Opinião: Revolução em Tempos de pandemia
“Deve existir um equilíbrio entre a conciliação da manutenção de atividades económicas essenciais ao país e à empregabilidade de muitos dos cidadãos e o esforço paralelo que tem de ser desenvolvido para assegurar a protecção da saúde daqueles cidadãos, enquanto trabalhadores”
Em meados de janeiro, encontrava-me em Macau, tendo também visitado a China, a altura em que as autoridades chinesas decidiram informar que um novo coronavírus, agora denominado Covid-19, havia sido detetado como agente causador dos primeiros casos de pneumonia que afectavam à época aquele país.
Quando regressei a Portugal, uma semana depois, os engenheiros e os órgãos de comunicação social enalteciam, boquiabertos, a capacidade da engenharia chinesa de construir em 10 dias hospitais de grande dimensão (1000 camas) para acolher os primeiros infetados, exibindo vídeos que mostravam a mobilização e a concentração, num só local, de meios de que não dispomos em todo o país, sobretudo depois da outra crise de que ainda estamos a sair (resgate financeiro do país, perda da soberania e imposições externas da troika).
Algo fez soar uma campainha na minha cabeça, pois ninguém se prepara para uma guerra desta forma se não souber o que estava para vir, e cuja dimensão só mais tarde a comunidade internacional se veio a aperceber, infelizmente à própria custa.
Com efeito, só muito mais tarde percebemos que este inimigo silencioso é altamente letal e que o seu principal veículo de transmissão é o homem.
No minuto e no dia em que escrevo este artigo, segundo os registos internacionais mais credíveis, se é que os há, a pandemia já tinha chegado a 210 países, onde se registavam totais de 2.428.354 contagiados, 166.130 mortes, havendo 636.909 casos recuperados, sendo conhecidos os casos dramáticos de Espanha, Itália e Estados Unidos, sendo que Portugal, em termos percentuais apresenta das mais elevadas taxas de incidência em relação à população total (2.046 casos/1 M hab; 72 óbitos/1 M hab).
Existem outros países em que a ausência de informação ou a sua manipulação são preocupantes, porque se trata sobretudo de países com condições sanitárias e infraestruturas de saúde muito débeis, senão mesmo inexistentes, que correm o risco de serem as incubadoras para a persistência e descontrole da pandemia.
Infelizmente, alguns destes países constituem mercados com atividade e interesses para as empresas portuguesas e com presença assídua de concidadãos.
Para além da gestão que o Governo tem feito em relação à pandemia, que muito sinceramente me parece atenta e adequada, até mesmo inesperada para um país com tão fracos recursos como Portugal, já o mesmo não se pode dizer da União Europeia que, por ter percebido que iria ter de abrir os cordões à bolsa, tardou em adotar medidas, muito embora se tenha desligado dos discursos fraturantes e xenófobos, como foi o caso da Holanda.
Na verdade, a pandemia afetou de forma global a saúde, a vida, os hábitos e a economia mundial, com uma rapidez e impacto até hoje inimagináveis.
Foi essa perceção de que ninguém estava preparado para uma situação desta natureza e, por isso, ninguém se pode sentir excluído ou não afetado, que motivou uma reação mais razoável e cordata.
Para grandes males, grandes remédios.
Em poucos dias a economia portuguesa foi abalada por um tsunami, sobretudo porque está fortemente dependente de um sector tão exposto como é o turismo e atividades afins.
Tal não será novidade, porque os economistas e os próprios decisores políticos estão cientes daquela dependência e exposição, porquanto os investimentos criadores de bens transacionáveis não têm tido o crescimento desejável e são ainda incapazes de assegurar uma base sólida para a nossa economia.
O desemprego aumentou em flecha, as situações de lay off crescem por todo o país, empregos que se julgavam estáveis deixaram de o ser, as companhias de aviação ficaram em terra, indústrias encerraram as portas e aguarda-se como será a saída desta situação que vai ter sérias implicações no PIB e na empregabilidade de uma larga faixa da população, sobretudo nos mais jovens e nos emigrantes.
Admitindo que mais cedo ou mais tarde vamos conseguir conter e erradicar esta pandemia, o que só é possível graças à tão criticada rede de hospitais, públicos e privados, de que o país dispõe e do excelente SNS, o que poderá acontecer num prazo que ninguém sabe, nem arrisca opinar, temos é já uma certeza que esta situação abalou seriamente a economia mundial e seguramente a de Portugal, país altamente exposto e sem capacidade financeira para poder tomar medidas.
Mas uma coisa é certa: a pandemia também nos mudou a todos e mudou o mundo.
Afinal é possível alterar, pelo menos em grande parte, a forma como trabalhamos, nos transportamos e como nos comportamos.
Assuntos que eram tabus há 4 meses, caso do teletrabalho e do ensino à distância, passaram a ser ferramentas essenciais.
Não se iludam, pois, os que pensam que foi apenas um recurso de emergência, porque estas soluções já são adotadas em muitos países desenvolvidos e com relativo sucesso, desde que a regulação e a exigência na qualificação sejam assumidas como dogmas.
No meio disto tudo, a Engenharia, como habitualmente, está a mostrar a sua resiliência.
E falo em todas as engenharias, porque existe sempre a tentação, sobretudo numa publicação desta natureza, de se relacionar a atividade apenas com a construção civil.
E é importante fazê-lo, porque na indústria da construção e em muitas outras atividades os engenheiros são heróis nacionais, a par de tantos outros que são lembrados todos os dias.
Não podemos esquecer que as atividades fundamentais que asseguram o quotidiano dos portugueses (caso, por exemplo, das utilities e do funcionamento e manutenção dos hospitais, indústrias, agricultura, agroalimentar, etc.) são asseguradas por cadeias de trabalhadores encabeçadas habitualmente por engenheiros.
Focando-nos expressamente na Construção civil, a atividade tem-se mantido, na generalidade, existindo até informação sobre a iminente adjudicação de um grande e diversificado pacote de obras públicas, não havendo indicadores de que atividade privada decresceu, até porque já estavam em curso muitas obras de reabilitação urbana e nova.
Na verdade, quer as Associações do setor, quer a Ordem dos Engenheiros, prontamente reagiram e tomaram posições sobre questões essenciais como a eventual necessidade de paralisação das obras e estaleiros e outras relacionadas com apoios a empresas, empresários e trabalhadores liberais.
Em relação à primeira, manifestámos que, embora cientes do risco associado, pois podem, pela proximidade dos trabalhadores, induzir o risco de contágio, é indispensável manter a atividade industrial e determinadas atividades essenciais para o quotidiano do país.
Caberá a cada empresa decidir, mas acho importante tentar não parar a atividade porque a quebra da faturação levará à falência de muitas empresas (na crise de 2009 desapareceram mais de 60.000 e das 25 grandes hoje restam 4 ou 5) e à perda de milhares de postos de trabalho, o que irá agravar ainda mais o problema já existente.
Assim, deve existir um equilíbrio entre a conciliação da manutenção de atividades económicas essenciais ao país e à empregabilidade de muitos dos cidadãos e o esforço paralelo que tem de ser desenvolvido para assegurar a protecção da saúde daqueles cidadãos, enquanto trabalhadores.
Por isso, recordámos que as medidas públicas tomadas pelo Governo e demais autoridades com vista a prevenir o contágio devem ser acauteladas pelas empresas e pela cadeia de subcontratação, por forma a proteger aqueles que diariamente desenvolvem atividade nos estaleiros e nas obras de construção.
As recomendações elaboradas, a este nível, pela Ordem dos Engenheiros apenas pretendem ser um contributo dirigido às empresas, a quem compete tomar as medidas que entendam adequadas, porque muitas delas, sobretudo as de menor dimensão, não têm capacidade instalada para poderem produzir os seus planos de contingência e normas laborais de conduta num quadro de elevado risco.
Também salientámos que as recomendações não se sobrepõem às Orientações do Governo e demais Autoridades e Instituições com competências para o efeito, nem às que sejam emanadas pelas Associações do Sector.
Seguir as instruções da DGS e de outras instituições, optar por meios de transporte com capacidade mais limitada, obrigar ao uso permanente de máscaras, luvas, desinfetantes e constantes lavagens das mãos e desinfeção dos equipamentos de proteção individual, são alguns dos exemplos de medidas que devem ser tomadas.
Diariamente deverá ser feita monitorização da situação, garantindo-se que nenhum trabalhador poderá entrar numa obra sem estar perfeitamente informado das cautelas e obrigações que tem de assegurar para proteger-se a si e aos outros.
Neste aspeto, e em termos de apreciação geral, pois já decorreu tempo suficiente para fundamentar essa apreciação, na minha opinião, e não só, o Governo tem estado bem desde a primeira hora, atento e a agir adequadamente.
Publicou um pacote legislativo que visa apoiar os trabalhadores e as empresas afetadas, embora se tenha esquecido inicialmente dos sócios gerentes das microempresas e, como é público, tomou uma posição firme a nível da União Europeia, recordando que os princípios da União passam pela entreajuda nestas alturas.
Na sequência, o Eurogrupo já acordou libertar 500.000 milhões de euros para ajuda à economia dos Estados Membro.
Dirão que é pouco, mas é muito mais do que foi ajuda na crise de 2009 e, como anunciado, é um primeiro passo.
Quanto ao curto prazo, confesso maior apreensão com o forte impacto que a pandemia causou a nível global, cujos efeitos no PIB 2020 do nosso país já são expetáveis e nada animadores e, sobretudo injustos, quando coincidem com a execução de um OE2020 que, pela 1ª vez em democracia, iria gerar superavit.
Se conseguirmos salvaguardar o fôlego financeiro e as disponibilidades de tesouraria das empresas, é também forçoso não dar espaço ao inimigo, o COVID 19, que veio para ficar, e não baixar a guarda.
Neste e em muitos outros aspetos que referi, os engenheiros, que encabeçam as equipas, têm um papel crucial.
Estão atentos, informados e preocupados com a sua saúde e a dos seus empregados, bem como com a manutenção dos postos de trabalho. E, sobretudo, no regresso a casa em segurança, para junto das suas famílias.
Repetindo-me, os engenheiros também são heróis nacionais, a par de muitos outros que são lembrados todos os dias, do que todos devemos orgulhar-nos.