“A arquitectura está na relação dos objectos”
Gonçalo Byrne é, sem dúvida, um dos arquitectos portugueses mais conhecidos no estrangeiro. Uma das suas grandes preocupações consiste na relação entre o arquitecto e o seu papel na planificação das cidades. Byrne critÃÂca fortemente o abandondo das polÃÂticas de projecto. Um mês após o encerramento da exposição “Geografias Vivasâ€Â, que esteve patente no Centro… Continue reading “A arquitectura está na relação dos objectos”
Filipe Gil
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Gonçalo Byrne é, sem dúvida, um dos arquitectos portugueses mais conhecidos no estrangeiro. Uma das suas grandes preocupações consiste na relação entre o arquitecto e o seu papel na planificação das cidades. Byrne critÃÂca fortemente o abandondo das polÃÂticas de projecto.
Um mês após o encerramento da exposição “Geografias Vivasâ€Â, que esteve patente no Centro Cultural de Belém, qual o balanço que faz?
Por aquilo que me foi dito pela organização a exposição teve um balanço muito positivo, a nÃÂvel de público. O próprio CCB elaborou uma série de acções paralelas que me surpreenderam pela positiva. A exposição foi uma oportunidade que nos foi oferecida, no seguimento da participação da Bienal de Arquitectura de São Paulo, no Brasil. O ateliê foi convidado directamente pela organização do evento, no qual trabalhámos um pouco tendo em conta o tema da bienal. O tema tem a ver com a relação da arquitectura com a cidade contemporânea. Isso traduziu-se na mostra, que não pretendeu ser antologica. Estava em causa usar seis projectos para levantar e isolar temas e abri-los àdiscussão. A exposição teve um conteúdo escrito de suporte e uma série de conversas que gravei com várias personalidades. Conversas que andaram àvolta dos tais temas que nos pareceram importante trazer a público. Incluindo a relação desta temática com os promotores e os decisores polÃÂticos, como promotores fundamentais que são. Nos vários blocos de vÃÂdeo de conversa, a maioria com arquitectos, um paisagista e ainda um polÃÂtico, Jorge Sampaio, que considero que tem sido um dos polÃÂticos que mais se bateu por estes temas. Conhecia vários textos dele e daàter pedido esta conversa. Uma exibição que tinha um pouco estes objectivos, mais do que mostrar uma obra de autoria.
E o intuito da exposição resultou?
Acho que funcionou. Até me surpreendeu pela positiva. Tive conhecimento de visitantes de outros pontos do paÃÂs. De Alcobaça, por exemplo. E bastantes pessoas para além daqueles. Tive a oportunidade de fazer duas visitas guiadas àexposição que foram muito demoradas, não apenas pelas minhas explicações, mas pelas dúvidas que eram colocadas. Foi francamente estimulante.
Há a possibilidade da exposição ser mostrada a outros públicos?
Existe um pedido para levarmos a exposição a Alcobaça, mas ainda não está nada programado. Mas gostaria muito que fosse. De concreto há o pedido para a levar ao estrangeiro, em Bruxelas, e a Vicenza, Itália. Provavelmente o conteúdo terá algumas variações, para Itáilia não se justifica a temática apresentada em Lisboa.
Dentro da temática da exposição, e por aquilo que actualmente se lê nos media, qual a sua opinião sobre o papel do arquitecto na construção das cidades, principalmente para as portuguesas?
Se nos compararmos a outros paÃÂses da Europa, a participação do arquitecto português na construção da cidade é muito baixa, e se compararmos com o paÃÂs onde essa inserção é mais alta, a Espanha, faz com que o arquitecto português não tenha sido o interluctor que era desejável que fosse. Tem a ver com vários factores, sobretudo com um determinado tipo de cultura que se traduz ao nÃÂvel das opções dos decisores polÃÂticos. Isto está a ter custos muitos altos na falta de qualidade e até de exaustão de meios, ou falta de sentido de poupança. Tem tudo a ver com a gestão do território, sobretudo na implementação desses planos. Faz-me muita confusão a ligeireza como se coloca em causa uma cultura de plano e de projecto. Não entendo como há pelo menos vinte anos se discute a estratégia do TGV, com atitudes caricatas de, por exemplo, acusar os espanhóis de nos estarem a impor os seus interesses, acontece que no que toca àligação com as fronteiras, e como gastamos vinte anos para decidir, e os espanhóis já decidiram há muito tempo temos de seguir aquilo que nos dizem. O outro caso é o da aeroporto da Ota, ou os estudos não eram credÃÂveis ou são credÃÂveis e ninguém quer saber. Sistematicamente tudo é posto em causa, o grande custo é o descrédito da cultura da planificação que estamos todos alegremente a construir, especialmente os polÃÂticos. Acho duplamente grave para um paÃÂs que sempre teve um background muito frágil neste campo.
Mas como pode o arquitecto mudar esta situação?
O arquitecto é um interlocutor central neste processo, pela formação que tem por aquilo que aprende e que pode colocar ao serviço da cidade. Claro que o arquitecto não está sozinho, é algo transdisciplinar e tem de estar em sintonia com a engenharia, os historiadores, ecologistas, sociólogos, paisagistas, mas no que toca àelaboração dos projectos é impensável qualidade sem o arquitecto. Claro que a arquitectura não pode existir sem decisores polÃÂticos, promotores públicos ou privados, sem a economia não existe. Agora, quando é chamado a intervir, é um instrumento central e fundamental. Mas não basta que o arquitecto tenha de intervir, é necessário dizer que tem de intervir com qualidade. Há, infelizmente um grande historial de intervenções sem qualidade. E sem haver exigência, rigor por parte da profissão, também não se está a contribuir para credibilizar a tal cultura de projecto.
E isso pode ser incutido no ensino da arquitectura?
Mas infelizmente é mais grave que apenas a questão do ensino, tem a ver com a própria cultura do paÃÂs. O ensino continua a ser muito discutido desde o 25 de Abril. Mas no que respeita àarquitectura o ensino é fundamental.
Há qualidade suficiente, no ensino da arquitectura, para produzir arquitectos que no futuro ganhem o papel que devem ter na sociedade?
Acho que há meios para isso, não sei se os meios chegam para tanta oferta, actualmente em Portugal há cerca de trinta escolas de arquitectura, entre públicas e privadas, e isso implica mobilizar do lado da docência uma quantidade muito grande de meios, e suspeito que não há uma situação de equÃÂlibrio. Fiz parte de algumas comissões de avaliação de escolas de arquitectura e presenti que há escolas com problemas estruturais. Contudo, é verdade que Portugal neste momento dispõem de um prestigÃÂo e projecção no estrangeiro, ao nÃÂvel da produção arquitectónica de grande nÃÂvel, costumo dizer que de toda a produção cultural – admitindo que a arquitectura é produção cultural -, a arquitectura é uma das áreas de grande prestÃÂgio não só a nÃÂvel europeu, como intercontinental. O que se traduz num fenómeno muito grande na projecção do paÃÂs lá fora, mas que não tem um repercussão dentro de fronteiras. Esse fenómeno, no entanto, acontece com Espanha, que tem um projecção mundial muito grande, mas com muito maior repercussão a nÃÂvel interno. O que não existe em Portugal. Há aqui uma “decalage†é um pouco preocupante. Mas tudo isto tem também a ver com o próprio estado da arte, por exemplo revistas como a Wallpaper que colocam duas ou três imagens de um certo projecto, e que depois percorrem o mundo veiculam a estética da arquitectura e não da envolvência do projecto com o meio que o rodeia.
A imagem promove a arquitectura a pensar no objecto sem pensar num todo e na envolvência?
A imagem promove situações muito pontuais e isolados dos seus contextos. Por vezes o enquadramento das fotografias pode ter um efeito negativo, também tem efeitos positivos, claro. Mas aquilo que as revistas promovem são a fotogénia da arquitectura, e não a arquitectura. Por vezes existem projectos que chegam até nós através das fotografias que vistos ao vivo não são assim tão interessantes. Na arquitectura a imagem é muito importante, central, mas não é o único instrumento, a arquitectura é tactil, tem cheiro, tem temperatura, tem som, a arquitectura tem vida. Nós, arquitectos projectamos contentores de vida, e isso a imagem dificilmente traduz. É necessário contacto com os edifÃÂcios, ir lá. Habitá-los, percorre-los.
Parece então que os decisores nacionais tendem a ver a arquitectura através dessa fotógenia e como objectos pontuais?
Esse é um dos temas da exposição no Centro Cultural de Belém. E bato-me muito por isso. É um tema que insisto muito nas minhas aulas de projecto que é dizer que a arquitectura não está só nos edifÃÂcios, nos objectos, mas em grande medida no espaço de relação dos objectos, nas praças, nos parques, nas ruas, nas infra-estruturas.
Como é possÃÂvel o arquitecto português, em sentido prático, agir para influenciar um pouco mais a sociedade. Parece que nada se vai fazendo para que isso mude?
Acho que é uma questão complexa, para ser prevista e ser eficaz é necessária uma estratégia que passa por muitas frentes diferentes. Uma, que é a questão corporativa, onde a Ordem dos Arquitectos tem estado a ter um papel positivo. Mas a arquitectura tem, de algum modo, de interiorizar que é necessária, e para isso tem que exigir ao nÃÂvel do ensino, e cada vez mais credÃÂvel ao nÃÂvel ético, e ainda tornar-se numa disciplina mais aberta e dialogante. Conseguindo transmitir àcidadania e aos polÃÂticos que esse tipo de transformação e actuação é importante e necessário para a cidade. Mas é uma questão muito complicada, porque acho que há uma questão de fundo da cultura na sociedade portuguesa. E se cabe aos arquitectos mostrar isso àsociedade, esta também tem de estar receptÃÂvel para entender a necessidade da intervenção dos arquitectos, e aànão sou tão optimista. E, mesmo admitindo que a sociedade as leis e o ensino entendam essa necessidade, é sempre um processo de gerações.
Como assim?
Por exemplo nos currÃÂculos do ensino primário e secundário temos alguma matéria sobre as questões ecológicas, mas a maneira como esse currÃÂculo está a ser veiculado é errada. Ela veicula uma ideia de uma natureza fortemente ameaçada pela transformação. Quer dizer que esta ameaça cria uma cultura demasiado defensiva que em última instância coloca mal o instrumento da transformação, ou seja a construção progressiva de uma cultura anti-projecto e muito defensiva. Nos programas escolares não há nada que diga que para ter equilÃÂbrio ecológico e urbano é importante que a transformação seja qualificada. A ecologia não é só defender a alteração do existente, mas também a qualidade da transformação. Porque a transformação irá sempre existir. É muito estranho que em Portugal não exista uma disciplina que diga que para manter uma ecologia viva e de qualidade que diga que os projectos têm de ser de qualidade. Esta perspectiva defensiva, historicista pode ser perversa e destruidora da qualidade ambiental, porque ela não vai impedir a sua transformação, vai é deixar a transformação passar ao lado. Porque é que não existe nas escolas uma disciplina de cidadania que diga o que é viver a cidade? Mas não há esta abertura em termos curriculares. Porque é que estas questões não aparecem na imprensa. Preocupa-me a descredibilização da polÃÂtica e não tanto dos polÃÂticos. Actualmente é raro ouvir falar de politicas e ouve-se sobretudo falar de ´partidarites`. E a própria cidadania vê isto e não reage, está muito mais interessada em saber quem ganha e quem perde. A cultura de projecto e de planificação não é possÃÂvel de funcionar se não for a longo prazo, e esta cultura do vencedor e do vencido não funciona a longo prazo.
Dos inúmeros projectos que tem em mãos, como está o projecto que vai para o local onde está agora o Hotel Estoril Sol?
A obra será iniciada lá para Setembro. E no que toca aos tramites administrativos de aprovações e de projectos está resolvido. Está em curso a empreitada de demolição e preparação dos terrenos. E está em fase de empreitada a construção dos novos edifÃÂcios e dos terrenos adjacentes e das infra-estruturas na criação dos espaços públicos que não existiam. Mas é muito importante falar não só da demolição, mas também da preparação do terreno. Ao retirarmos o edifÃÂcio do Estoril Sol o que fica é uma grande cicatriz no terreno. Apesar do hotel ser um projecto competente e de alguma qualidade é um projecto que tem um ponto fraco muito forte, que são as traseiras do hotel. Uma questão que foi resolvida, aquando da sua construção com um pragmatismo muito grande e muito violento, com a falésia cortada quase a pique o que sempre foi tapado aos utentes do hotel. E uma vez retirado o edifÃÂcio é agora descoberto. Ou seja foi necessário trabalhar aquela falésia, prolongando a zona verde do parque de Palmela, só assim faz sentido projectar o novo edifÃÂcio. Este é um objecto, do ponto de vista arquitectónico que é muito escultório, é uma construção hÃÂbrida entre horizontal e vertical. Não é nem torre nem banda, para que exista uma grande porosidade, apesar do volume construÃÂdo, cerca de trinta por cento menor do que lá está, é ainda assim de algum volume.
Outro dos seus projectos, o edifÃÂcio Jade, que causou impacto no último Salão Imobiliário de Lisboa, em que fase está?
Estamos a avançar com o projecto, o licenciamento já entrou na câmara municipal de Lisboa. Temos tido um grande cuidado ao acompanhar este projecto, e como a arquitectura é transdisciplinar, temo-nos rodeado de vários especialistas para que não existam muitas transformações no projecto.
Estão envolvidos no projecto da requalificação do Palácio de Estoi, qual o andamento dos trabalhos?
A empreitada já se iniciou. Está a existir uma preparação da superfÃÂcie que será a recuperação do terreno para a intervenção que será feita no edifÃÂcio e nos jardins que serão transformados em pousada.
Em que outros projectos está envolvido?
Gostava de destacar a construção do Museu Nacional Machado de Castro. É um verdadeira incursão na história da arquitectura. Este museu já existia, mas para o qual foi aberto um concurso para construir de um novo edifÃÂcio com as necessidades dos museus actuais. E tudo isto está a ser feito num edifÃÂcio com mais de dois mil anos de história. Um criptopórtico de cerca de 65 anos antes de Cristo. Os criptóporticos eram umas estruturas tectónicas que serviam para tornar um terreno inclinado num terreno plano. E este tem cerca de 80 por cento intacto. É um projecto fascinante que tem sido reformulado várias vezes. É uma obra que já foi inciada, e que foi adjudicada no final do Verão passado e que tem de estar concluÃÂda antes do final do próximo ano. Estou ainda a fazer a reabilitação do antigo Hospital da Misericórdia de Viseu, para as Pousadas de Portugal cuja obra arrancou há duas semanas. Um edifÃÂcio belÃÂssimo, neo-clássico.
E no estrangeiro?
Estamos com três projectos em Itália. Dois são de carácter público: uma escola e um ginásio para uma escola existente. O outro é um conjunto de apartamentos turÃÂsticos de iniciativa privada numa praia a norte de Veneza. E agora estamos a participar num concurso para Reggio Calabria. Para além de ter sido convidado para concorrer num concurso restrito para um edifÃÂcio da Universidade de Lovaina, na Bélgica.
Estes projectos continuam a ser feitos em parceria com ateliês locais?
Sim, tem de ser. A tendência homogenizante da União Europeia ainda não é totalmente real nestes aspectos. Temos participado em muitos concursos no estrangeiro onde temos trabalhado em conjunto com gabinetes de jovens arquitectos, o que é muito motivante. Por exemplo trabalhamos com uma ateliê na Bélgica, os Wit Architecten, que têm tido um trabalho muito interessante e que têm ganho obras muito importantes em concursos onde participam grandes nomes da arquitectura europeia. Foi este gabinete participou comigo no edifÃÂcio do Governo do Brabante Belga, em Lovaina. E tem sido muito interessante trabalhar com eles, para além de ser necessário, porque traduzir um caderno de encargos em holandês com algumas regras diferentes das nossas é uma tarefa impossÃÂvel de fazer sem esta ligação com o ateliê.