‘Dificilmente se poderia ter feito melhor’
As celebrações do Dia Nacional do Arquitecto decorreram sob o mote “Aprender a profissão depois do 73/73”. Passado um ano da revogação, qual o ponto da situação no que diz respeito às condições do exercício da profissão?
Ana Rita Sevilha
Trienal lança open call para Prémio Début
Fidelidade inicia em breve a comercialização do projecto ‘EntreCampos’
PCS apresenta sistema construtivo “100% nacional e sustentável!
“Este é o momento de agir com um sentido de Estado, criando condições fiscais favoráveis para o mercado da habitação”
Portugal participa no Troféu Placo do Grupo Saint-Gobain
Investimento imobiliário 3º trimestre de 2024 inicia retoma de performance
Maior grupo italiano de engenharia e contratação geral leiloa maquinaria
Lisboa recebe fórum europeu sobre eficiência energética em edifícios
CMM promove seminário “Portugal Steel” na Concreta
Recuo do IVA a 6% na construção para habitação
As celebrações do Dia Nacional do Arquitecto decorreram sob o mote “Aprender a profissão depois do 73/73”. Passado um ano da revogação, qual o ponto da situação no que diz respeito às condições do exercício da profissão?
João Belo Rodeia: “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, e obviamente que os resultados não se vêem de imediato. Há um prazo de transição de cinco anos e vamos acompanhando a aplicação da nova lei. Mantemos aquilo que sempre dissemos: a lei abre um ciclo novo de oportunidades e de responsabilidades e é este o contexto que estimula a nossa actuação. Estamos a fazer tudo o que é possível para que a legislação que está implicada a partir da Lei 31/2009 seja devidamente alterada. Para além disso, é também fundamental compatibilizar a legislação ligada à edificação e à construção. Há muito tempo que nos batemos por um Código da Construção e da Edificação. Depois há ainda a questão da Política Pública de Arquitectura, processo no qual continuamos envolvidos.
Em relação à nova Lei 31/2009, as expectativas mantém-se idênticas e sentimos uma grande felicidade pelo fim do 73/73. Batemo-nos por essa revogação em nome do Direito à Arquitectura e em nome do interesse público que decorre dos projectos de arquitectura serem apenas subscritos por arquitectos. Conseguiu-se isso mesmo com a nova Lei. Mas conseguiu-se também salvaguardar os actos próprios não-exclusivos dos arquitectos, nomeadamente na direcção e fiscalização de obras, apesar de considerarmos que pode haver aperfeiçoamentos. A Ordem mantém-se atenta e disponível para isso mesmo junto dos nossos parceiros negociais.
Qual poderá ser o impacto na nova lei em relação ao ambiente construído?
Os dados que temos dizem-nos que no ano passado apenas entre 40 a 45% dos projectos de arquitectura eram subscritos por arquitectos, o que diz bem do impacto que a Lei pode vir a ter ao fim dos cinco anos. Recordo que neste momento já não é possível que outras pessoas que não arquitectos possam envolver-se de novo na subscrição de projectos de arquitectura. Mas existe o tal prazo de transição para alguns daqueles que, não sendo arquitectos, já os subscreviam. Daqui a quatro anos isso acabará, exceptuando, por exemplo, nalguns dos projectos que não são objecto de licenciamento, mas falamos de uma percentagem muito reduzida. Por isso, acreditamos que o impacto da nova Lei na qualidade do ambiente construído será grande, e obviamente também o será ao nível da própria profissão, nomeadamente fora dos grandes centros. Creio que grande parte dos 60% projectos remanescentes são projectos de pequena dimensão – porque geralmente os de maior dimensão já são subscritos por arquitectos – que são aqueles com acesso mais aberto, designadamente a arquitectos mais jovens. Neste quadro, creio estarmos diante de um novo mercado de oportunidades para os arquitectos.
A influência é portanto muito mais abrangente do que pode parecer à primeira vista…
Tudo indica que sim, mas nós neste momento não conseguimos ainda monitorizar qual o impacto real. Daqui a quatro anos será possível, mas neste momento ainda é prematuro, ainda para mais quando se vive com a actual crise sócio-económica que tem tido consequências nefastas na área da construção. Mas obviamente que estamos moderadamente optimistas em relação a novas oportunidades a partir deste contexto preciso. Mas há outros. Eu sempre afirmei, mesmo antes da crise, que a resposta para a nossa profissão implicava a necessidade desta ser cada vez mais flexível, versátil e diversificada. Isso já é perceptível, os 18 mil arquitectos já trabalham em âmbitos muito diversos. Mas devem continuar a apostar, por exemplo, nos actos próprios ligados à construção, incluindo a gestão, direcção e fiscalização de obras ou noutras áreas ligadas à construção, como a dos componentes. E devem ter a consciência de que o acesso ao trabalho se pode fazer, não apenas à escala nacional, mas à escala mundial. No âmbito do Dia Nacional do Arquitecto, realizámos um encontro de jovens arquitectos premiados internacionalmente. A quantidade de arquitectos envolvidos foi surpreendente. Estes arquitectos, por necessidade ou por vontade, têm uma nova ambição e trabalham não apenas para uma situação circunscrita mas para outra muito mais alargada. A este respeito, creio haver uma dinâmica distinta a instalar-se progressivamente junto de muitos arquitectos que contribui para atenuar os próprios efeitos da crise.
No âmbito desse encontro de jovens arquitectos premiados internacionalmente, houve um número interessante e até surpreendente de participações. Que conclusões se podem tirar daí?
Sim, aliás este já foi um segundo ciclo, porque há um ano atrás houve um evento semelhante na Cordoaria Nacional que já teve muita participação. Mas começando a história pelo princípio: fizemos uma exposição em Berlim chamada “Portugal fora de Portugal” a convite da Presidência da República e, na altura, o comissário da exposição seleccionou obras e projectos que eram mais do conhecimento público e que estavam a ser realizados fora do País. A partir daí, começou a perceber-se que havia muito mais projectos e obras a acontecerem fora do País. Também, com a iniciativa “Habitar Portugal”, constatou-se que havia arquitectos desconhecidos do grande público com obras construídas fora de Portugal, e assim concluiu-se que valia a pena tentar compreender qual era o âmbito real desta actuação mundializada.
Qual o lado positivo e o negativo de existirem tantos jovens portugueses a ganhar prémios lá fora e que cá nem são conhecidos?
Os mais jovens sempre tiveram alguma dificuldade em aceder à profissão, agora mais condicionados pelo forte crescimento do número arquitectos nos últimos anos. Mas é preciso dizer que também é verdade que os domínios profissionais em que podem intervir são agora muito maiores. Sempre disse que a resposta para o crescimento do número de arquitectos não está num único caminho mas em vários caminhos, que passam pela diversificação profissional, pela necessidade de ampliar a presença de arquitectos na administração central, regional e local, ou também por ampliar a própria actuação ao nível do projecto, seja em Portugal seja para fora de Portugal, aproveitando ao máximo todas as oportunidades.
O facto de muitos jovens arquitectos trabalharem para fora do País acontece naturalmente e nem sempre por não haver em Portugal qualquer tipo de oportunidade. Prende-se, designadamente, com a experiência resultante, por exemplo, do Programa Erasmus e das novas ferramentas informáticas. Mas permita-me acrescentar que existe ainda uma grande diferença entre o que se passa nos grandes centros e fora deles em Portugal. Antigamente dizia-se que era preciso ficar nos grandes centros porque era neles que existiam as oportunidades. Mas hoje estou menos certo disso.
O estudo do Professor Villaverde Cabral sobre a profissão referia que mais de metade dos arquitectos tem menos de 35 anos, e a feminização tem sido acelerada. Que problemas e mais-valias este novo perfil trás para a profissão?
É uma situação que não aconteceu de um dia para o outro. O caminho que deu origem a maior igualdade de géneros não é de agora. Aliás, nesta casa [Ordem dos Arquitectos], as minhas duas antecessoras eram mulheres, o que é muito relevante. E devo recordar que, neste mandato, a Vice-Presidente do Conselho Directivo Nacional é mulher, bem como as duas Presidentes das Secções Regionais. Compare com qualquer outra Ordem profissional. Há, de facto, uma grande presença de arquitectas na vida profissional e na vida da própria Ordem. Não é uma novidade. É um cenário progressivo que tem vindo a afirmar-se com grande naturalidade. Obviamente que do ponto de vista profissional poder-se-á questionar: será que as mulheres tem as mesmas oportunidades que os homens? Creio que não, apesar de ser crescente a sua afirmação profissional, designadamente no âmbito do projecto ou no trabalho na administração pública. Há hoje inúmeras com muito sucesso profissional, algo praticamente inexistente no passado. Mas há ainda um longo caminho a percorrer.
Quanto aos mais jovens, também não aconteceu de um dia para o outro. Foi sobretudo a partir da segunda metade dos anos oitenta que começou esse crescimento mais rápido, passámos de três mil arquitectos em 1985 para cerca de 18 mil agora. Vinte e cinco anos. Foi este aumento que permitiu aos arquitectos estarem hoje presentes em todo o País e em muitos e diversos âmbitos profissionais. Foi este aumento que permitiu maior conhecimento do seu papel e maior reconhecimento à profissão. Com o tempo, haverá maior equilíbrio geracional dentro da Ordem, demorará algum tempo mas vai concretizar-se.
A chegar ao fim do mandato, sente que cumpriu o dever e alcançou aquilo a que se propôs?
O facto de termos uma classe jovem foi pressuposto deste mandato. O lema da nossa candidatura era “Todos pela Arquitectura”, unir todos os arquitectos sem distinguir jovens ou menos jovens, mas obviamente tendo a noção de que a grande maioria dos nossos membros são pessoas com menos de 40 anos. O nosso programa eleitoral assentava em 5 objectivos, os 5 Mais, com 30 propostas concretas, sempre procurando melhor servir os arquitectos. Vamos conseguir cumpri-las quase todas.
Quer melhor do que a revogação do 73/73? Quando aqui chegámos e diante de uma sondagem em que se perguntava aos arquitectos qual era o maior desejo que tinham para o mandato, cerca de 90% disseram que era a revogação do 73/73, e era intergeracional porque se sabia que para haver um reconhecimento pleno e mais oportunidades para a profissão era necessária a revogação. E conseguiu-se e dificilmente se poderia ter feito melhor. Tal implica que cada vez maior número de pessoas vai poder ser servida pelos serviços dos arquitectos de qualquer geração. Mas quando digo que o grande impacto do fim do 73/73 vai incidir sobretudo nos projectos mais pequenos fora dos grandes centros, tenho a certeza que essa incidência vai sentir-se claramente no âmbito da encomenda mais tradicional das gerações mais jovens, que tem a ver com os projectos de dimensão mais pequena como as casas. Aquilo que se conseguiu neste mandato até ao momento, em dois anos e pouco, está muito para além daquilo que se imaginava poder vir a conseguir quando iniciamos funções.
E relativamente aos restantes pressupostos do programa, que balanço faz?
O balanço é claramente positivo. No quadro do Pelouro Profissão, para além da nova Lei 31/2009 e do acompanhamento da Legislação, a Ordem implementou dois Colégios de Especialidade, o de Urbanismo e o de Património Arquitectónico, com o primeiro em fase de conclusão. Acabámos de criar um outro Colégio de Especialidade ligado à Direcção, Fiscalização e Gestão de Obras. Estamos a tentar criar uma infra-estrutura interna que responda aos diferentes domínios profissionais dos arquitectos, que funcione como think-tank da Ordem e que aposte em melhor formação, prestando melhores serviços aos associados. Oportunamente será concretizada uma Bolsa de Peritos, ambição antiga da OA. E procurou-se prestar melhor informação especializada, designadamente informação jurídica sobre contratualização, incluindo a questão dos chamados “recibos verdes”, algo que nunca tinha sido feito. Há ainda a melhoria das Bolsas de Emprego que foram trabalhadas pelas Secções Regionais, procurando criar e melhorar plataformas de informação sobre oportunidades de trabalho. Estamos a procurar certificar a formação da OA até ao final do mandato. A Ordem aderiu recentemente ao ENACA – European Network of Architects Competent Authorities, que acompanha a aplicação da Directiva Qualificações Profissionais, pois, pela primeira vez, a OA é a autoridade competente que faz esse acompanhamento em Portugal. E estamos envolvidos no trabalho do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), com vista a evitar discriminação de profissionais pela aplicação de Bolonha. No quadro do Pelouro Arquitectura, procurou-se a implementação de uma Política Pública de Arquitectura em Portugal, um dos nossos objectivos centrais, e já estivemos mais longe. Neste momento, a implementação desta Política Pública faz parte do programa do Governo e há um grupo de trabalho formado ao nível do Ministério do Ambiente, que só lamento não ter sido mais eficaz até ao momento. A Ordem tem também procurado exercer um papel pedagógico mas também insistente junto do Estado, designadamente quanto ao Programa de Modernização do Parque Escolar, para que haja maior abertura da encomenda pública a cada vez mais arquitectos, não porque consideremos que este é um direito da profissão, mas porque consideramos que esta é a melhor forma de defender a qualidade da arquitectura. É verdade que quando iniciámos o mandato já ia em forte andamento o barco da Parque Escolar e que os resultados da insistência junto do Ministério da Educação e da Parque Escolar EPE só começaram a dar recentemente alguns frutos, ainda poucos, com os concursos promovidos pela Europan. Mas também é verdade que quanto a concursos de arquitectura parece vislumbrar-se finalmente alguma mudança, com diversos em perspectiva ou já a acontecer. No quadro do Pelouro Organização, destaco que as contas de 2009, pela primeira vez nos últimos seis anos, não são deficitárias. Conseguiu-se inverter o processo de forte endividamento em que a Ordem vinha incorrendo. E assistiu-se a um profundo processo de reforma interna, com a concretização, por exemplo, de uma Base de Dados única, objectivo antigo da OA. No quadro do Pelouro Conhecimento, apostamos na crescente abertura da OA no quadro da promoção e divulgação da Arquitectura. Os resultados obtidos até ao momento permitem afirmar que nunca houve tanta participação, tão ampla e de tantos arquitectos, muitos deles desconhecidos do grande público, nas actividades e iniciativas de divulgação e promoção na Ordem. São quase mil os arquitectos que estiveram envolvidos directamente nas mais diversas actividades, sendo a exposição “Habitar Portugal” um bom exemplo. Procurámos assim melhorar a performance da Ordem, tornando-a mais aberta e mais democrática, designadamente junto dos mais jovens que, aliás, têm acorrido em grande número às nossas iniciativas. Depois há ainda a Internacionalização, que é um desafio difícil e que não se faz de um dia para o outro. O que fizemos foi aproveitar todas as oportunidades que foram surgindo sempre na perspectiva das prioridades que tínhamos equacionado no início do mandato: em primeiro lugar, para defender a profissão, envolvemo-nos crescentemente nas organizações profissionais de arquitectos ao nível da União Europeia, o Conselho de Arquitectos da Europa (CAE) e o Fórum Europeu de Políticas de Arquitectura (FEPA). Estas eram as duas grandes âncoras. E depois aderimos ao Network of Competent Authorities for the Architectural Profession (ENACA), que verifica a aplicação da Directiva Qualificações Profissionais. São estas as três grandes organizações onde a Ordem está sistematicamente presente, participando nas respectivas actividades. Em segundo lugar a aposta na Lusofonia. Para além da revitalização do Conselho Internacional dos Arquitectos de Língua Portuguesa (CIALP), com institucionalização da organização e abertura de um website para breve, foram celebrados protocolos de colaboração com a Ordem dos Arquitectos de Angola, com o Instituto dos Arquitectos do Brasil e com a Ordem dos Arquitectos de Cabo Verde. Procuramos a aproximação das Ordens e Associações Profissionais da Lusofonia porque queremos facilitar a respectiva circulação de conhecimento e de profissionais. Em terceiro lugar, perspectiva-se a possibilidade de um novo quadro de relações com a República Popular da China, apostando num dos principais mercados emergentes de arquitectura, apesar de estarmos no início de um longo caminho. Com isto completamos o quadro de internacionalização que tínhamos proposto. Estamos também a trabalhar na criação de uma marca para a arquitectura portuguesa que possa ser trabalhada e aproveitada no âmbito do comércio externo. E destaco o facto de a exposição “Habitar Portugal”, pela primeira vez, ter várias frentes em simultâneo, itinerando em Portugal e fora.
O que não foi possível cumprir?
A revisão do Estatuto, mas não era possível fazê-la a negociar o 73/73 e a nova Lei 31/2009. Gostaríamos de ter munido a Ordem de uma infra-estrutura que permitisse que os eleitos não tivessem que fazer o papel da estrutura administrativa, e isso não foi possível. A prioridade interna foi a de proceder a uma reforma organizativa profunda da Ordem, da qual resultaram instrumentos e procedimentos fidedignos que permitirão melhorar a gestão. Apesar desta reforma importante ter sido acompanhada pela Assembleia Geral, muitos dos membros desconhecem o enorme esforço e investimento dispendidos. Ou que as Contas 2009 da Ordem já registaram equilíbrio com um ligeiro resultado positivo, o que acontece pela primeira vez desde há muito tempo.
Vai-se recandidatar?
A opção de recandidatura será sempre uma opção colectiva da equipa. O trabalho é muito e ainda nem sequer reflectimos sobre o assunto.