“A reabilitação pede uma abordagem mais anónima”
Em entrevista ao CONSTRUIR, Tiago do Vale fala sobre reabilitação mostrando preocupação com os centros das cidades
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Ana Rita Sevilha
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Em entrevista ao CONSTRUIR, Tiago do Vale fala sobre reabilitação, as distinções que o gabinete tem vindo e o “Chalé das Três Esquinas”. Sobre o centro das cidades e o facto de estarem a ser reabilitados edifícios para arrendamento de curta duração, o arquitecto mostra-se preocupado.
O gabinete foi recentemente distinguido com o “Bronze Winner” no American Architecture Prize na categoria de “Património Arquitectónico”.
O que significa ganhar este galardão?
É uma distinção pela qual estamos muito gratos: ser apreciado por um júri tão notável, sobretudo no contexto de um prémio norte-americano à escala global, é um estímulo muito forte para prosseguir pela senda que temos trilhado e uma validação importante do nosso trabalho e do esforço que lhe dedicamos.
Na reacção ao prémio, falou no entusiasmo em ver reconhecido o esforço de fazer arquitectura de qualidade “à excelente maneira portuguesa”. Que maneira é esta?
Talvez tenha a ver com uma combinação entre a sabedoria da nossa tradição arquitectónica, assente no “saber fazer”, as vantagens de uma cultura historicamente aberta ao mundo e atenta a si própria, e um olho que acrescenta poesia a quase tudo o que fazemos.
Esta “maneira” tem-nos valido um reconhecimento internacional notável nas últimas décadas.
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Foto: João Morgado
O “Chalé das Três Esquinas” foi amplamente reconhecido tanto a nível nacional como internacional. O que teve este projecto/obra de especial?
Creio que se tratou de encontrar o ponto de equilíbrio entre os méritos e o carácter particulares da pré-existência e a transformação necessária para a adequar às formas de viver contemporâneas.
Quisemos solucionar o problema com uma intervenção que não estivesse em ruptura nem com o passado nem com o futuro, respeitadora da arquitectura original, do bairro em que se insere e da passagem do tempo, mas também própria dos dias de hoje.
Acabamos por devolver um edifício muito particular à cidade, ao seu imaginário, ao uso e às pessoas, e acho que nisso a obra foi muito feliz.
Os projectos de reabilitação são mais interessantes do que construir de raiz?
São dois pratos da mesma balança.
A construção de raiz tende a ser ser mais focada numa afirmação do arquitecto como autor, com maior liberdade de expressão e menos condicionalismos.
A reabilitação pede uma abordagem mais anónima, de continuidade, que não iniba a pré-existência, com maior complexidade nas questões técnicas e no desenho, o que pode traduzir-se num percurso mais duro mas também num resultado mais gratificante.
Mas são dois aspectos indissociáveis: não é possível fazer reabilitação sem transformação nem construções de raiz sem uma narrativa pré-existente que apoie o processo de desenvolvimento do projecto.
Ambos os pratos se informam mutuamente.
O gabinete tem vindo a realizar trabalhos nesta área -reabilitação e património-, sente que a Reabilitação Urbana está de facto a mexer, ou ainda existem condicionantes a travar o seu pleno desenvolvimento?
A reabilitação sem sido uma espécie de fuga para a frente, quer para a arquitectura quer para a construção em geral: não porque haja muita encomenda na reabilitação mas porque é uma realidade um pouco mais protegida das flutuações do mercado imobiliário, sobretudo se considerarmos que a alternativa (a construção de raiz) tem estado, em muitos sectores, congelada.
O que condiciona a reabilitação é o mercado e, nesse respeito, creio que o mercado a tem validado com modelo de negócio. O que porventura falta é uma estratégia política e económica que oriente o modelo de reabilitação para situações que criem melhor cidade, que não sejam pensadas apenas edifício a edifício, e que sejam sustentáveis a longo prazo.
Como olha para o centro das principais cidades do país e para o facto de muitos dos edifícios estarem a ser reabilitados para arrendamento de curta duração?
Preocupa-me.
Este tipo de equipamentos são, por natureza, operações de baixo custo. Essa natureza, associada à forte competição causada por um mercado próximo da saturação, obrigam a margens muito estreitas para os proprietários e investidores, alimentando um ciclo (que já conhecemos demasiado bem, em consequência do arrendamento de baixo custo) de edifícios rapidamente degradados cuja manutenção ou recuperação não é economicamente viável por parte dos proprietários.
Assim, esse caminho pode acabar por não ser uma solução de longo prazo para a reabilitação dos centros históricos: continua a promover o seu esvaziamento de população residente, não parece garantir reabilitação sustentável, continua a promover centros mono-funcionais e, finalmente, inflaciona o valor dos imóveis para patamares que inviabilizam programas mais comuns, de habitação permanente ou de comércio de bairro, por exemplo.
É um erro colocar todos os ovos no mesmo cesto (ou, neste caso, depender apenas de um modelo de reabilitação dos centros históricos, assente no turismo). A reabilitação de um bairro precisa de diversidade de usos, diversidade demográfica e diversidade social.
Outubro é o mês da Arquitectura. Que análise faz ao mercado, à profissão e à prática?
Continuamos com um mercado comprimido, com dificuldade em absorver a quantidade de arquitectos que saem das escolas e onde o papel da especialidade da arquitectura continua a não ser completamente entendido.
Isso resulta num mercado que injustamente empurra bons arquitectos para o estrangeiro ou para outras práticas. Vale à classe o prestígio que a arquitectura e os arquitectos portugueses têm lá fora e a apetência de alguns mercados pela arquitectura portuguesa.
Actualmente em que projectos estão a trabalhar?
Temos um número de projectos de reabilitação e de construção de raiz em mãos, de pequena e grande escala, com programas de habitação, saúde, comércio, serviços, restauração e turismo: um pouco de tudo.
Como olha para o futuro da profissão e do gabinete?
A profissão parece estar eternamente entre uma parede e uma encruzilhada, entre as pressões dos velhos problemas da falta de encomenda e da banalização do título e as novas pressões da (sobre)especialização e (sobre)regulamentação na área da arquitectura.
Quanto a nós, temos a boa fortuna de podermos continuar a fazer a melhor arquitectura que sabemos e a dar a melhor resposta à encomenda que recebemos, e é esse o nosso plano.