“A viagem nasce de uma vontade de trazer à luz estes territórios invisíveis”
Maria Neto venceu o Prémi Távora 2016 e daqui a sensivelmente um mês, parte para registar in loco cinco campos de refugiados em Dadaab, no Quénia
Ana Rita Sevilha
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Maria Neto propôs mapear e estudar cinco campos de refugiados em Dadaab, no Quénia, ao longo de 70 dias e através de um olhar atento de arquitecto, contribuir para a tomada de consciência de que urge debater de uma forma alargada este problema, assim como apoiar a prática da acção humanitária, explorando estas estruturas sócio-espaciais potenciadoras de desenvolvimento e urbanidade futura. “As cidades invisíveis de Dadaab” foi o nome que deu à proposta de viagem que o júri da 11ª edição do Prémio Távora sagrou vencedora, justificando que remete “para a própria essência da arquitectura: o abrigo”.
Proposta
Na sua proposta de viagem, que surgiu como apoio à investigação de doutoramento em curso, financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, intitulada “Territórios indefinidos no dilema da acção humanitária. Posicionamento crítico do arquitecto na delineação de estratégias de Abrigo e Planeamento de Emergência”, Maria Neto evidencia que, segundo a Agência da ONU para os Refugiados – ACNUR -, “existem aproximadamente 60 milhões de pessoas em cerca de mil campos de refugiados e deslocados, localizados na sua maioria, em países em desenvolvimento”. Campos estes, continua a arquitecta, “frequentemente entendidos como zonas extraterritoriais e deslocados de qualquer contexto imediato” e que se apresentam como territórios temporários, sendo muitas vezes de ocupação prolongada. Contudo e apesar dos sistemáticos deslocamentos em massa, Maria Neto alerta para o facto de existir apenas “um manual com onze páginas dedicadas ao Abrigo e Planeamento de Emergência (APE)” que propõe um modelo de campo universal que, “uma vez aplicado às especificidades locais, denuncia incompatibilidades e graves consequências de dependência, revelando-se apenas um instrumento técnico e operativo imediato, ignorando efeitos a longo prazo” e tornando-se “desertos estéreis e sem esperança”.
O início
O interesse de Maria Neto por este tema, remonta ao tempo em que decidiu ser arquitecta. Como conta no texto que justifica a pertinência da viagem, em 2009 decidiu integrar voluntariamente a equipa da Protecção Civil italiana, após o terramoto que destruiu a região de Abruzzo. “Foi nesse momento, onde a norma se suspendeu e com ela a ideia de passado e futuro, que surgiram as primeiras questões que motivaram esta investigação. Paradoxalmente o mesmo Homem que conseguiu chegar à lua, continuava a utilizar como abrigo em situações de emergência, a rudimentar tenda de campanha e, como matriz de planeamento, uma grelha militar. Perguntava-me onde estariam os arquitectos e urbanistas no momento de criar estas ‘cidades’, contrárias a qualquer sentido de organismo vivo, transformando estes territórios em desertos estéreis, espaços inúteis e sem esperança?; porque continuaria esta solução a ser adoptada universalmente e porque nada (ou quase nada), tinha mudado ao longo de mais de quatro décadas?”.
Viagem
A viagem tem como destino Dadaab, uma cidade situada a noroeste do Quénia, a 100 km da fronteira com a Somália, “e pretende explorar o confronto entre a temporalidade inicialmente tida como pressuposto na resposta de emergência aquando a criação destes campos versus a permanência que inevitavelmente acaba por se verificar”, explica Maria Neto. Planeada para o início do mês de Junho com regresso apontado para Agosto, serão 70 dias de reconhecimento, registo e estudo in loco, destas estruturas invisíveis ainda por estudar. “Viverei nos campos procurando desvendar a rede de proximidade que sustenta estes lugares, acreditando que o conhecimento de arquitecto, sobre a casa e a cidade, orientarão o meu caminho”. Segundo a arquitecta, a cidade de Dadaab alberga a maior plataforma administrativa do ACNUR, acolhendo cerca de 350 mil pessoas deslocadas e refugiadas, vindos na sua maioria da Somália, Etiópia e Sudão do Sul, numa área de 50km2, distribuídas por 5 campos: Hagadera e Dagahaley eIfo I, construídos em 1992, e Dagahaley, Ifo II e Kambioos, construídos em 2011. De acordo com Maria Neto, “a abordagem, ainda hoje proposta pelo manual das Nações Unidas, desenvolve um planeamento neutro (o mesmo modelo aplicado em qualquer região do mundo, seja uma catástrofe natural ou uma situação de conflito) baseado na premissa de que as necessidades humanas são transversais”. Contudo, continua, “analisando as imagens de satélite e a realidade político-social desta plataforma, constata-se que esta padronização tem como efeito colateral a segregação de grupos étnicos e religiosos que, uma vez aplicado às especificidades locais, torna-se susceptível ao controlo e à politização, acentuando a vulnerabilidade crónica das comunidades. Partindo em grande parte do reconhecimento de que a maioria dos refugiados e deslocados do mundo estão nas chamadas situações prolongadas (6 a 17 anos), onde permanecem em campos por tempo indeterminado e dependentes de assistência humanitária; o crescente número de crises humanitárias e a natureza mutável do deslocamento em massa, reforçam, cada vez mais, a necessidade de estudo destas novas estruturas socio-espaciais, que se comportam como ‘cidades’ contigentes insustentáveis”. Para Maria Neto, esta viagem nasce “de uma vontade de trazer à luz estes territórios invisíveis e de contribuir para propostas alternativas de abordar a intervenção de emergência, alterando a elementaridade com que esta é interpretada do ponto de vista da Arquitectura e Planeamento, desmistificando o problema da permanência e afirmando uma nova forma de pensar a Arquitectura de Emergência contribuindo para a afirmação do direito à cidade e para a melhoria das condições de vida de milhões de pessoas”. Com os conteúdos desta viagem pretende-se organizar uma publicação em livro, a editar em 2017.
foto: https://www.unhcr.org/