Arquitectura a 6% (II)
É crucial que o Governo reveja a aplicação da taxa reduzida do IVA, ajustando-a de modo a contemplar todas as intervenções que contribuam para o acesso à habitação à sustentabilidade e à preservação dos espaços urbanos
Pedro Novo
Arquitecto e presidente da Secção de Lisboa e Vale do Tejo da Ordem dos Arquitectos
A redução do IVA na construção foi apresentada como bandeira do Programa de Governo, prometendo a redução do IVA para os 6% nas obras e serviços de construção e reabilitação, bem como o ” alargamento da dedutibilidade”. O ministro Miguel Pinto Luz assumiu por essa altura, que a proposta não estaria ainda fechada pois entendia ser justo que o ganho em IVA fosse repercutido na baixa de preços para quem compra habitação. Atualmente, a proposta de orçamento de estado (OE), prevê IVA a 6% na construção ou reabilitação para habitação a custos controlados e para arrendamento acessível. Nas Áreas de Reabilitação Urbana (ARU), também se aplica o IVA à taxa reduzida de 6%, mas desde outubro do ano passado, através do programa Mais Habitação, só nas obras de reabilitação, excluindo a construção nova ou de raiz.
Na proposta do OE de 2025, o Governo solicitou uma autorização legislativa que visa a alteração do Código do IVA na construção. Autorização que prevê a alteração da abrangência das empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis habitacionais e ficam excluídos da redução fiscal, total ou parcialmente, os serviços relativos a imóveis destinados a habitação cujo valor exceda o limite compatível com a prossecução das políticas sociais de habitação do Governo.
Em maio passado, insurgi-me publicamente relativamente às medidas do Governo apresentadas através do Programa Mais Habitação, pois entendo que promovem um retrocesso significativo, com a introdução de um “crivo” sobre os benefícios da aplicação do código do IVA nas obras de requalificação e reabilitação. Reivindiquei então, mais ambição ao Governo, acreditando, que por altura do OE, iriamos ver também introduzida a taxa reduzida de IVA a 6% nos custos dos projetos de arquitetura quando destinados para habitação.
Actualmente, a grande novidade no OE é aplicação da taxa reduzida de IVA em projetos de habitação com fins sociais, a partir de 2025. Sem dúvida, uma iniciativa que a Ordem dos Arquitectos aplaude. Mas sabe a pouco, para tanta ambição. Embora este novo posicionamento seja visto como um esforço para mitigar a crise de acesso à habitação, questiono a sua abrangência e a eficácia real para resolver as questões estruturais no setor do imobiliário.
Na comunicação social, surgem críticas ao plano do Governo na limitação da taxa de 6% apenas à habitação social e “reabilitação de edifícios” sem contemplar as “empreitadas de reabilitação urbana” em áreas de reabilitação urbana (ARU). Acredito, a par com as autarquias, que esta medida não responde adequadamente à crise habitacional, pois exclui um troço largo das reabilitações em áreas centrais, necessárias para revitalizar o património e combater a desertificação dos centros históricos.
A proposta atual, impõe uma visão estreita da habitação social, falha em reconhecer a amplitude das necessidades habitacionais e ignora o verdadeiro potencial das ARUs no proporcionar habitação acessível e atrair novos moradores para áreas centrais degradadas e gentrificadas. Sem um incentivo concreto aos privados para reabilitar, o mercado continuará a afastar a população residente dos centros urbanos, favorecendo o aumento dos preços e o abandono de imóveis históricos.
Quem constrói ou reabilita habitação para introduzir posteriormente serviços de alojamento local, sabe que a natureza da sua atividade é passível de imposto, contudo, os 23% de IVA não se constituem enquanto custo por via de auto-liquidação. Por outro lado, quem promove investimento no mercado habitacional de arrendamento não terá este benefício. O Estado deverá promover políticas que não criem estes constrangimentos, artificialismos quem impedem a construção na promoção de arrendamentos junto dos privados.
A taxa reduzida do IVA a 6% nos projetos de arquitetura, seria um importante passo na mudança de paradigma. Além disso, ao apoiar apenas a construção de novas habitações sociais, o Governo favorece a expansão periférica em detrimento do aproveitamento de áreas centrais. Uma política mais inclusiva e de longo prazo, deveria fomentar tanto a construção nova quanto a reabilitação de imóveis, promovendo uma maior diversidade de habitação e evitando o desequilíbrio urbano. É crucial que o Governo reveja a aplicação da taxa reduzida do IVA, ajustando-a de modo a contemplar todas as intervenções que contribuam para o acesso à habitação à sustentabilidade e à preservação dos espaços urbanos.
Neste sentido, proponho uma política habitacional mais robusta e ambiciosa que incentive o desenvolvimento de habitação acessível em várias frentes, nomeadamente a introdução da taxa reduzida nos estudos e projetos de arquitetura no âmbito dos projetos para habitação própria e implicando o IVA a 6% nas “empreitadas de reabilitação urbana” em ARU, favorecendo em primeiro lugar, os cidadãos, a quem de facto deve ser garantido o direito constitucional de acesso a uma habitação condigna.
Nota: O Autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico