Pela sexta vez consecutiva, o Arquiteturas Film Festival voltou a colocar o cinema e a ficção lado a lado, num evento que decorreu em Lisboa. A 6ª edição foi subordinada ao tema “Learning From Fiction” e dedicado “às histórias dos lugares onde vivemos e das pessoas que nele habitam”. Em entrevista ao CONSTRUIR, Sofia Mourato, directora do evento e Daniela Soeiro, curadora desta edição, falaram sobre o tema e sobre o que podemos aprender com a ficção.
Pegando no tema desta edição: O que é que podemos aprender com a ficção?
Sofia Mourato: A ficção ensina a disfarçar a realidade ou a torna-la mais evidente, esta dicotomia é utilizada em diversas disciplinas e este ano a curadoria do programa assenta na ideia de que na história da arquitectura e do cinema encontramos vários exemplos. Em particular exibimos filmes que discutem a situação actual da crise dos refugiados, experiências de autoconstrução, as cidades fantasma na China, o poder social da arte publica, etc.
Referem que “a Arquitectura é sempre criar ficção”, mas, contudo é uma componente da realidade, cria espaços para essa realidade se desenrolar. Onde fica a linha que divide ficção e realidade?
Diana Soeiro: Não fica. Essa é precisamente a tensão que nunca chega a ser resolvida. Por um lado o aspecto físico e material da arquitectura, seja numa estrutura maior ou mais pequena, é inegável. Sem um bom conhecimento dos materiais e sem dominar a técnica de construção, consegue-se pouco. O difícil é precisamente pôr os materiais a contar uma história. Construir uma narrativa, um espaço ficcionado que seja capaz de acolher. A arquitectura é efectivamente um caso em que arte e ciência são indissociáveis para compreender uma obra de sucesso. E o critério de sucesso é se o espaço nos faz sentir acolhidos, e não se é esteticamente “bonito”, ou impressionante, numa fotografia. O difícil é conseguir esse equilíbrio. Um espaço com realidade a mais (os tão falados não-lugares nos anos 90) ou ficção a mais… podem ser experiências muito desorientadoras e desconfortáveis.
O arranque do Festival deu-se com o filme “Before My Feet Touch the Ground”, um documentário contra a gentrificação e o aumento dos preços das casas em Tel Aviv. Um cenário que se assiste hoje em Lisboa, a cidade que acolhe o Festival.
De que forma podem iniciativas como esta colocar os holofotes num problema real e ajudar a encontrar soluções para o mesmo?
Diana Soeiro: A escolha não foi inocente e como diz, a situação acontece hoje em Lisboa e, infelizmente, em muitas outras cidades. A ideia é essa, é contribuir alguma coisa para chamar a atenção para um problema sério que afecta muitas cidades hoje. Há a ficção das casas bonitas e dos arquitectos que ganham prémios. Há a moda de valorizar os trabalhos de habitação social feitos por aquitectos famosos e depois… há a realidade de pessoas que não conseguem comprar ou sequer alugar uma casa, tendo de se sujeitar a condições que se diriam impensáveis hoje. Ou por terem de dividir com muita gente, numa idade já avançada ou por terem de ir para a periferia das cidades, o que altera ritmos de vida, tendo impactos nos tempos de deslocação, produtividade, tempo passado com a família, qualidade de vida etc… Se ajuda a encontrar soluções? Não sei. Mas ajuda a evitar a negação do problema. Já é alguma coisa. Neste filme temos a Daphni que começa por ter uma atitude individual que de repente se torna um símbolo de uma ficção contra a gentrificação, coisa que ela nunca poderia prever!
Um dos filmes em exibição – “Gaming the Real World”, fala sobre a influência dos jogos de vídeo no planeamento urbano. Na prática de que influência falamos?
Sofia Mourato: No caso deste filme, que nos dá a conhecer um projecto real, falamos de arquitectos e designers de jogos que se juntam a urbanistas, sociólogos, ambientalistas, entre outras mais profissões para concretizarem um plano futuro de como desenhar cidades à medida dos cidadãos e ainda mais importante integrando estes no processo de visualização e design. Isto é conseguido através da educação e fortalecimento do conhecimento relativo a técnicas virtuais de visualização resultando numa cooperação necessária e frutífera entre o designer e o utilizador final do espaço.
Porquê a escolha de Alfredo Jaar para a grande conferência desta edição?
A edição deste ano conta com o Chile como país convidado e durante a nossa call para filmes recebemos o novo documentário sobre a vida e obra do arquitecto, artista e realizador chileno Alfredo Jaar. Ao conhecer melhor o seu trabalho for inegável a vontade de o convidar para esta edição. Nos últimos 30 anos, ele desenvolveu mais de 70 instalações públicas que examinam questões sociopolíticas complexas e os limites e a ética da representação. Usando uma forma híbrida de fazer arte, Jaar tem consistentemente provocado, questionado e procurado maneiras de aumentar a nossa consciência sobre questões frequentemente esquecidas ou suprimidas na esfera internacional, sem renunciar ao poder formal e estético da arte. O seu método de trabalho é directamente ligado ao da arquitectura, como ele próprio explica: quando começa a fazer um projecto precisa de primeiro compreender o contexto em que este insere para só depois actuar sobre esse espaço ou tema.
Qual a importância do cinema para a criação de massa crítica em arquitectura?
Diana Soeiro: Toda. O cinema é importante para a criação de massa crítica relativamente a tudo. Não é à toa que foi frequentemente usado como arma de propaganda política. Pode ser usado para “o bem” e para “o mal”. O que é o bem ou mal isso agora não interessa. Mas sim, é um meio muito poderoso para promover a reflexão sobre o que quer que seja, incluindo arquitectura. E neste caso é um desafio enorme porque é uma arte a ser mostrada através de outra arte. Pode ser ingrato… umas vezes a arquitectura é boa e o filme não é. Outras vezes o filme é bom mas a arquitectura nem por isso… Não é fácil encontra um equilíbrio entre ambos os elementos.
De uma forma geral que análise faz aos 30 filmes a concurso?
Diana Soeiro: Esta edição tinha por intenção principal atrair mais filmes de ficção sobre arquitectura. Até certo ponto, fomos bem sucedidos. Mas este ano não é excepção. A receptividade do festival tanto a ficção como a documentário é igual todos os anos! E animação, e experimental. O essencial é que o espaço seja o elemento central narrativo/ visual. Por outro lado, muitos dos documentários têm um aspecto ficcional e vice-versa. Variedade de estilos e abordagens é um critério que se teve. A ideia é haver alguma coisa para todo os gostos, seja o tom do filme mais extrovertido, mais reflexivo, mais experimental, mais documental…
Quais os objectivos do evento?
Sofia Mourato: Todas as edições do Arquiteturas se propuseram a atingir uma maior compreensão da importância do pensamento critico através de ferramentas audiovisuais, seja na categoria de experimentação, documentação ou ficção. As propostas que apresentamos, as sinergias que criamos entre pessoas, empresas, ateliers retratam uma vontade de quebra com o status quo do que são os temas de investigação nos campos da arquitectura, arte e design. Este é e sempre irá ser um dos principais objectivos do festival.