«Por uma Ordem de valores»
Prezar os valores
dos arquitectos
e contribuir para a sua dignificação
e promoção são
algumas das metas
de Luís Conceição.
O Construir foi saber quais os objectivos do arquitecto,
“cabeça” da primeira lista candidata
ao lugar de Helena Roseta
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Em entrevista exclusiva ao Construir, Luis Conceição, o primeiro candidato ao lugar de Helena Roseta na presidência da Ordem dos Arquitectos considera que mesmo não havendo uma falta de valores nas linhas de actuação das anteriores direcções, também "não houve uma afirmação nesse sentido"
"Por uma Ordem de valores" é o lema da sua proposta. O que quer dizer com isso?
Normalmente quando se faz uma afirmação é em função de uma polaridade. Eu penso que a nossa vida e o nosso sistema de vida se apoiam no equilíbrio entre os valores e os interesses, que acho serem duas coisas importantes. Eu prezo mais os valores do que os interesses e penso que, neste momento, a Ordem dos Arquitectos deve pesar mais os valores dos arquitectos e da arquitectura do que os interesses de alguns arquitectos.
Acha que houve uma falta de valores durante os anteriores mandatos?
Não é isso que quero dizer. Não houve uma falta de valores, mas também não houve uma afirmação nesse sentido.
Esta é uma candidatura de continuidade ou de ruptura com o que tinha vindo a ser feito pela arquitecta Helena Roseta?
É uma candidatura que procura ser prepositiva, não queremos ser contra nada, mas queremos propor coisas novas. Algumas não são assim tão novas, já vêem sendo contadas, nomeadamente no último congresso da Ordem, nas monções que foram aprovadas e que nós basicamente apoiamos; e outras que não têm sido pensadas ou que pelo menos não têm sido expostas como valores e como objectivos principais.
Tais como?
A dignificação da actividade do arquitecto, pugnar mais pela arquitectura do que pela promoção de alguns arquitectos. Por um lado promover a arquitectura como profissão dentro da sua diversidade e apostar na divulgação dessa diversidade, isto porque o arquitecto não se limita a ser autor de edifícios, tem uma possibilidade de acção na comunidade muito mais vasta, e por outro lado estender o território de acção do arquitecto, sair do rectângulo que é Portugal. Temos de pensar que somos um país que pertence ao espaço europeu e ao espaço lusófono, portanto o nosso território é muito grande.
Que medidas é que se tomam para dignificar a profissão do arquitecto?
Por um lado mostrar à sociedade que os arquitectos são imprescindíveis para o bem-estar, para o conforto físico, estético e ambiental da comunidade. Neste momento é muito mais importante mostrar o que é que o arquitecto faz, e a sua imprescindibilidade no território, do que estar a promover meia dúzia de arquitectos que geralmente são sempre os mesmos, ou meia dúzia de arquitecturas. É uma questão de prioridade. A outra prioridade é abrir caminhos para os jovens através de protocolos com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), com os países de leste, entre outros, e assim abrir caminhos para novos territórios de acção dos arquitectos portugueses fora de Portugal. Levá-los a entender que o contexto de Portugal entre fronteiras é uma coisa que já não existe.
Isso quer dizer que pensam estabelecer acordos com universidades europeias?
Com as Ordens, com outros agentes de intervenção no nosso espaço, sejam promotores imobiliários, Estado, associações, escolas. E no caso do espaço lusófono procuraremos criar uma associação, penso que a ideia não é inédita já vêm de trás, das Ordens dos Arquitectos com fortes ligações a Portugal, tais como Brasil, Angola, Moçambique, Timor, Índia. Promover a livre circulação de arquitectos nos territórios lusófonos.
Actualmente estão inscritos na Ordem cerca de 15 mil arquitectos. Existe espaço para tantos profissionais?
Existe, mas é importante que o arquitecto diversifique a sua actividade. Hoje com o crescimento cultural, Portugal já não é um país subdesenvolvido nem analfabeto, a nossa classe média e a nossa pequena burguesia já é informada e formada. Hoje não vamos a uma loja simplesmente comprar uma camisa, vamos pelo formato, a marca e o corte da camisa. Há 40 anos comprávamos o que havia, hoje já escolhemos, portanto é natural que as pessoas quando querem fazer uma remodelação de uma sala ou de uma casa-de-banho, chamem um arquitecto, um arquitecto de interiores ou um designer. Outro dos nossos objectivos é implementar os colégios de especialidade e portanto trazer a nós todas aquelas áreas do fazer e do saber que têm a ver com o design, com o riscar e projectar. Acho que um designer gráfico está mais próximo do arquitecto como forma de agir, do que está o engenheiro agrónomo do engenheiro informático, e ambos fazem parte da Ordem dos Engenheiros. Portanto, o facto de serem 15 mil arquitectos não me preocupa, acho que há espaço para todos. Hoje em dia o arquitecto já não é o homem que trabalha no vão de escada, já é um individuo que precisa de se agrupar com outros arquitectos e com outras especialidades para fazer os seus projectos, o seu espaço de acção já não é só o território nacional é todo o território europeu, a China, Angola, Cabo Verde, São Tomé, a Guiné. Depois há a critica de arquitectura, o jornalismo de arquitectura, a fotografia de arquitectura, a história, a teoria, o ensino e a investigação que é uma coisa emergente. Logo, o arquitecto não tem de ser apenas o homem ou a mulher do projecto porque tem uma abrangência territorial, tanto em termos geográficos como da própria profissão, que não tinha à 15 ou 20 anos. É preciso divulgar e mostrar à sociedade que o arquitecto é imprescindível.
E como é que se mostra?
Por um lado através de um apoio muito grande aos núcleos e delegações regionais, que é quem está no terreno e tem neste momento uma valia associativa maior ao nível da classe. As nossas assembleias-gerais na sede não tem mais de 25 ou 30 pessoas, e se for às assembleias regionais do núcleo de Castelo Branco ou do núcleo do litoral alentejano estão lá todos, são poucos mas estão todos. Isso marca a diferença das pessoas que estão no terreno, que trabalham com um público mais diversificado do que as que estão em Lisboa ou no Porto e são pessoas com uma vontade enorme de trabalhar e mostrar serviço, e esse trabalhar não é a feira de vaidades de mostrar a sua obra, mas de organizar debates voltados para a população e não apenas para serem vistos por arquitectos ou estudantes de arquitectura. Depois existe a divulgação, que é possível através da nossa imprensa, termos uma frente que não seja exclusivamente de auto promoção mas também voltada para o exterior para fora da classe, e depois existem outros organismos. Relativamente à dignificação do arquitecto, há uma coisa que nós não podemos fazer mas iremos incentivar, que é a criação do Sindicato Nacional dos Arquitectos, uma vez que uma percentagem muito grande dos arquitectos estão a trabalhar por conta de outrem e a ser pagos abaixo daquilo que seria um nível digno de remuneração. Portanto, penso que um sindicato pode ajudar a dignificar a profissão enquanto arquitecto assalariado. Daremos todo o apoio logístico e jurídico que for possível, não podemos promover, mas incentivar a criação desse sindicato é uma das peças do nosso programa.
Que papel tem o ensino na construção dessa imagem?
Fundamental. Eu costumo dizer que existem quatro organismos fundamentais para que haja um equilíbrio da classe: a Ordem, um sindicato, uma associação nacional de escolas de arquitectura e uma associação de estudantes de arquitectura de primeiro, segundo e terceiro ciclo, isto já nos ciclos de Bolonha. A Ordem dos Arquitectos cobre o arquitecto na sua prática profissional, como autor; o sindicato cobre o arquitecto assalariado, e depois temos as associações que estão relacionadas com o ensino e a investigação da arquitectura. Uma das coisas que estamos a debater e a tentar incentivar as escolas a fazer é que cada uma defina uma identidade própria, haver uma diversidade que permita liberdade de escolha e possibilidade de debates e workshops sobre a prática e ensino da arquitectura. A Ordem quase que impôs, para as acreditações dos cursos, um modelo de curso de arquitectura em que as pessoas têm uma margem de um ou dois por cento para se distanciarem, e temos de nos libertar disso. Esta associação de escolas de arquitectura pode aprofundar as questões da didáctica da investigação da arquitectura e da intercomunicação que não existe, porque as escolas estão todas fechadas sobre si. Eu penso que estes quatro organismos poderão contribuir para a dignificação do papel do arquitecto, uma vez que cobrem aspectos distintos da prática e do ensino, e quem sabe até pode sair de algum deles o futuro organismo que vai acreditar cursos de arquitectura junto do ministério da Educação. Esta é uma ideia forte, e é nosso objectivo incentivar a sua realização.
Outra das suas propostas é a descentralização dos mecanismos burocráticos da Ordem. Em que medida?
Passa pela redução da carga burocrática da sede mãe e das sedes regionais. Hoje temos órgãos que se sobrepõem, temos um concelho nacional de admissões, um concelho de admissões da região sul, um concelho de admissões da região norte, temos um concelho nacional de delegados, um concelho de delegados da região sul e outro da região norte, ou seja, existe uma triplicação de cargos e órgãos que acabam por guerrilhar entre si e que pode ser simplificado. Depois temos uma série de tarefas de apoio aos arquitectos que podem ser simplificadas através dos nossos sistemas informáticos, bem como a simplificação dos processos de licenciamento. Se conseguirmos reduzir a carga burocrática e o aparelho administrativo central da Ordem e das suas duas secções, conseguimos ir buscar espaço para distribuir localmente pelos núcleos e delegações. No entanto, também é preciso reformular a lógica desses núcleos e delegações, todo o sistema tem de ser revisto.
Refere que a profissão está carente de uma "acção mais determinada". Como se consegue essa determinação?
A Ordem, desde que foi criada, tem gasto 80% a 90 % do seu esforço físico, intelectual, e humano a admitir sócios e a acreditar cursos. Isso é um facto que a própria Helena Roseta reconheceu. Só parou porque houve um grupo de alunos ligados a uma universidade que levaram a Ordem a tribunal e ganharam, senão continuava a fazer exactamente o mesmo. Nós queremos reduzir isso ao máximo e trabalhar no sentido da qualificação da arquitectura, dos arquitectos e da imagem dos arquitectos, abrir caminho para a empregabilidade, sobretudo dos jovens, e procurar criar um fundo para enquadramento dos arquitectos velhos, idosos e desvalidos, eu penso que a Ordem também tem de se preocupar com eles. Para além disso, procurar que as sedes da Ordem dos Arquitectos sejam espaços dignos, ponto de encontro onde as pessoas vão ter ao final do dia, reencontrar-se com colegas, discutir trabalhos, um espaço acolhedor.
Acha que a Ordem cativa pouco os associados?
Acho que rejeita, eu pelo menos não tenho prazer nenhum de lá ir. Mesmo o próprio espaço físico é um espaço que rejeita. Não tem um auditório digno, uma ordem com 15 mil associados tem um espaço onde cabem cerca de 100 pessoas. Aquele espaço foi projectado para a antiga associação dos arquitectos, mas isso acabou, o paradigma é outro. Portanto temos de pensar em termos de futuro, o facto de aumentar tem prós e contras mas também nos dá força, significa que é uma classe que começa a ter voz.
Relativamente ao sistema de admissão à Ordem?
Vamos revê-lo radicalmente. Não faz sentido fazer estágios não remunerados que em 75% dos casos não o são em arquitectura, são em auxiliares de escritórios de arquitectos. Temos um grupo de pessoas com ideias próprias, vamos debate-las, apalpar o pulso, saber em que estado está a Ordem e ouvir mais opiniões.
Como vê o atraso na revogação do decreto-lei 73/73?
Se for aprovado tal como está eu penso que é um recuo. O arquitecto deixa de ser autor de projecto para ser autor de uma especialidade. O que não é 100% errado mas é 99% se calhar. É claro que o arquitecto hoje em dia precisa de se associar com outras formações, mas continua a ser o chefe de projecto e deve continuar a ser o autor de projecto. Por outro lado, o arquitecto fica confinado ao projecto dos edifícios, deixar de poder trabalhar espaços públicos, por exemplo, e parece-me que a arquitectura ainda é uma arte generalista. A revisão do 73/73 deve ser muito bem ponderada.
Consegue fazer uma análise dos mandatos anteriores?
Consigo, mas não quero.
Já existem nomes para a Secção Regional Norte e Secção Regional Sul?
Nós apoiamos qualquer lista que seja eleita, quer para o norte quer para o sul, no entanto estamos a colaborar de perto com uma lista que está a ser formada para a secção regional sul pelo arquitecto Nuno Malheiro, que partilha do nosso sistema de valores e dos nossos objectivos, e é possível que surja uma semelhante no norte, mas com autonomia.
Como vai ser a sua campanha?
Será uma campanha simples, iremos às delegações que nos recebam falar dos nossos objectivos e faremos a divulgação por meios normais.
A Trienal de Arquitectura é um evento para continuar?
Eu penso que é importante existir grandes exposições e grandes festas de arquitectura, em que se divulgue a arquitectura que se faz em Portugal e não só, e que se tragam pessoas influentes no campo do pensamento e projecto de arquitectura a nível mundial. Contudo, penso que não precisamos de uma coisa desta dimensão. Na realidade, precisamos de algo que esteja muito mais voltado para o público e para a comunidade do que para os arquitectos. Esta Trienal foi feita para arquitectos e estudantes de arquitectura. Embora não seja da nossa competência, penso que este tipo de evento deve ser voltado para o exterior, para a população, que são as pessoas que servimos.
Como vê o estado da arquitectura portuguesa actualmente?
Não há um momento a partir do qual podemos dizer que estamos bem. Houve períodos de grande crescimento, de mau crescimento e de desqualificação de espaços, nomeadamente por causa de algumas figuras legais que desenquadram o desenho urbano do ordenamento das cidades e nós sofremos os efeitos disso. Há muito para fazer. n