“Podemos afirmar claramente que só não se faz Passive House se não se quiser”
Com um balanço “extremamente positivo”, a 10ª conferência Passivhaus Portugal, que se realizou em Aveiro, juntou os diversos parceiros da rede. Embora a evolução seja notória na última década, “há ainda muito trabalho a fazer”. Tornar o parque edificado eficiente de acordo com os elevados níveis de desempenho da Passive House é o manifesto da associação e, neste sentido, os projectistas e consultores têm um papel decisivo na escolha de opções mais ‘passivas’
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O trabalho realizado junto das empresas do sector, a importância dos projectistas para implementar o conceito desde a fase de projecto, a legislação e o ‘exemplo’ do Governo no que diz respeito aos edifícios públicos foram alguns dos temas falados com João Gavião, arquitecto e membro fundador da Associação Passivhaus Portugal e da Homegrid. Entre outras iniciativas, a Associação prevê para 2023 a abertura do Passive House Center. Um espaço onde será possível testar as soluções que já existem e dar formação
Que balanço faz da 10ª conferência?
O balanço que fizemos da 10ª Conferência Passivhaus Portugal 2022 é extremamente positivo. Também o feedback obtido junto dos parceiros e dos participantes na conferência acompanha a nossa análise. Este resultado deve-se à qualidade das apresentações na conferência e nos workshops e à dinâmica que houve na exposição e pela participação do público.
Fazendo uma retrospectiva das últimas edições, quais as principais diferenças?
Exceptuando as edições de 2020 e 2021, que decorreram de forma remota devido ao estado de pandemia, na Conferência deste ano apostámos na continuidade em relação às últimas edições presenciais com o contínuo crescimento da qualidade e da dimensão. Procuramos nas nossas conferências anuais apresentar o estado da arte da Passive House em Portugal através dos projectos que estão a ser desenvolvidos, da investigação que está a acontecer, das soluções dos parceiros da rede. Procuramos também fazer das conferências um momento de discussão colectiva e alargada de modo a obtermos contributos para ajustarmos a estratégia de implementação da Passive House em Portugal.
Que evolução têm sentido junto das empresas e do sector a receptividade aos conceitos de construção passiva?
A ligação às empresas do sector foi uma das principais preocupações desde o início. Procurámos estabelecer e fortalecer gradualmente a ligação aos fabricantes e detentores de sistemas. Eles são um dos pilares da rede Passive House em Portugal. Temos empresas multinacionais como parceiras onde a Passive House já está no seu core mas também muitas empresas nacionais a apostarem na diferenciação através da Passive House. Temos já alguns componentes Passive House certificados de empresas portuguesas.
Este envolvimento dos parceiros é benéfico para todas as partes porque finalmente começa a haver a valorização, tecnicamente fundamentada, dos bons componentes construtivos e porque os parceiros são também um privilegiado veículo de disseminação da Passive House.
Tendo em conta a urgência climática e as metas a atingir até 2030, são cada vez mais as empresas a apresentarem soluções adequadas à construção passiva. Pode dizer-se que estamos definitivamente perante um novo paradigma?
Podemos afirmar claramente que só não se faz Passive House se não se quiser. Tem estado a ser aumentada a capacidade instalada para implementar a Passive House em Portugal e este é um trabalho que tem de ser continuado, sobretudo ao nível do projecto e da capacitação dos projectistas, que tem de acontecer logo no seu percurso académico.
Também podemos afirmar que a Passive House é cada vez mais reconhecida como o expoente máximo ao nível do desempenho dos edifícios, ao nível do conforto, bem-estar e eficiência energética. Se por um lado temos assistido a um interesse cada vez maior pela Passive House, por parte de clientes finais ou promotores, por outro lado sabemos que ainda há muito trabalho a fazer na disseminação do conceito e desmistificação de alguns preconceitos e ideias feitas.
Por outro lado, aquele que deveria dar o exemplo, o Estado, nem sempre o faz. Este cenário, que era assim antes da pandemia, mantém-se? Ou terá havido um maior alerta para estas questões na fase em que vivemos?
Assistimos actualmente a uma mudança no modo como o estado, nas suas diversas dimensões e entidades, começa a olhar para a intervenção no território e no parque edificado. Talvez seja ainda uma tímida mudança de atitude, mas as preocupações com o desempenho dos edifícios, nomeadamente ao nível da saúde e conforto e também ao nível da eficiência energética e sustentabilidade, começam a ser mais tidas em conta. É, porventura, ainda um movimento insuficiente para responder à necessidade que temos de fazer a transição do parque edificado para elevados níveis de desempenho.
A Passivhaus Portugal tem demonstrado sempre a total abertura para o estabelecimento de parcerias e estratégias comuns. Há alguns avanços feitos ao nível de alguns organismos públicos que estão a dar frutos. A Passivhaus Portugal tem também participado de forma voluntária, e também quando solicitada, a apresentar a sua visão e a dar o seu contributo, nomeadamente aquando da definição do nZEB, ou seja, do edifício com necessidades de energia quase nulas, da discussão da Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE) e mais recentemente na discussão do Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030.
O que defendemos, duma forma fundamentada, é simples e passa por fazer a necessária transição do parque edificado para os elevados níveis de desempenho da Passive House. Temos de ter objectivos ambiciosos para que haja capacidade real de transformar a realidade.
É esta visão que está refletida no Manifesto Passive House Para Todos.
Qual o papel da arquitectura e da engenharia neste processo?
Os projectistas e consultores têm o papel mais decisivo para conseguirmos alcançar o óptimo desempenho dum edifício, novo ou reabilitado. Com o bom projecto, esta optimização ocorre também ao nível do custo-benefício. Sabe-se que é nas diferentes fases de projecto, em particular nas iniciais, onde se tomam as decisões mais importantes para o sucesso do empreendimento. Porque em projecto, e quanto mais cedo melhor, custa mais ou menos o mesmo fazer bem ou fazer mal. No entanto, com o avançar no processo (conclusão do projecto, medições e orçamentos, consulta ao mercado, preparação da obra, execução da obra…) as melhorias no desempenho do edifício terão um esforço exponencialmente maior.
É por isso crucial que tanto os engenheiros como sobretudo os arquitectos, porque são estes normalmente os primeiros intervenientes no projecto, tenham as ferramentas e as competências necessárias para colocar a inteligência no projecto e para projectar para o desempenho.
Quais os principais desafios que as empresas hoje se deparam? O aumento dos custos dos materiais, da mão de obra e do imobiliário, de uma forma geral poderá ter consequências?
A subida dos custos gerais de construção afecta tanto o processo de construção dum edifício convencional como o de uma Passive House. Este facto deve levar-nos a valorizar cada vez mais a qualidade do produto final e a sermos mais cuidadosos e criteriosos nas escolhas que fazemos no projecto. Cada vez mais se aplica uma velha máxima da Passive House: se é para fazer então vamos fazer bem… à primeira.
Em relação aos custos do investimento, há outro aspecto muito relevante: se colocarmos a nossa inteligência no projecto e se aplicarmos os princípios Passive House nas fases iniciais do processo podemos ter no final uma Passive House até com menores custos de investimento que um edifício convencional.
A regulamentação nacional obriga à definição de níveis de isolamento que, por vezes, já respondem àquilo que a Passive House pode exigir. E numa Passive House o número de equipamentos e sistemas a instalar será mais reduzido que num edifício convencional. Por exemplo, numa fase inicial do projecto, definir a boa orientação do edifício, optimizando a exposição solar, tem o mesmo custo que orientá-lo mal. Por isso é possível, e está a ser conseguido, construir Passive Houses com preços de construção correntes.
Relativamente ao custo de operação, com uma Passive House as poupanças de energia para aquecer e arrefecer o edifício podem variar entre 75 e 90% em comparação com edifícios convencionais. E isso pode levar a poupanças anuais de algumas centenas de euros em habitações até bastantes milhares de euros em edifícios de serviços.
No que diz respeito à Passivhaus, quais as iniciativas que prevêem para o futuro?
A Passivhaus Portugal vai prosseguir o trabalho de divulgação e disseminação direccionada para os agentes do sector, para o público em geral e para os decisores.
Vamos continuar a disponibilizar o máximo de informação de qualidade no nosso site de forma totalmente livre e acessível a todos. Falamos, por exemplo, de todo o conteúdo das conferências, seminários e workshops, da base de dados de soluções construtivas dos parceiros da rede, ou das muitas dezenas de artigos do blog.
Como foi anunciado na 10ª Conferência Passivhaus Portugal 2022, será concluído durante o 1º semestre de 2023 o projecto pioneiro e inovador do Passive House Center onde teremos em funcionamento um espaço destinado à implementação de soluções e respectivos testes e ensaios e à formação prática especializada. Este será um importante momento para a afirmação da Passive House.
Exemplos de projectos Passive House desenvolvidos pela Homegrid:
Cestaria (Alojamento Local)
Este projecto, desenvolvido pela Homegrid, refere-se ao primeiro edifício com Certificação Passive House no sector do turismo em Portugal. A obra localiza-se na Costa Nova, concelho de Ílhavo, foi concluída em 2015 e é o resultado de um projecto de reconstrução. O edifício existente foi demolido, uma vez que a estrutura existente não permitia uma intervenção profunda devido ao estado de degradação e às alterações ocorridas no edifício ao longo dos anos. A área de construção e volumetria foram mantidas tendo sido mantidas as características da fachada e recuperadas alguns aspectos da traça do edifício original, como o dimensionamento dos vãos da fachada principal e as cores dos elementos da fachada.
A estrutura do edifício é em betão armado com uma estrutura de madeira na cobertura. As janelas aplicadas são de madeira (lacada pelo exterior e à cor natural pelo interior) e vidro triplo de baixa emissividade, sobretudo por motivos acústicos, uma vez que se trata dum edifício turístico.
Foi também definido para cada habitação um sistema de ventilação com recuperação de calor, para assegurar a renovação e a qualidade do ar de forma constante, com a essencial filtragem do ar, e com o mínimo de transferência de calor e com o máximo de conforto acústico.
Casa da Palmeira
Este projecto refere-se à reabilitação Passive House dum edifício de habitação bifamiliar que se encontrava devoluto. O edifício localizado em Ílhavo foi alvo duma reabilitação profunda. A Casa da Palmeira irá obter a Certificação Passive House após a sua conclusão e será a primeira reabilitação em Portugal com a Certificação Passive House.
Foram apenas mantidas as paredes exteriores em adobe, tendo sido isoladas termicamente com um sistema ETICS pelo exterior e com lã mineral pelo interior. A cobertura foi executada com uma estrutura de madeira com isolamento em lã mineral entre os barrotes.
Foi aumentada a área de cada uma das habitações com o aproveitamento do desvão da cobertura e a definição dum acesso vertical em escadas.
As janelas aplicadas são em PVC e têm certificação Passive House e foi definido um vidro duplo de baixa emissividade. O sombreamento na fachada a sul foi definido com estores pelo exterior.
Em cada habitação foi instalado um sistema de ventilação com recuperação de calor, para assegurar a renovação e a qualidade do ar de forma constante, com a essencial filtragem do ar, e com o mínimo de transferência de calor e com o máximo de conforto acústico.
nZEBoffice+
A obra localiza-se em Ílhavo e foi concluída em 2018. O escritório, que faz parte dum edifício de escritórios construído nos anos 90 sem qualquer tipo de preocupação energética e ambiental, foi objecto de uma intervenção exclusivamente pelo interior cumprindo o desempenho EnerPHit. As necessidades de aquecimento e de arrefecimento foram reduzidas em 75 %, garantindo elevados níveis de conforto térmico e qualidade do ar interior.
O isolamento foi definido em XPS em toda a envolvente opaca (paredes: 60 mm; tecto: 60 mm; pavimento: 20 mm), assegurando a estanquidade ao ar e resolvendo o problema das pontes térmicas. As novas janelas aplicadas são em PVC com vidro duplo de baixa emissividade, aplicadas pelo interior, e foram mantidas as janelas existentes em alumínio simples e com vidro simples. Foi instalado um sistema de ventilação com recuperação de calor, para assegurar a renovação e a qualidade do ar de forma constante, com a essencial filtragem do ar, e com o mínimo de transferência de calor e com o máximo de conforto acústico. As baixas necessidades de arrefecimento e de aquecimento são satisfeitas com uma unidade mini-split (ar condicionado).
Moradia Santa Maria da Feira
No projecto foram integradas soluções da arquitectura solar passivas, mostrando o seu potencial na integração com o desempenho Passive House. As necessidades de energia previstas são tão reduzidas que este projecto após a conclusão será um dos edifícios de maior desempenho a nível nacional e internacional. Tratando-se duma obra de raiz, num terreno desafogado e sem grandes limitações urbanísticas, foi possível optimizar o desempenho do edifício de modo a reduzir drasticamente as necessidades de climatização. A chave para este resultado passou pela aplicação dos princípios da arquitectura solar passiva.
As soluções construtivas são relativamente comuns (estrutura de betão armado, paredes em alvenaria de bloco térmico, sistema ETICS, janelas em PVC (com certificação Passive House) e vidro duplo de baixa emissividade. Foi também definido um sistema de ventilação com recuperação de calor, para assegurar a renovação e a qualidade do ar de forma constante, com a essencial filtragem do ar, e com o mínimo de transferência de calor e com o máximo de conforto acústico.
Quando comparado com um edifício convencional talvez a maior diferença esteja no cuidado em assegurar a estanquidade ao ar da envolvente do edifício, o que permite reduzir as trocas de calor com o exterior, melhorar o conforto térmico e acústico, assegurar a ausência de patologias e melhorar a ventilação do edifício, uma vez que a ventilação só ocorre através dos meios e sistemas definidos para tal.