Crédito: Marco Cremascoli
O “Encontro” de Siza “no Jardim”
“Amizade social: Encontro no jardim” é o nome da exposição que marca o regresso da Santa Sé à Exposição Internacional de Arquitectura – Bienal de Veneza. Um regresso marcado também pela participação do arquitecto português Álvaro Siza que celebra a cultura do encontro
Manuela Sousa Guerreiro
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(Crédito imagem: Marco Cremascoli)
“Amizade social: Encontro no jardim” é o nome da exposição que marca o regresso da Santa Sé à Exposição Internacional de Arquitectura – Bienal de Veneza. O novo Dicastério para a Cultura e a Educação participará da 18ª Mostra Internacional de Arquitectura, que decorrerá entre 20 de Maio e 26 de Novembro, dedicando o Pavilhão Nacional da Santa Sé ao tema do encontro “Laboratório do Futuro”, proposto pela curadora, a arquitecta de origem ganesa, nascida na Escócia, Lesley Lokko.
Uma participação da qual destacamos, desde logo, dois nomes: o do Cardeal português Tolentino de Mendonça, que, enquanto perfeito do Dicastério do Vaticano para a Cultura e a Educação, é o comissário do pavilhão do Vaticano e o arquitecto Álvaro Siza cuja obra recria a visão social do Papa Francisco, neste que é o 10.º aniversário do pontificado de Francisco.
A exposição será montada nos edifícios do Mosteiro Beneditino e nos Jardins da Abadia de San Giorgio Maggiore, integrando-se no tema da mostra “O laboratório do Futuro”. Crentes, e não crentes, são convidados a “cuidar do planeta como cuidamos de nós mesmos e celebramos a cultura do encontro”. O curador, o arquitecto Roberto Cremascoli, usou estas palavras para sintetizar os ensinamentos do Papa Francisco em suas encíclicas Laudato si’ (2015) e Fratelli tuttti (2020) que, por sua vez, servem de guia para o itinerário da exposição.
O Percurso
A primeira parte do percurso desenvolvesse nas salas de exposições do mosteiro beneditino de San Giorgio Maggiore, administrado pela Benedicti Claustra Onlus, que colabora activamente no projecto.
“Os visitantes serão recebidos por uma narração em vídeo de Mattia Borgioli, descrevendo o processo que levou à criação de todas as instalações, desde a concepção dos primeiros protótipos até a chegada à Ilha de S. Jorge (uma das que se situam à frente da emblemática Praça de S. Marcos). Esta introdução abre a área expositiva da galeria, que por meio de gráficos, croquis originais e fotografias de Marco Cremascoli estabelece a narrativa.
A instalação “O Encontro” de Álvaro Siza acolhe os visitantes e leva-os aos espaços exteriores, num permanente diálogo com as ‘figuras’ desenhadas pelo “maestro”: grandes presenças cujas geometrias e dinâmicas de movimento aludem fisicamente à visão social do Papa Francisco.
A sua interacção sugestiva gera um movimento incessante, pontuado por pausas e surpresas, rumo ao último monólito, que chega ao jardim, conduzindo-nos à horta redescoberta do mosteiro e aos espaços de acolhimento especialmente criados”, descreve o Vaticano.
A nova configuração do jardim, projectada pelo colectivo italiano Studio Albori (Emanuele Almagioni, Giacomo Borella, Francesca Riva), que aqui se junta ao arquitecto português, propõe um passeio parcialmente sombreado, graças às pérgulas de madeira e bambu, e parcialmente ao ar livre, em meio às novas plantações.
Toda a madeira utilizada neste projecto goza de uma “segunda vida”, numa analogia clara à “segunda oportunidade que deve ser oferecida a todos os lugares, culturas e seres vivos”
Este novo espaço e o seu layout permitem, assim, que os visitantes caminhem por entre as hortas, o galinheiro, depósito de sementes e áreas de descanso, num misto de reconexão e contemplação. “Este enquadramento material e espiritual aproxima-nos do quotidiano de um mosteiro beneditino e da sua Regra, abrindo a possibilidade de um diálogo renovado com aqueles espaços emblemáticos da tradição arquitectónica”, conclui o Vaticano.
Esta não é a primeira vez que a arquitectura portuguesa faz “parceria” com a Santa Sé. Já em 2018 naquela que foi a estreia do Vaticano na Bienal de Arquitectura de Veneza, Eduardo Souto de Moura integrou o projecto ‘Vatican Chapels’, um conjunto de dez capelas de arquitectos internacionais, uma das quais com a assinatura do arquitecto português.
O Futuro Fértil
Portugal integra o grupo de 63 países que marcará presença nesta 18ª edição da Bienal de Veneza. Com a curadoria de Andreia Garcia (Architectural Affairs) Fertile Futures defenderá “a pertinência do contributo da Arquitectura no redesenho do futuro descarbonizado, descolonizado e colaborativo”, numa resposta directa à convocatória de Lesley Lokko.
O projecto português foi seleccionado no âmbito de um concurso promovido pela Direcção-Geral das Artes e representa um investimento de 800 mil euros.
O foco de Fertile Futures é a escassez de água doce e o impacto da acção do homem, tendo como ponto de partida a experiência concreta de sete bacias hidrográficas localizadas em território nacional – o impacto da Gigabateria na bacia do Tâmega, a quebra da convenção no Douro Internacional, a extracção mineira no Médio Tejo, a imposição de interesses na Albufeira do Alqueva, a anarquia no perímetro de rega do Rio Mira, a sobrecarga das lagoas, na Lagoa das Sete Cidades e o risco de aluviões nas Ribeiras Madeirenses. O projecto português pretende ser um estímulo à reflexão sobre novas estratégias para a gestão dos recursos hídricos, uma reflexão para a qual é pedida a colaboração da arquitectura, a par de outras especialidades, para a apresentação de modelos “para um amanhã mais sustentável, saudável e equitativo”. Esta proposta envolve ainda a realização de um conjunto de laboratórios de debate. A Representação Oficial Portuguesa ficará instalada no Palácio Franchetti, situado nas margens do Grande Canal de Veneza.
A 18.ª Exposição Internacional de Arquitectura – Bienal de Veneza conta com representações oficiais de 63 países, a lusofonia faz-se representar por Portugal e Brasil. As exposições e projectos especiais dedicados ao “Laboratório do Futuro” contam ainda com 89 arquitectos e gabinetes de arquitectura, na maioria de África e da diáspora africana, entre os quais o Banga Colectivo, gabinete de arquitectura de Luanda e Lisboa, e o ateliê brasileiro Cartografia Negra.
“Esta será a primeira edição a experimentar um caminho para alcançar a neutralidade carbónica, ao ponto de a exposição se estruturar nos temas da descolonização e descarbonização”, explicou o presidente da Bienal, Roberto Cicutto, na abertura da apresentação da mostra.
O continente africano é o grande protagonista desta 18ª edição, “porque se há lugar neste planeta onde todas as questões de equidade, raça, esperança e medo convergem e se junta, é África”, justificou na ocasião a curadora Lesley Lokko.