“A qualidade arquitectónica não tem de ser colocada em causa para garantir que o edifício é auto-suficiente”
“Possivelmente, para que o edifício seja autosuficiente, não será aconselhável seguir tendências cujas fachadas sejam 100% vidro mas sim uma mistura de arquitectura mais tradicional com alguns elementos modernos”
Ana Rita Sevilha
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A energia, a sua utilização, gestão, distribuição e produção são hoje uma preocupação a nível global. Diz-nos quem estuda o assunto que os edifícios representam 40% da utilização de energia primária na Europa (30% globalmente), pelo que é um sector que condiciona de forma significativa todas as questões ligadas a esta temática.
Nesse sentido, o expoente máximo neste sector são os chamados edifícios de balanço energético nulo, cujo significado está explícito na Directiva Europeia relativa ao desempenho energético dos edifícios (2010/31/EU) e que impõe um balanço energético quase nulo para todos os edifícios novos construídos na UE a partir de 2020.
Não será portanto novidade que exista uma busca por soluções e técnicas que respondam de forma eficaz a este repto, sendo disso mesmo que se trata a solução desenvolvida por uma equipa multidiscilplinar de alunos do Mestrado Integrado em Arquitectura do ISCTE-IUL (unidade curricular de Arquitectura, Ambiente e Sustentabilidade) e do Mestrado Integrado em Engenharia da Energia e do Ambiente da FCUL (unidade curricular de Simulação Computacional de Edifícios). A solução foi vencedora da 2.ª Edição do Prémio Alumni Clube ISCTE – BP Portugal 2016 criado no âmbito da apresentação em Portugal do BP Statistical Review of World Energy, um relatório publicado há 65 anos que fornece informação pertinente e objectiva no que respeita à temática da energia. Maria Papa e Cristinao Lúcio falaram à Traço em nome da equipa, sobre o desafio que lhes lançaram, de projectarem um edifício de habitação unifamiliar com um balanço energético nulo, tendo como cenário a Guatemala, com um clima tropical e subtropical, desafiante na área da energia.
Qual a maior dificuldade que tiveram de enfrentar na criação desta solução?
Maria Papa (MP): A maior dificuldade acima de tudo foi o clima. Calhou-nos na “rifa” o país Guatemala, situado na América Central, um país tropical. Tivemos de nos preocupar em proteger o projecto a Nascente e na cobertura, pois era onde a incidência solar se tornava excessiva. Isso explica a forma do projecto. Por outro lado era importante conseguirmos uma boa ventilação e luz natural sem existir radiação directa do sol que pudesse sobreaquecer o interior da habitação. Assim foi necessária a abertura de vãos em sítios estratégicos e ao mesmo tempo recuados que pudessem impedir a sua entrada. Ao mesmo tempo, a cobertura foi alongada para criar uma certa pala que ajudasse no seu sombreamento. Foi fundamental termos em conta as condicionantes todas para se poder ter uma boa prestação.
Cristiano Lúcio (CL): A maior dificuldade para a solução final proposta foi o clima local. A Guatemala é caracterizada por ter um clima quente e húmido, com radiação solar elevada devido à sua localização geográfica próxima do equador. Em certos momentos do ano o pico da radiação solar incidente tem uma ligeira inclinação Sul mas noutros momentos do ano esta incidência faz-se de Norte. Portanto, foi-nos colocado um problema ao qual não estamos habituados uma vez que em Portugal o pico da radiação solar tem sempre incidência Sul e foi preciso um estudo muito detalhado do clima da Guatemala para posterior design da habitação, dos sombreamentos passivos, da orientação, dos materiais de construção, entre outros. Outro dos desafios da solução proposta consistia na integração do sistema solar fotovoltaico, de uma forma natural, harmoniosa e discreta na habitação.
Por palavras vossas, como é que as soluções escolhidas vão garantir um balanço energético nulo?
MP: Através de vários cálculos, realizados pelos nossos colegas da FCUL, fomos tirando conclusões que nos fizeram chegar ao resultado final. Foi preciso a utilização de bastante isolamento térmico tanto nas paredes como ainda mais na cobertura que ajudasse a proteger da incidência solar. A utilização do betão nas paredes para se conseguir uma boa inércia térmica, a utilização de janelas triplas e de um bom sombreamento passivo ajudaram a conseguir o balanço energético nulo.
CL: Em Guatemala, de uma forma muito resumida, as temperaturas exteriores variam entre os 20˚C e os 35˚C durante todo o ano, sendo que há várias noites cuja temperatura exterior não baixa dos 25, 26 ˚C. Para este projecto, considerou-se que a temperatura de conforto variava entre os 19 ˚C e os 27 ˚C. Portanto, tendo também em conta a alta radiação solar relativamente constante durante todo o ano, tivemos de ter especial preocupação com o devido isolamento das paredes exteriores e do telhado. Em segundo lugar, optámos por uma construção pesada, com betão na parte mais interior e tijolo na parte mais exterior da parede em contacto com o exterior. O tijolo, devido aos compartimentos de ar que tem, permite alguma resistência térmica à transferência de calor do exterior para o interior da habitação. O betão devido à elevada inércia térmica, funciona como um elemento estrutural cuja variação de temperatura é um processo lento. Isto permite, se devidamente arrefecido em períodos do dia de baixa temperatura exterior, emissão de energia radiativa inferior por forma a manter temperaturas de conforto interior, levando assim a uma substancial redução do consumo de energia para arrefecimento. No que toca à forma da habitação, para diminuir os ganhos solares, evitou-se o uso de vão envidraçados na fachada Este e Oeste da habitação e na fachada Norte e Sul todos os vão envidraçados têm um sombreamento passivo. Com isto, tendo em consideração os vidros de baixa emissividade constituintes dos vãos envidraçados, foi possível a não colocação de sombreamentos, como os estores exteriores, permitindo aliar a forma da habitação para redução dos ganhos solares com aspectos arquitectónicos. Em último lugar, garantimos que todos os espaços interiores tinham boas aberturas de janela para permitir ventilação natural, uma vez mais permitindo a redução do consumo de energia para arrefecimento.
A garantia de um edifício auto-suficiente coloca em causa a qualidade arquitectónica ao nível da forma, do espaço e da linguagem?
MP: Sim, porque cada escolha que formos fazendo vai alterar os cálculos da suficiência energética, temos de pensar muito bem naquilo que pretendemos e no que precisamos, por exemplo, basta a abertura de mais um vão, que achamos não fazer grande diferença, para que as coisas mudem. É tentar sempre encontrar um equilíbrio entre aquilo que achamos “bonito” e o que é necessário para que no fim tudo funcione da melhor maneira.
CL: Na minha opinião, para garantir que o edifício é auto-suficiente a qualidade arquitectónica não tem de ser colocada em causa, bem pelo contrário. Desafia os arquitectos a desenvolverem novas formas, a procurar novas soluções e novas formas de integrar todos os componentes do edifício. Estas exigências podem levar a que as soluções apresentadas não sejam tão espectaculares, mas funcionalmente serão muito mais eficientes. –
A este nível o que poderá a vossa geração trazer de novo à arquitectura?
MP: Penso que as pessoas que estiveram envolvidas neste projecto e que no futuro poderão fazer parte dele, vão acabar por criar uma visão um pouco diferente daquilo que tinham, no momento em que estaremos a criar, pensaremos duas vezes nas opções que iremos tomar pois podemos criar espaços que para além de interessantes, funcionais e vivíveis, possam ser auto-sustentáveis.
CL: Esta nova geração pode trazer uma mais-valia complementar à arquitectura. Penso que hoje em dia as preocupações energéticas e o conforto térmico nos espaços interiores têm cada vez mais influência nas pessoas e nós, engenheiros de energia e ambiente, temos a capacidade de acrescentar esta complementaridade aos projectos de arquitectura. Como já explicado noutra questão, podemos contribuir para que um projecto de arquitectura deixe de ser apenas bonito e apelativo e passe a ser bonito, apelativo e eficiente na sua utilização diária, podemos contribuir para o teste de diferentes soluções construtivas, diferentes formas e avançar num projecto onde haja um equilíbrio entre a estética, a funcionalidade e o desempenho energético.