“Vazio, Construção, Edifício e Ruína”: Os quatro estados que estruturam e desenham a cidade
Cristina de Mendonça, Nuno Griff e Paulo Albuquerque Goinhas são o rosto do atelier Embaixada. Juntos estão a ‘desenhar’ os percursos da próxima Open House Lisboa, com data marcada para os dias 13 e 14 de Maio. Apresentar “as diferentes fases de vida dos edifícios” é o objectivo desta edição, que nos vai permitir conhecer não só as obras concluídas, mas também visitar outras ainda em fase de construção ou em estado de ruína
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Livre ou acompanhada, a 12ª edição da Open House propõe a visita a mais de 50 projectos onde, pela primeira vez, é dado a conhecer um outro lado da cidade, enquanto “entidade viva, com um antes e um depois”. Ou seja, é possível visitar edifícios que estão em pleno uso, como percorrer todo o seu ciclo de vida. Ao CONSTRUIR, os Embaixada fazem uma antevisão do que podemos encontrar.
Qual a ideia subjacente ao conceito da edição deste ano?
Paulo Albuquerque Goinhas (PAG) – A edição de 2023 propõe olhar para as arquitecturas que nos rodeiam enquanto entidades vivas, com um antes e depois. Poderemos visitar edifícios que estão em pleno uso, como percorrer todo o seu ciclo de vida, o Vazio, a Construção, o Edifício, a Ruína. Olhar para a cidade é olhar para cada um destes componentes, estas Matérias do Tempo, que nascem, habitam e morrem connosco. A cidade que recebemos e a cidade que legamos é feita desta diversidade de estados, mas muitas vezes não as vemos, não vemos os vazios, não vemos as ruínas, somos ligeiramente incomodados pelas construções, mas em todos estes momentos a cidade está a ser decidida. A vitalidade e qualidade de cada rua, de cada bairro depende desta coexistência de entidades vivas, todas são importantes, mas naturalmente que uma proporção errada pode destruir uma cidade.
Cristina Mendonça (CM) – A cidade é antes de mais e acima de tudo espaço público. E, numa macro escala, são os edifícios nestes quatro estados de evolução, que a estruturam e desenham. Quisemos, nesta edição, chamar à atenção do quanto a construção ou não construção, impacta na definição da cidade.
Enquanto “entidades vivas” e com diferentes “ciclos de vida”, o que nos podem dizer os edifícios? O que podemos aprender?
Nuno Griff (NG) – A vitalidade urbana é feita da convivência dos diferentes momentos deste fluxo contínuo: Vazio, Construção, Edifício e Ruína. A construção também é tema da cidade e do projecto, é interessante ter a noção da importância da obra e do seu peso no conjunto. Por vezes existe uma tendência de afastamento entre o digital e o analógico, entre “quem desenha” e “quem constrói”, como se não trabalhássemos já todos com o mesmo tipo de ferramentas. Era importante retomar uma visão mais holística deste processo que aliás desperta sempre muita curiosidade a quem está mais próximo. Construir é um acto de arquitetura, com múltiplos intervenientes, públicos, privados, decisores políticos, gestores, investidores, projectistas, especialistas de cada arte da construção.
Depois, também com as ruínas podemos aprender, podemos aprender a questionar. Na verdade, são uma oportunidade e uma chamada de atenção. Quando vemos vazios e ruínas na cidade, por vezes em áreas tão centrais, temos que nos perguntar porquê.
Tem que existir uma grande ineficácia dos sistemas para estes casos se perpetuarem numa altura de enorme escassez, nomeadamente na habitação.
Felizmente existem também exemplos positivos. Neste Open House podemos visitar um interessante processo de reabilitação de uma antiga Villa, a Vila Romão da Silva perto das Amoreiras, que a Câmara Municipal de Lisboa está a recuperar depois de décadas de ruína. É um interessante processo, um case-study em si só porque entre outras coisas consegue manter os moradores no local.
CM – Outro case-study relevante, que também vai estar aberto a visitas, é a intervenção da SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana – CM Lisboa) em Entrecampos. Na Av. das Forças Armadas, existe agora uma grande intervenção municipal no âmbito da Habitação de Renda Acessível, constituída por cinco edifícios de habitação, um estacionamento subterrâneo e um jardim. Esta intervenção decorre da grande necessidade de resposta à escassez de habitação acessível sentida na cidade de Lisboa, e, sucede a um estudo profundo sobre tipologias deste tipo, com objectivo de ser implementado em diversas zonas da cidade. Este estudo foi realizado pela equipa da SRU e vários consultores especialistas, com coordenação da arquitecta Susana Rato e arquitectura paisagista de Victor Beiramar Diniz. Este processo acabou por dar origem ao projecto de um edifício piloto, o primeiro edifício deste programa que já está neste momento construído e habitado. Neste local existem ainda outras intervenções em curso de Site Specific, Focus Group, Atelier do Chiado ou Mech consultores.
De que forma vai ser estruturada a visita? Que edifícios integram a visita e que novas sugestões foram apresentadas?
PAG – O Open House é um programa muito completo com imensa variedade na sua forma e conteúdo. Será possível fazer as tradicionais visitas a espaços, como também estão disponíveis visitas pela cidade acompanhadas por especialistas. Em 2023, no programa paralelo temos quatro percursos Urbanos e um novo passeio sonoro, pela frase da Anabela Mota Ribeiro, e os já tradicionais programas Júnior e eventos Plus, proporcionados por alguns dos espaços que abrem portas. É, ainda, de frisar que, tal como nas edições mais recentes, este é um evento inclusivo que permite visitas sensoriais adaptadas a pessoas cegas ou com baixa visão ou com deficiência cognitiva. Teremos ainda uma visita com intérprete de Língua Gestual Portuguesa. Basta consultar o mapa.
A única dificuldade que os visitantes vão encontrar, é escolher neste fim de semana tão intenso as suas preferências. Nós aconselhamos a fazer antecipadamente um guia personalizado. No site openhouselisboa.com existe a funcionalidade de seleccionar favoritos que pode partilhar entre amigos e o seio familiar.
De que forma o percurso e influências do atelier foram determinantes para a escolha do tema deste ano?
NG – Foram efectivamente. No início do processo penso que não nos apercebemos disso mas com o decorrer do tempo e os múltiplos contactos e a partilha com toda a gente envolvida, é agora mais claro que sim. Diria que existem dois momentos muitíssimo distintos mas complementares. Um primeiro momento que é resultado do dia a dia prático do escritório na sua vertente do desenho, EMBAIXADA, cada vez mais atormentado pelo tempo que as coisas demoram, pela forma como a regulamentação é concebida e aplicada e pela morosidade dos sistemas. Ver o tempo a dilatar, com todo o desperdício de recursos e oportunidades que isso implica. A facilidade com que se bloqueia, a dificuldade de dialogar em prol dos objectivos comuns da cidade. A passagem do tempo ser muito visível e tornar-se um forte constrangimento nos projectos tornou o Tempo um tema.
Um segundo momento, próprio da própria ideia da investigação que fazemos, o UNLEASH, que olha para as coisas de fora do projecto. Temos uma concepção do corpo de trabalho como um triângulo que liga em circuito, o Projecto a Construção e o Edifício em Uso, a ideia de que o trabalho do arquitecto se cumpre nesta tríade e precisa de enormes qualidades nestes três sistemas interligados. Estando desde logo habituados a olhar e reflectir sobre os edifícios num antes e num depois, acho que foi muito natural querer partilhar isso.
CM – Uma das vertentes de estudo do atelier é a inter-relação entre espaço público e privado, espaço interior e exterior e gradações entre espaços que, no mesmo âmbito, têm características e dinâmicas distintas. Interessa-nos questionar desenhos de cidade em que esta linha ténue é contaminada nas diferentes direcções.
Além da componente do edificado, de que forma o conceito apresentado se relaciona com os espaços públicos e o rio?
PAG – Na verdade, é nossa ambição que o centro desta edição seja a Lisboa em si mesma. Esta estratégia de olhar para as suas diferentes componentes serve para sermos ambiciosos a desejar cidades possíveis construídas sobre esta, serve para imaginar desenvolvimentos possíveis a partir desta base, sem revolução, com visão e optimismo.
Não existe maior sustentabilidade do que a renovação cíclica do uso que damos à arquitectura que habitamos colectivamente ao longo de séculos. Esta generosa cadeia de gerações transforma, repara e amplia, acrescentando aos lugares novas camadas de tempo e materiais. Bairro a bairro, rua a rua, cada parte contribui para um corpo em constante mutação a que chamamos cidade.