Pedro Mêda
GrowingCircle: Trabalhar a economia circular a partir da informação e dos dados
O projecto Growing Circle pretende sensibilizar os agentes do sector da construção para o papel fundamental dos “Data Templates”e da digitalização. A ideia passa por ter mais conhecimento sobre os materiais, seja os que estão em fim de vida, seja os que estão agora a iniciar a sua utilização, e perceber de que forma é que, através do conhecimento desta informação, é possível melhorar a economia circular
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O sector da construção tem um papel fundamental para as economias dos países, mas carece de modernização de modo a ser mais eficiente e ter menores impactos no ambiente. Estas preocupações têm encontrado eco em documentos estratégicos para o sector que sistematizam duas grandes áreas de actuação: a digitalização e a sustentabilidade e, nomeadamente, a implementação de iniciativas que abordem as sinergias existentes entre ambas. O projecto Growing Circle é uma dessas iniciativas. Ao Construir, Pedro Mêda, engenheiro pela FEUP e com funções de investigador no Instituto da Construção (IC), fala-nos deste projecto e do caso de estudo que estão a acompanhar em conjunto com a Matosinhos Habit e que irá permitir cumprir critérios de eficiência através da melhor relação custo-preço, além de contribuir para o catálogo de produtos que o projecto também pretende desenvolver
Como é surgiu o projecto Growing Circle?
Este projecto surge no âmbito do programa que é o EEA Grants, um programa de financiamento bilateral que tinha como objectivo a melhoria e a implementação de práticas de economia circular no sector da construção. Um dos aspectos, uma das dinâmicas que nós identificamos como necessárias e que até estava no seguimento daquilo que são as preocupações da gestão de informação que nós temos é que a economia circular na construção só poderá existir na sua plenitude se nós tivermos uma circularidade da informação e dos dados da construção. A ideia surgiu na sequência de várias parcerias com outros países e outras entidades e do contacto com o professor Eilif Hjelseth, da NTNU, que na altura estava na Universidade de Oslo, na Noruega, e que actualmente trabalha na Universidade de Trondheim.
Digamos que vimos aqui uma oportunidade de trabalhar a economia circular, não do lado da reutilização dos materiais, mas do conhecimento, da informação e dos dados e de que forma é que esse conhecimento poderia alavancar práticas mais circulares. A nossa ideia é ter mais conhecimento sobre os materiais, seja os que estão em fim de vida, seja os que estão agora a iniciar a sua utilização, e perceber de que forma é que, através do conhecimento desta informação, conseguimos melhorar a economia circular.
De que forma é o projecto prevê transformar a informação através dos “data templates”?
Há muita pressão por parte da UE para que sejam adoptadas práticas mais ecológicas e a economia circular no sector da construção é uma parte dessas práticas. Por outro lado, existem as tendências da indústria 4.0 que se materializam na digitalização. Aquilo que fizemos no Growing Circle e uma vez que o objectivo era a sustentabilidade, ou seja, maiores práticas de economia circular, nos pegámos no sector da digitalização e dos dados e congregamos os dois para que produzissem sinergias e mais valias que pudesse acumular nos desideratos e os objectivos do sector da construção.
Como é que isso se faz?
Os “data templates” são estruturas, são esqueletos que podem ser interpretados por máquinas e, portanto, são interoperáveis e são verdadeiramente digitais. Basicamente o que se pretende é que através dessas estruturas de metadados se consiga caracterizar produtos de construção, que depois estabelecem uma ligação com softwares e com sistemas que me fazem uma análise de desempenho ambiental, uma análise de eficiência energética e outras. Por exemplo, no âmbito de um projecto de engenharia, quando faço uma análise para ter um certificado energético, tenho que dizer que tenho lá uma parede dupla. Na realidade, deixamos de ter esta inserção da informação, mas ela passa a estar ligada às características dos produtos. Portanto, a metodologia BIM, do lado da digitalização, permite-me fazer isso, ou seja, em vez de eu estar a fazer o modelo 3D e de estar a colocar a informação ‘à mão’, através dos “data templates”, eu consigo que exista uma comunicação entre o modelo tridimensional e o catálogo de produtos, que são os produtos que eu vou utilizar na construção.
Em que é que isto permite melhorar a economia circular?
Permite porque, além de fazer a análise da eficiência energética de uma forma mais rápida, consigo fazer outro tipo de análises, como por exemplo, a composição dos materiais, o potencial de reciclagem desses materiais logo no início. Ou seja, se eu escolher um cerâmico no final de vida esse produto vai para determinados usos ou até pode ser reutilizado. É esta ligação que quisemos estabelecer e estamos a estabelecer através dos “data templates”. Claro que o projecto, além de fazer esta ligação, tem uma componente que é fundamental, que é explicar isto às pessoas, explicar isto ao sector da construção.
A ideia é que quando se vai fazer o projecto em BIM, por exemplo, a informação dos materiais já esteja disponível e descarregada é isso?
É exactamente isso. Ou seja, hoje em dia quando estamos a iniciar um projecto temos que inserir as propriedades à mão dos produtos e as suas características. Do ponto de vista geométrico as aplicações já fazem isso porque ao desenhar eu já estou a ter as dimensões, mas depois há que caracterizar, ao nível do coeficiente de transmissibilidade térmica, da cor, entre outros. Há uma série de parâmetros que eu posso “arrumar” em vários sítios e descrever de várias formas, dependendo até da zona ou região do País. O facto de eu ter estes metadados interpretáveis por máquinas, organizados, permite-me fazer essa associação directa e sem qualquer perda de informação ou má interpretação dessa informação. Isto aplica-se na fase de projecto, mas também na fase de construção, se tiver que substituir alguma coisa, e até na fase de utilização da obra. Isto funciona como fonte de informação, algo que ainda não é comum em Portugal, mas que foi introduzido em Inglaterra depois do incêndio na Torre Grenfell, em Londres, em 2017 e que veio demonstrar a necessidade de existir aquilo a que os que os especialistas chamam de Golden Thread Information, que basicamente é assegurar que não se perde informação e que se consegue perceber ao longo do processo construtivo quando é que existe alterações de informação e como é que elas ocorreram e quem é o responsável.
Até agora que feedback é que tem sentido por parte das empresas em relação ao Growing Circle? Há uma maior preocupação em relação a estas matérias?
Há vários níveis de preocupações e de situações. Uma é que os agentes, independentemente de onde estão, e estou a falar de toda a fileira da construção, desde os produtos até a quem gere activos, todos têm a noção de que é preciso passar para a digitalização, por um lado, e implementar práticas mais circulares, por outro. Outra dificuldade tem a ver com outra componente tecnológica, que é facto de muitas vezes termos os sistemas em silos, ou seja, funcionam bem para um determinado tipo de obra, mas se tentamos generalizar não conseguimos. Mostrar também que tem que se optar por tecnologias que sejam abertas, interoperáveis e que permitam outra evolução. Ou melhor, outra escalabilidade. Depois há uma outra questão que é conhecimento, a formação e a disponibilidade para, digamos, de uma forma quase altruísta, abraçar estes desafios. Há agentes que já estão a perceber para onde é que isto vai e já estão a tomar decisões que têm que ser tomadas, há outros que ainda não. Não há milagres, isto é sempre um processo que obriga a dedicação, obriga a conhecimento e obriga a alteração de práticas.
A Growing Circle está a desenvolver um caso de estudo em conjunto com a Matosinhos Habit. No que é que consiste este processo?
Os produtos que iremos colocar nesse catálogo serão os que forem necessários à reabilitação de um conjunto habitacional que é da Matosinhos Habit. Portanto, a partir deste trabalho preliminar vamos fazer vários casos de estudo, com diferentes tipos de análises. Portanto, nós temos o catálogo de produtos e vamos carregar esse catálogo e depois vamos desenvolver uma serie de análises. Uma delas é perceber qual é a informação, outra é perceber quais são os “data templates” mais importantes do ponto de vista ambiental, do ponto de vista económico. Porque isso ajuda um dono de obra ou um projectista quando tem que escolher os materiais. Portanto, o que vamos fazer e de acordo com este documento e para cumprir com estes requisitos podemos fazer um edifício mais eficiente, mas isso vai ter um custo muito maior, e por isso o que vamos fazer através da melhor relação custo-preço atingir as metas de eficiência energética e de habitabilidade.
Por exemplo, se conseguirmos mudar o revestimento da cobertura, que representa 80% do valor do investimento, então se calhar é por aí que vamos começar a reabilitação. Se a cobertura tem esse ganho, ajuda-me a fazer as análises e eu consigo e ajuda-me a fazer só um “data template” porque é só um produto, eu vou então escolher esse produto, vou digitalizar esse produto e vou incorporar no meu projecto, em vez de estar a digitalizar um conjunto maior de produtos.
Neste caso, como é o dono de obra que está a fazer um processo de reabilitação e que depois vai gerir o edifício, é perceber de que forma é que ele consegue ficar com um maior conhecimento do edifício e para a longo prazo de essa informação para a própria gestão do seus activos. Por exemplo, saber quando é que é preciso fazer operações de manutenção ou substituição de materiais e saber que quando chegar a esse momento, aquele objecto ou produto que vai ser removido para onde é que pode ir e como é que é constituído. Isto é mais difícil nos edifícios, mas é mais fácil nas infraestruturas, nomeadamente nas ferrovias onde estão as ser feitas várias obras de reabilitação em várias linhas em todo o País. Nestes casos, os agregados podem ser reutilizados noutro sítio ou na própria obra, se for uma renovação de via. Da mesma forma é possível perceber em relação às travessas, em betão, em ferro ou madeira, que destino é que posso dar-lhes ou que reutilização é que podem ter. Este é um dos casos em que nós queremos demonstrar como uma infraestrutura pode ter elevadíssimos índices de reutilização ou de reciclagem.
Sendo este programa realizado com países do Norte da Europa, que normalmente são conhecimentos como sendo mais pioneiros neste tipo de práticas e de soluções no que diz respeito à construção e à sustentabilidade, em que medida é que Portugal pode aprender com estes países?
Eu diria que a principal diferença está no investimento nos sectores da construção dos diferentes países. Nós passamos por uma crise muito grande na construção e durante esse período este sector perdeu “gás” para inovar, enquanto outros países não. Por exemplo, países como a Noruega está muito mais organizada naquilo que diz respeito à digitalização e que está muito à frente de Portugal, até porque já têm um impulso e requisitos que o Governo coloca que nós cá não temos. Esse é um aspecto. Depois em termos de economia circular, como a Noruega está fora do perímetro europeu não recebe este empurrão que nós estamos a receber em termos de práticas de economia circular, embora sejam positivamente contaminados com esta influência, porque são um país periférico espaço europeu, mas têm uma presença dentro do espaço económico europeu que percebe que esta dinâmica é necessária.
De certa forma estes projectos são o olhar mais prático do lado mais teórico dos vectores….
As práticas de economia circular são como uma escadaria, ou seja, podemos galgar os degraus todos ou ir passo a passo e o nosso objectivo aqui é subir passo a passo de forma consistente e de forma que se perceba que há coisas muito simples que trazem um grande benefício. Não estamos aqui a entrar em disrupções, mas em evoluções que de forma muito simples permitem cumprir os objectivos. Depois estamos a tentar cumprir estes objectivos tendo como background uma das melhores universidades da Noruega, estamos sempre em contacto com os projectos que estão a decorrer a nível europeu que estão a trabalhar estas matérias. Temos estado, de certa forma, a acompanhar, dentro da Comissão Europeia, quais vão ser as políticas e já a tentar trazer essas directrizes e articulá-las e temos, também, estado a fazer alguma formação à própria CE no sentido de demonstrar que aquilo que têm sido os vectores da digitalização e da sustentabilidade têm que também estar consolidados e que os documentos que vêm emitidos têm que olhar para estas duas perspectivas.
Já conseguimos demonstrar que aquilo que é o vector da digitalização e o vector da sustentabilidade, sem prejuízo de poderem ser trabalhados de forma individual e em silo, que se cruzam e que são muito relevantes e que podem ajudar e muito na implementação de práticas mais circulares. Fizemos um trabalho científico que foi apresentado a algumas pessoas da CE e por isso a CE está também ela mais atenta que quando faz um documento que olha para a economia circular tem que conseguir colocar lá algumas coisas consistentes sobre digitalização.