Opinião: Avaliação da conformidade no Código dos Contratos Públicos
Quando se fala de concursos públicos e de aquisições públicas é muito habitual surgirem discussões sobre um de dois temas: se houve interesses escondidos ou se a opção foi pelo […]
Quando se fala de concursos públicos e de aquisições públicas é muito habitual surgirem discussões sobre um de dois temas: se houve interesses escondidos ou se a opção foi pelo preço mais baixo sem ter em conta a qualidade da proposta. Deixemos de lado o primeiro caso e falemos do segundo. É recorrente ouvirmos queixas, quer de fornecedores que viram as suas propostas recusadas, quer dos próprios cidadãos que consideram a obra ou os bens fornecidos de menor qualidade, para não falarmos dos casos em que, manifestamente, estarão abaixo do que consideraríamos um limiar mínimo.
É já muito antiga esta questão. Muitas vezes ouvimos as empresas queixarem-se de que não vale a pena o investimento na certificação porque esta não é reconhecida no momento da verdade, que é o da adjudicação. É, obviamente, uma falsa questão, na medida em que o implementar um sistema de gestão da qualidade, evidenciado através de uma certificação, não deveria ter como motivação a sua apresentação em concursos, mas sim para obter o respetivo retorno em termos de organização interna.
Muito se debateu, inclusive nas páginas da Construir, sobre a alteração à legislação do Código dos Contratos Públicos, através do Decreto-Lei nº 111-B/2017, de 31 de agosto, que alterou e republicou o referido Código. O nosso objetivo não é discutir o Código, mas sim referir a publicação da Portaria nº 72/2018, de 9 de março, que vem
regular e, também, esclarecer a possibilidade das entidades adjudicantes poderem exigir “rótulos específicos”, relatórios de ensaio ou certificados, bem como amostras de produtos a adquirir.
A questão da exigência de requisitos específicos em concursos públicos tem feito correr muta tinta. Falemos só das exigências de apresentação de certificados relativos às IS0 9001, ISO14001 e, também, muito usual, da ISO 27001. Ora, uma simples busca na internet permite aceder a inúmeros acórdãos, quer do Tribunal de Contas, quer mesmo do Supremo Tribunal Administrativo recusando a legitimidade da exigência da apresentação destes certificados em determinados concursos públicos.
O argumento é, resumidamente, por um lado, a não obrigatoriedade, em Portugal, destas certificações e, por outro, o facto de estar em causa uma exigência própria de uma fase de qualificação e não de um concurso. É, igualmente, argumentado que uma certificação do sistema diz respeito ao fornecedor, ou operador económico, e não ao
produto a fornecer ou ao serviço a prestar, embora reconhecendo que pode trazer mais-valias para estes.
Um concurso público deve obedecer aos princípios da liberdade de acesso, da igualdade de tratamento dos candidatos, bem como da transparência dos procedimentos, por forma a assegurar a sua eficácia e uma correta utilização dos dinheiros públicos.
Reconhecendo todos estes princípios temos pena que mais-valias como as que advêm da certificação de um fornecedor não sejam devidamente valorizadas no estabelecimento dos critérios. Sabemos que a sua exigência não é aceite, mas a sua valorização deveria sê-lo.
Mas, uma coisa é a certificação dos sistemas de gestão, seja da qualidade, ambiente ou segurança, outra é a certificação do produto ou serviço. Lembremos que, para alguns produtos, existe certificação obrigatória e, na área da construção, uma grande parte está abrangida pelo Regulamento dos Produtos de Construção, pelo que a exigência do seu cumprimento, materializada pela apresentação do certificado de conformidade ou da declaração de desempenho terá sempre de ser um requisito do concurso, o que, infelizmente, nem sempre acontece.
A Portaria nº 72/2018, de 9 de março, ao regular o artigo 49ª-A do CCP vem, agora, no seu artigo 1º, definir as condições em que a entidade adjudicante pode exigir rótulos específicos nas suas especificações técnicas, nos critérios de adjudicação ou nas condições de execução dos contratos. Para tanto é necessário que os requisitos de rotulagem que forem estabelecidos estejam relacionados, exclusivamente, com os critérios associados ao objeto do contrato e serem objetivamente verificáveis. O artigo 2º da Portaria refere-se aos relatórios de ensaio e aos certificados emitidos por um organismo de avaliação da conformidade acreditado que atue nos termos do Regulamento (CE) nº 765/2008. É, ainda, referido que, caso não seja possível obter o certificado exigido pode o operador económico demonstrar o seu cumprimento.
Este ponto é relevante, pois, temo-lo afirmado muitas vezes, os cadernos de encargos, sejam públicos sejam privados, deveriam prestar mais atenção à referência às normas no estabelecimento dos requisitos técnicos (é esse um dos objetivos da normalização). Compete ao fornecedor demonstrar que o seu produto cumpre esses requisitos, cabendo-lhe a decisão da escolha como evidenciar esse cumprimento. Não somos a favor da certificação obrigatória, mas o recurso à certificação do produto como forma de evidenciar a sua conformidade com os requisitos é sempre a forma mais barata e credível de o fazer. É, por isso, que os mercados mais exigentes tiram todo o partido desse instrumento, sendo uma prática que as empresas exportadoras bem conhecem.
Mas, retornando aos concursos públicos, é de saudar a publicação da Portaria que agora entrou em vigor, na medida em que poderá ser uma importante mais-valia numa melhor definição de requisitos e na avaliação da sua conformidade. Vejamos como vai ser feita a sua aplicação.