Balanço de 2024
Se é verdade que já existem concursos públicos que estão a ficar vazios, precisamente pela falta de capacidade de resposta das empresas, também me parece uma verdade indesmentível que as empresas preferem fazer a gestão da sua carteira de encomendas com base numa realidade estável e previsível a longo prazo
João Rodrigues
director executivo da Associação Portuguesa dos Industriais de Engenharia Energética (APIEE)
Aproveitando o típico espírito de balanço que costuma estar presente nesta altura do ano, irei escrever o presente artigo fazendo uma comparação entre a realidade verificada em 2024, com as perspectivas para o ano que identifiquei no primeiro artigo de opinião que assinei para o Jornal Construir, escrito faz agora 1 ano.
Recordemos que por essa altura estava já marcada a data para as eleições legislativas que se realizaram no passado mês em Março, pelo que não surpreende que uma das primeiras coisas que referi foi da necessidade de haver estabilidade política, que permitisse às empresas o desenvolvimento da sua normal actividade, bem como preparassem e executassem os seus investimentos com a necessária confiança.
Escrevi ainda que sem estabilidade política não seria possível trabalharmos conjuntamente de forma a simplificarmos a burocracia que amarra as nossas empresas e a nossa economia, bem como referi que essa estabilidade seria fundamental para conseguirmos enfrentar a dificuldade de atracção e retenção da mão de obra, que os sectores da energia e das telecomunicações necessitam.
Referi e desejei que o tema da Sustentabilidade continuasse na ordem do dia, visto que o considero como um factor fundamental para a transformação da estratégia das empresas e também como a forma de progredirmos rumo a uma sociedade mais justa, desenvolvida e descarbonizada.
E, portanto, terminava esse meu primeiro artigo com o meu habitual optimismo, vaticinando que a economia portuguesa iria continuar a crescer e que os mercados, onde as empresas associadas da APIEE operam, iriam também continuar a crescer.
Chegado aqui, confesso ter uma espécie de sentimentos contraditórios. Tento explicar-me: sim, é verdade que a economia nacional irá crescer e que os mercados onde os nossos associados se movimentam também irão crescer. Mas, não estarei assim tão certo de que esse desempenho tenha sido em conformidade com o que poderia ter sido…
… e porque o escrevo desta forma? Porque tenho visibilidade que vários foram os projectos que, por diversas razões, sofreram atrasos consideráveis. Alguns desses atrasos estarão associados à instabilidade e falta de previsibilidade do mercado de energia nacional, fazendo com que alguns promotores de grandes parques fotovoltaicos tenham adiado os seus projectos, com o objectivo de esperar por melhor altura para investir.
Mas não é caso único de atrasos, visto que casos houve também da demora de decisões sobre grandes investimentos públicos, que provocaram naturalmente o adiamento da execução dos referidos projectos.
E se é um facto relevante que na actividade industrial houve projectos que avançaram, também é verdade que outros projectos sofreram atrasos consideráveis, seja por razão de atrasos nos processos de licenciamento dos mesmos, seja por razões de contexto económico como a inflação a as elevadas taxas de juro verificadas, ou das dificuldades verificadas em alguns países destino das nossas exportações, com particular impacto na indústria automóvel.
Por contraste com esta realidade e sabendo que vários outros sectores de actividade tiveram bons níveis de desempenho e que a falta de mão de obra continua a ser uma realidade, coloco-me a questão se teria havido a capacidade de resposta necessária.
Por outras palavras, será que esses atrasos acabaram por ser benéficos?
Devo dizer que não estou seguro de que a resposta seja assim tão imediata. Isto porque se é verdade que já existem concursos públicos que estão a ficar vazios, precisamente pela falta de capacidade de resposta das empresas, também me parece uma verdade indesmentível que as empresas preferem fazer a gestão da sua carteira de encomendas com base numa realidade estável e previsível a longo prazo e, se possível, fazendo a escolha daquelas obras que lhe pareçam mais interessantes, seja do ponto de vista da rentabilidade, ou seja do ponto de vista das exigências técnicas a respeitar.
Os referidos sentimentos contraditórios justificam-se, portanto, porque sim, o mercado cresceu… mas não cresceu ao ritmo que teria sido possível. E se assim é, julgo que devemos continuar a trabalhar nas causas de fundo que causam os atrasos verificados, bem como na capacidade de atrair e reter a mão de obra que necessitamos.
Caminhando para terminar este artigo quero referir agora algumas questões em que me parece que foram dados passos significativos, começando pela questão que me é muito querida da existência de um diálogo permanente que una os vários intervenientes do nosso ecossistema. Pelo meu lado, considero que foram dados passos muito significativos, ilustrando-os com a assinatura por mais de 20 associações nacionais da Declaração Conjunta para a Transição Energética, bem como a recentemente assinada carta aberta à Assembleia da República e ao Governo, a propósito da urgência da implementação do Plano Nacional para o Biometano.
Sei bem que se podem encarar estas situações apenas como pequenos bons exemplos, eu prefiro pensar que são a demonstração inequívoca da existência de uma consciencialização de que só seremos bem-sucedidos se todos estivermos disponíveis para nos ajudarmos mutuamente.
Quero ainda referir outros dois factores que me parecem também relevantes. Em primeiro lugar, parece-me haver uma consciencialização alargada de que a falta de mão de obra é uma realidade, para a qual todos devemos contribuir. Em segundo, salientar que a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 acaba de ser aprovada pela Comissão Parlamentar de Ambiente e Energia sem qualquer voto contra, o que considero como sintomático de que a ambicionada Transição Energética é uma realidade com a qual todas as forças políticas representadas no Parlamento estão comprometidas.
E agora sim terminando, permito-me fazer um balanço muito positivo deste primeiro ano de colaboração com o Jornal Construir, afirmando que tem sido um prazer poder partilhar com os leitores aquelas que são as posições que a APIEE advoga.
Com os Votos de um Feliz Natal e de um Excelente Ano Novo para todos, despeço-me com um forte abraço.