicado dois anos antes, foi nos meses que antecederam a sua entrada em vigor que as organizações despertaram para a necessidade do seu cumprimento. Com um misto de desconhecimento e de receio face a eventuais penalizações por incumprimento, assistimos a uma produção descontrolada de e-mails e cartas pedindo autorizações, muitas delas sem qualquer sentido.
Ainda hoje, para a sequência de determinadas ações, continuamos a receber solicitações de preenchimento “obrigatório” de resposta a inúmeros questionários e declarações que, na realidade, não resultam de qualquer imposição legal.
Estas situações são, de alguma forma, novos “custos de contexto”, com a agravante de serem originadas pelas próprias empresas que, assim, vão criando uma “corrente” de custos, ao mesmo tempo que criticam, justamente, os “custos de contexto”…
Património
Em recente editorial da Construir era, com toda a pertinência, chamada a atenção para a defesa do Património Histórico, não só em termos da resposta às exigências em matéria de segurança mas, também, para o eventualmente desfasamento entre as regras atuais e a necessidade da sua adaptação à evolução tecnológica.
Portugal tem hoje uma grande produção legislativa, se bem que nem sempre de fácil leitura e compreensão, e, por vezes a necessitar de revisão. Assistimos em vários países, como por exemplo em Espanha, à preparação de vários códigos reunindo legislações dispersas e que muito ajudam na sua implementação.
Mas, uma coisa é a publicação de leis outra é a sua aplicação, e, neste aspeto, Portugal tem um enorme défice. Quando olhamos para aspetos relacionados seja com a segurança contra incêndio seja com a eficiência energética o que constatamos é que a legislação se aplica com todo o rigor ao setor privado, ficando edifícios ocupados por organismos públicos à margem dessa aplicação.
Bom seria que o alerta fosse ouvido e houvesse uma decisão política no sentido de uma avaliação séria sobre eventuais medidas preventivas relativamente ao nosso valioso, mas já tão depauperado, Património Histórico.
Maio 2019
NOTA: O CONSTRUIR manteve a grafia original do artigo