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“Seria extremamente vantajoso trabalhar directamente com os arquitectos no planeamento urbano”
Sandra Rafael é investigadora da Universidade de Aveiro e co-autora de um estudo que reforça a ideia de que é necessário implementar conhecimentos científicos no planeamento urbano
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Sandra Rafael assina, juntamente com Bruno Vicente, Vera Rodrigues, Ana Miranda, Carlos Borrego e Myriam Lopes, o trabalho de Investigação que se centra no potencial que espaços verdes estrategicamente pensados têm na melhoria da qualidade do ar nas cidades.
O estudo refere as mais-valias de “espaços verdes estrategicamente posicionados”. Que directrizes estão na base destas posições estratégicas? Como podemos saber onde ficam exactamente esses pontos estratégicos?
Sandra Rafael: Ao longo dos últimos anos a melhoria da qualidade do ar nas áreas urbanas tem vindo a ser conseguida através da redução das emissões de poluentes atmosféricos, conseguida sobretudo por via de soluções tecnológicas. Mais recentemente, e reconhecendo que as medidas tradicionais continuam a ser necessárias, a União Europeia tem defendido que estas devem ser reforçadas por soluções naturais. Sabemos hoje que as designadas soluções baseadas na Natureza permitem assegurar múltiplas funções e benefícios num mesmo espaço, podendo ser mais eficientes em termos de custo-benefício. Para perceber a influência da introdução de um parque verde urbano na qualidade do ar foi, numa primeira fase, analisada a actual morfologia de área de estudo, sendo essa a nossa situação de referência. Estes cenários (situação de referência e situação com parque verde urbano) foram analisados através da aplicação de modelos de qualidade do ar de escala local, os chamados modelos de dinâmica de fluídos (modelos CFD). Estes modelos são capazes de reproduzir os processos físicos e químicos que acontecem na atmosfera. Sendo estes modelos de escala local, consideram ainda informação da morfologia urbana (edifícios, árvores, estradas), que tem um papel preponderante no microclima urbano e consequentemente na qualidade do ar. Com este tipo de modelos, conseguimos com detalhe saber a influência da introdução de espaços verdes em ambiente urbano na qualidade do ar.
Existem tipos de árvores/vegetação específicos para a obtenção de melhores resultados?
A influência de diferentes tipologias de árvores/vegetação não foi alvo de análise neste estudo. No entanto, existem diversos estudos na literatura que demonstram que diferentes tipologias de vegetação conduzem a resultados diferentes. Fatores como a geometria e a densidade de área foliar das árvores são extremamente importantes. Este ponto será alvo de investigação futura.
Que outro tipo de valências um espaço verde urbano deverá ter para contribuir para uma melhor qualidade do ar nas cidades?
A qualidade do ar à escala local depende fortemente das singularidades de cada área urbana, pelo que a morfologia do território, onde se enquadra a vegetação, e as condições meteorológicas locais são factores preponderantes. Estamos a falar de um escoamento atmosférico complexo, cujo o comportamento varia hora a hora. Por este motivo não há uma solução única que possa ser aplicada a diferentes áreas urbanas, cada caso será um caso. Há por isso a necessidade de integrar o conhecimento científico e as ferramentas que temos ao nosso dispor no planeamento urbano, para optimizar o papel das soluções baseadas na Natureza na melhoria da qualidade do ar e da qualidade de vida dos cidadãos. Se aliarmos os benefícios dos espaços verdes para a qualidade do ar a outras vertentes ambientais, por exemplo, a regulação do microclima urbano, especialmente importante num contexto de alteração climática pela sua capacidade de reduzir a temperatura ambiente, estamos claramente numa situação de “win-win”.
Os resultados do estudo reforçam a necessidade de integrar o conhecimento e as ferramentas científicas no planeamento urbano. Na sua opinião, os decisores políticos ainda não estão enquadrados com esta necessidade?
Muito trabalho tem vindo a ser feito para aproximar as universidades da indústria, dos decisores políticos e da sociedade, e muitas barreiras já foram quebradas. Acredito que os decisores políticos reconhecem a importância do conhecimento que tem sido criado nas universidades, e prova disso é termos como parceiros em projectos de investigação muitas câmaras municipais. O que falta é passar à prática e colocar esse conhecimento ao serviço da sociedade, através de acções que efectivamente contribuam para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Para além dos decisores políticos, existem também os arquitectos – elementos chave no desenho de espaços urbanos. Que grandes mais-valias poderiam retirar estes profissionais, do trabalho em conjunto com os investigadores?
A sua questão é bastante pertinente. Como disse e bem os arquitetos são elementos chave no desenho dos espaços urbanos e por isso seria extremamente vantajoso trabalhar directamente com esses profissionais no planeamento urbano. Seria vantajoso que na escolha da tipologia de vegetação a implementar numa determinada área fossem tidas em consideração as questões da qualidade do ar e da regulação do microclima urbano (muito importante num contexto de alteração climática). O trabalho de investigação que tem vindo a ser desenvolvido e as ferramentas que temos ao nosso dispor permitiram auxiliar os arquitectos na escolha das melhores opções face às singularidades de cada área urbana, garantindo que para além da questão paisagística, as múltiplas funções e benefícios que as soluções baseadas na natureza podem desempenhar são optimizadas.
Analisando de uma forma geral os parques verdes urbanos das nossas cidades, que considerações consegue fazer?
Estamos num período crítico no que às questões de espaço urbano diz respeito, nomeadamente face às necessidades de espaço para alojamento e para serviços públicos. Neste contexto, as árvores e os parques podem ser considerados “artigos de luxo”, mas felizmente, algumas cidades portuguesas têm planos para expandir as suas áreas verdes. Não podemos esquecer o mais importante. A maioria da população europeia (mais de 75%) vive e viverá em áreas urbanas, e conhecendo hoje os efeitos da poluição atmosférica na saúde humana, é imprescindível garantir um ar de qualidade nas nossas cidades. Com um adequado planeamento urbano é possível que as infra-estruturas verdes (árvores) e as infra-estruturas cinzentas (os edifícios) coexistam no mesmo espaço urbano.
Do seu ponto de vista, quais deverão ser os grandes objectivos e as grandes linhas quando se desenha um espaço deste tipo?
O grande objectivo é sem dúvida ter uma visão transversal do espaço urbano. Isto é, desenhar o espaço de forma a que este seja a solução para mais do que um problema. Temos de investir de forma a sermos eficientes em termos de custo-benefício. Isto significa que o planeamento do território, por exemplo a selecção do tipo de soluções baseadas na natureza a aplicar, o local e a área dessa solução, entre outros factores, é imprescindível, e requer que as medidas sejam avaliadas antes da sua implementação. Tal só é possível através da aplicação de modelos numéricos.