O novo paradigma do Simplex Urbanístico
“A questão que se coloca é, então, a de saber como afrontar este novo paradigma, de forma a mitigar os seus pontos menos positivos. Em nosso entender, a solução implicará novas atitudes e novos formas de interação por parte de todos os atores do mercado”
Nuno Sá Carvalho
advogado, sócio coordenador da área de Imobiliário e Urbanismo da Cuatrecasas
O novo Simplex Urbanístico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, veio estabelecer medidas de simplificação na área do urbanismo, com o propósito, entre outros objetivos, da redução de custos de contexto.
Este objetivo vem sendo propalado nas sucessivas reformas aprovadas ao longo dos tempos, sem nunca ter logrado obter resultados práticos relevantes.
As razões que têm vindo a ser apontadas para este insucesso prendem-se essencialmente com uma certa cultura conservadora instalada no seio do mercado imobiliário, que sempre conduziu os seus vários protagonistas para procedimentos urbanísticos que privilegiavam mais a segurança e a certeza jurídicas em detrimento da celeridade. Era isto que sucedia cada vez que Administração e promotores assentiam, em nome da certeza e segurança da sua situação jurídica, em seguir procedimentos de licenciamento mais onerosos em termos de tempo, quando tinham, em muitas situações, ao seu dispor procedimentos mais simplificados. O procedimento padrão instituído até agora foi o do licenciamento e poderá dizer-se que o uso da comunicação prévia, apesar das suas virtualidades, foi relegado pelo mercado para um plano muito residual. Em compensação, este padrão permitia aos promotores satisfazerem requisitos de certeza jurídica que os beneficiava no momento da contratação com terceiros. Este contexto, a par dos escassos e parcos recursos técnicos e humanos dos serviços municipais, terá provocado, em parte, os atrasos e as entropias que todos conhecemos ao nível dos procedimentos urbanísticos.
Perante esta realidade, o legislador do novo Simplex Urbanístico veio propor uma solução alternativa fundada no princípio da autorresponsabilização dos privados. Trata-se da famosa mudança de paradigma do controlo prévio para o controlo sucessivo. Apesar de os institutos e procedimentos continuarem a ser os nossos velhos conhecidos (licença e comunicação prévia), agora enformados por um regime de deferimento tácito mais apertado, a escolha pelo procedimento urbanístico aplicável a cada operação urbanística passa a ter carácter vinculativo. A par desta regra, a definição do âmbito de aplicação dos vários tipos de procedimentos veio, na prática, consagrar como regime regra o procedimento da comunicação prévia.
Esta situação gerou alguma ansiedade no mercado, resultante do impacto provocado na referido status quo, mas também e sobretudo pela alteração da matriz liberdade – responsabilidade e do binómio celeridade – segurança, que a mudança de paradigma envolve.
A questão que se coloca é, então, a de saber como afrontar este novo paradigma, de forma a mitigar os seus pontos menos positivos. Em nosso entender, a solução implicará novas atitudes e novos formas de interação por parte de todos os atores do mercado.
Ao Governo caberá, desde já, corrigir gralhas e lacunas do novo regime jurídico, bem como monitorizar a sua implementação, além de, obviamente, prosseguir com as demais reformas essenciais da Justiça e da Administração Pública. Por seu turno, à Administração competirá assumir “novas” atribuições e competências, em particular, o esclarecimento dos conceitos indeterminados que pululam pelos planos e regulamentos, a autovinculação da sua discricionariedade através de instrumentos como as unidades de execução, a definição dos procedimentos de fiscalização, bem como uma maior disponibilidade para uma concertação com os promotores e sua equipas técnicas. Aos promotores será exigido rigor acrescido na preparação dos projetos, novos modelos de contratação, novos padrões de repartição de risco, mas sobretudo ser-lhes-á exigida a responsabilidade de selecionar os procedimentos que se revelarem mais adequados para cada projeto, em função das suas especificidades, fazendo um balanço entre celeridade e segurança das soluções propostas.
Em conclusão, para o novo Simplex Urbanístico cumprir os objetivos a que se propôs através do seu novo paradigma, será necessária uma outra alteração, ainda mais profunda e sempre mais difícil, que é a alteração de mentalidades.
NOTA: O Autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico