Gonçalo Byrne, Presidente da Ordem dos Arquitectos
“Assistimos à erosão dos sistemas de contratação pública”
“A legislação actual não obriga a que a contratação se resuma ao custo mais baixo” lembra o presidente da Ordem dos Arquitectos, em extensa entrevista à TRAÇO
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A profissão de arquitecto, critérios de contratação, desafios que unem arquitectos e engenheiros e até os receios de práticas colonizadoras na boa vontade europeia. Byrne em discurso directo
Mas continuamos a ter muitos projectos onde é notória a falta de planeamento a longo prazo e continuamos a ter a percepção, no terreno, de que não existe esse trabalho conjunto. Não concorda?
Acho que pôs o dedo na ferida quando falou no termo ‘a longo prazo’. Isso é tão mais evidente agora que se recorre abundantemente ao argumento da urgência da implementação. Ao longo dos últimos 10 anos, eventualmente um pouco mais, foi terrível porque há uma erosão enorme nos mecanismos de desempenho das estratégias a médio e longo prazo do ponto de vista da qualidade. E dou-lhe um exemplo: a questão da qualidade da habitação acessível e a custos controlados. Se começarmos ainda antes do 25 de Abril, a Câmara de Lisboa tinha uma coisa que se chamava o Gabinete Técnico da Habitação, que desenvolveu os planos de Olivais Norte, Olivais Sul e Chelas, com uma serie de infraestruturas que exigiam qualidade na definição dos planos, dos projectos, no desempenho, a custos controlados, porque estávamos a falar claramente de habitação social. Com quatro categorias, mas não deixava de ser habitação social.
E essa infraestrutura tinha não só engenheiros, arquitectos, paisagistas, como tinha, também, sociólogos, juristas, economistas. O primeiro balão de ensaio foi Olivais Norte e quando se passou para Olivais Sul e para Chelas, houve já trabalhos de verificação sobre o que é que tinha sido feito para corrigir e melhorar na segunda fase e na terceira fase. Esta questão transita, a seguir ao 25 de Abril, para os processos SAAL, que ainda tinham mecanismos de acompanhamento, de exigência de projecto e de qualidade, depois para as cooperativas e para o Fundo Fomento de Habitação. Hoje em dia, estas estruturas foram herdadas pelo IHRU, que é quem está neste momento a coordenar todo o investimento na habitação, e que está a fazer um esforço tremendo, que eu reconheço, mas efectivamente está completamente desguarnecido de estruturas. Nós estamos em 2021 a fazer projectos de habitação acessível para uma sociedade numa situação pós-pandémica, em que as tipologias têm que ser todas repensadas.
Isto está a ser desenvolvido parcialmente, por exemplo, nos programas de habitação acessível da CML porque há enquadramento para este tipo de novas tipologias, de novas exigências, de maior contacto com o exterior, espaço exterior, maiores áreas repensadas devido ao teletrabalho, proximidade da natureza, entre outros. Mas arrisco dizer que mais de 90% das autarquias, apesar da boa vontade, estão completamente desprotegidas e não têm instrumentos, nem capacidade. Os únicos argumentos que se ouvem passam pela “urgência” e “desempenho”. Só se ouve falar em números. Este era, de facto, um momento único que o País tinha para fazer um grande salto qualitativo… A Ordem está a tentar estabelecer relações com os municípios, a tentar ajudar dentro do possível. Há aqui situações gravíssimas Depois da crise de 2009 e até mesmo aos dias de hoje, assistimos à erosão dos sistemas de contratação pública, outro tema muito grave e que não tem só a ver com a legislação, mas sobretudo com a maneira como essa legislação é implementada.
Mas essa é ainda uma questão que, apesar de bastante falada, tarda em ter efeitos práticos…
A necessidade de alterar é óbvia e gostava de dizer que não é um ‘cavalo de batalha’ só dos arquitectos, mas também dos engenheiros ou dos paisagistas. Mas há também a questão da forma como é aplicada a legislação actual. Ou seja, a legislação actual não obriga a que a contratação se resuma ao custo mais baixo. A legislação actual tem outros modelos que podem ser utilizados pelas câmaras e pelas administrações públicas onde há critérios de selecção de qualidade.
Então nesse caso é uma escolha das entidades públicas?
É claramente uma escolha da administração pública e que se justifica por dois motivos: primeiro porque é o processo mais fácil e segundo porque estão convencidos que é o processo mais barato. E não é claramente assim. O mais barato está a levar a bloqueio de processos por todo o lado, empreitadas que ficam paradas e está a promover a precariedade do trabalho e então no âmbito dos projectistas, paisagistas, engenheiros, precariedade e dumping, que é claramente dois argumentos contra a contratação e o crescimento de mercado.
O que está a acontecer é que se adoptam regras de mercado que vêm da OCDE mas que têm resultados na Europa Ocidental e do Norte porque o mercado tem estruturação suficiente para não sucumbir a esta penúria e a esta gestão. Quando chega à Europa Meridional, isto não acontece e está a gerar uma desregulação do mercado. Isto é escandaloso, gravíssimo e não se está a ver nenhum movimento, apesar das pressões dos engenheiros e dos arquitectos para alterar isto. Mais: há a questão da gestão, e eu acho que se construiu esta história da enorme facilidade com que se adjudicam coisas a preços completamente escandalosos, exigindo, por outro lado, cada vez mais, prestações faraónicas. Cada vez é preciso um maior número de especializações no projecto, maior controlo do projecto, em termos acústicos, térmicos, entre outros, porque estamos perante um Green Deal que é absolutamente vital para evitar o suicídio colectivo do planeta.
Créditos fotografia: Frame It