O preço mais baixo: uma análise de decisão (monocritério) arriscada
“A celebração de acordos coletivos de trabalho pode ser uma medida eficaz (…). Requer, contudo, consensualidade e cooperação entre todas as partes relevantes da arquitetura, engenharia e construção, incluindo associações profissionais e, sobretudo, o governo, para exponenciar a sua implementação generalizada”

Os projetos e obras contratados a baixo custo têm sido uma realidade no setor da construção. De entre as causas destacam-se a elevada fragmentação da cadeia de valor e a volatilidade do mercado; a informalidade na contratação e a precariedade laboral; a reduzida produtividade; a falta de formação e qualificação; a concorrência intensa e centrada no preço; e a falta de regulação das atividades de engenharia e construção.
Neste contexto, assumem especial importância os promotores dos empreendimentos, que, no processo de seleção de fornecedores e prestadores de serviço, frequentemente priorizam o critério do preço mais baixo. Tal poderá justificar-se, no domínio público, por condicionantes de complexidade, morosidade, conhecimento e capacidade administrativa associadas a análises de decisão multicritério, mais sistemáticas e estruturadas; e, no domínio privado, por motivos de redução dos custos iniciais para aumentar a competitividade e maximizar o retorno do investimento. De facto, o critério do preço mais baixo poderá ser mais eficaz em casos de âmbito bem definido (quem vai fazer o quê, quando e como), mas tal raramente acontece.
A contratação ao preço mais baixo pode, assim, ter várias consequências negativas.
Para começar, o desenvolvimento dos projetos de arquitetura e engenharia é mais propício a erros, omissões e incompatibilidades, que são tendencialmente transferidos para os empreiteiros. Estes, por sua vez, sob a pressão de custos e prazos, poderão procurar compensar perdas ou incrementar ganhos com trabalhos a mais ou redução de custos de materiais e mão-de-obra, comprometendo a qualidade pretendida e o desempenho a longo prazo, com um subsequente aumento do risco de litígios.
Com uma diminuição da rentabilidade, a pressão financeira pode ainda revelar-se especialmente crítica perante o elevado endividamento e falta de liquidez das empresas do setor, além de não incentivar à valorização das pessoas através de melhores condições laborais (e.g. salários e regalias) e mais investimento em formação e qualificação, o que, por conseguinte, acentua os reconhecidos problemas de inovação, sustentabilidade, segurança e produtividade e de atração e retenção de talento que a construção enfrenta.
Posto isto, deverão as entidades contratantes adotar métodos de análise multicritério para suportar a seleção dos melhores candidatos (e.g. ao nível da funcionalidade, durabilidade, economia, segurança e ambiente), valorizando adequadamente cada critério em função das suas necessidades e preferências.
Adicionalmente, é recomendável a realização de análises no âmbito do ciclo de vida dos empreendimentos (conceção-obra-exploração), demonstrando assim que, de facto, os encargos associados a serviços de projeto, consultoria, fiscalização e obra são irrisórios quando integrados numa avaliação de longo prazo, onde os custos inerentes à operação e manutenção e aos riscos de não valorar devidamente as atividades de desenvolvimento e controlo da conceção e da obra são os mais significativos.
São responsabilidades principais do Estado a regulação do trabalho e dos processos de contratação pública, fomentando práticas justas e transparentes, com impacto também no domínio privado. Não obstante, não existem regras suficientemente claras e abrangentes, com valores de referência, para condicionar o fator preço na contratação de serviços ao longo da cadeia de valor da construção, incluindo projetistas, consultores e empreiteiros, deixando a sua definição ao bel-prazer das entidades contratantes, tanto públicas quanto privadas.
A celebração de acordos coletivos de trabalho pode ser uma medida eficaz, através do estabelecimento, entre outras disposições, de condições específicas de remuneração que atendam às necessidades e particularidades do setor. Requer, contudo, consensualidade e cooperação entre todas as partes relevantes da arquitetura, engenharia e construção, incluindo associações profissionais e, sobretudo, o governo, para exponenciar a sua implementação generalizada.
É premente a valorização da mão-de-obra no setor da construção, de modo a ultrapassar alguns dos seus maiores desafios, destacando-se em particular a falta de engenheiros e operacionais para dar resposta à crescente necessidade de edifícios e infraestruturas. Neste sentido, é fundamental a ação do Estado, enquanto entidade legisladora e reguladora.
NOTA: O Autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico